Profissão mãe: Renata posa com as filhas Isabel, 2 anos, e Bárbara, de 11 meses. Sua esperança é de um mercado que um dia aceite suas necessidades enquanto mãe – e ser humano. FOTO: Arquivo pessoal
Em 2016, as amigas Thatiane e Renata eram duas estrelas de 30 e poucos anos em ascensão no mercado da tecnologia. Em apenas um ano, elas se tornaram representantes de duas extremidades de um movimento que tem acometido cada vez mais mulheres no mercado de trabalho: lean in (ou ceder, dar tudo) ou opt out (desistir).

No recém lançado livro “Garotas equilibristas: O projeto de felicidade das mulheres que estão chegando ao mercado de trabalho” (Editora Pólen, R$49, 192 páginas), Cecília Russo Troiano explica porque os dois movimentos são, na verdade, as pontas da mesma corda de um cabo de guerra. A exigência de que as mulheres dêem muito mais que os homens para se provarem competentes se torna uma pressão que as empurra a desistir do trabalho de forma total, em busca de melhor equilíbrio e qualidade de vida.
“Em, certo sentido, os dois movimentos são faces da mesma moeda”, explica a psicóloga e mestre em gênero e mercado de trabalho.

“O ‘lean in’ (ceder) é um acelerar, pisar fundo na carreira e, do outro lado, ‘opt out’ (desistir) é um tirar o pé do acelerador, voltando mais para casa, deixando trabalho (pelo menos o jeito lean in de trabalhar) de lado.”
As histórias dessas duas amigas são o exemplo perfeito. Em uma área dominada por homens e em que características tidas como tipicamente masculinas tendem a ser mais valorizadas, cada uma delas teve uma reação distinta. De um lado, Thatiane Freire cedeu: deixou de lado seu plano de ter filhos e uma série de sonhos de sua vida pessoal e embarcou numa carreira de horas que vão para muito além da jornada prevista e finais de semana sem descanso. Já Renata Simon Mancuzo saiu fora: percebeu que, por mais que se esforçasse, aquela jornada exaustiva não a fazia feliz – e deixou tudo pra dedicar-se a cuidar das duas filhas pequenas.
“Foi muito duro sair. Eu adorava meu trabalho e, na verdade, ainda gosto. Dentro da minha área de atuação, alcancei bastante sucesso e reconhecimento”, desabafa Renata. “Mas, um mês antes de acabar a licença maternidade, comecei a chorar e não parei mais. Tinha a sensação de estar incompleta, não era nem a mãe que eu gostaria de ser, nem a profissional de antes – e estava totalmente perdida como mulher no meio disso tudo.”
Já Thatiana, que deu entrevista à Revista AzMina entre uma reunião e outra, diz que continua a todo vapor e cheia de reconhecimento, mas não sem desgaste. “Eu nunca parei para pensar, conscientemente, que eu trabalho mais do que os homens porque eu preciso… mas, sim, eu vejo que dou, na minha jornada e trabalho, mais do que alguns homens da minha profissão”, confessa. “Além disso, a mulher também é cobrada de diversas preocupações que o homem não precisa ter como ‘estou bem vestida?’. Poxa, tenho que entregar um trabalho, mas tenho que me preocupar com o jantar. Se eu pensar em ter filhos ficarei fora e posso perder o meu cargo na empresa.”

Vamos aos números

Esse dilema das mulheres do médio e alto escalão das empresas têm sido estudado por psicólogos e especialistas no mercado de trabalho ao longo da última década. E Cecília cita algumas dessas pesquisas sobre o Brasil que revelaram, por exemplo, que três em cada quatro executivas está insatisfeita com o tempo que dedica à sua vida pessoal. E que 29% delas pretendem, mais cedo ou mais tarde, reduzir o ritmo de suas carreiras voluntariamente para ter filhos ou melhorar a qualidade de sua relações pessoais.
Mais: um levantamento da PUC mineira mostrou que quanto mais alto era o cargo de um homem executivo, maiores eram as chances de sua esposa ser dona de casa.

“A quantidade de executivos homens com cônjuges que não trabalham (40,5%) é muito maior do que a das mulheres executivas cujos maridos não trabalham (7%)”, concluíam os pesquisadores.
Os picos no desemprego feminino superiores ao masculino nos últimos cinco anos, segundo Cecília, também são parcialmente explicados pelo fenômeno da desistência, ou opt-out. Segundo ela, a maioria das mulheres pobres e de classe média baixa, em contextos de crise, ainda é demitida devido ao preconceito de que mulheres estão envolvidas demais com a vida pessoal e, por isso, devem ser preteridas. Mas entre mulheres de maior poder aquisitivo, o opt-out engrossa os números do desemprego (veja arte).
“Aquelas que têm poder de escolha estão trocando o estresse e tantas exigências do emprego remunerado por tempo não remunerado com a família, especialmente as que têm filhos”, defende Cecília em sua obra. A especialista salienta que esse é um movimento comum especialmente entre mulheres brancas de classe média, cuja renda dos maridos consegue garantir o sustento da casa.
divisão desigual das tarefas domésticas e relativas aos filhos, com mulheres ainda assumindo 7,5 horas a mais do que os homens, também faz com que elas desistam da carreira assim que as demandas ficam pesadas demais. Não é à toa que enquanto só 19,3% dos homens no topo da carreira não têm filhos, o número salta para 40,3% no caso das mulheres.
Segundo a pesquisa “Women in The Workplace” (Mulheres no Local de Trabalho), da McKinsey, 65% das mulheres com filhos nem sequer desejam ser promovidas a cargos de liderança porque não acham que dariam conta de balancear vida profissional e responsabilidades domésticas. Outros 58%, dentre elas, acha que isso traria estresse demais para suas vidas.
A auditora fiscal do trabalho Marinalva Dantas acredita que há ainda uma outra força empurrando mães para fora do mercado: o assédio moral e sexual. “Não existe ninguém mais maltratada no mercado de trabalho do que mulheres grávidas! Se for negra, então!”, atesta ela. “Elas são agredidas e humilhadas para que se demitam e abram mão de seus direitos trabalhistas e estabilidade. Ficam tão traumatizadas que, depois que o filho nasce, não querem mais voltar. Algumas desenvolvem depressão e crise de pânico”, relata. Em sua experiência, viu que mulheres de todas as classes sociais sofrem com esse problema. Ela mesma é um exemplo.
Para Marinalva, a solução mais simples para esse aspecto do problema seria entender que a licença pertence à criança e não à mulher, podendo ser dividida entre os pais como for conveniente. Assim, elas não ficariam estigmatizadas como sendo um peso para as empresas. “Mesmo que a família tenha condições para que ela deixe de trabalhar, essa não é uma escolha justa para as mulheres. Um filho é responsabilidade de um casal, não apenas da mãe.”

Mas é inteligente incluir mulheres!
Enquanto isso, estudos já comprovaram que incluir mulheres em cargos de chefia não só é uma ideia justa, como faz bem para o bolso das corporações.

Aumentar em 30% o número de mulheres diretoras eleva em 15% os lucros.
Para abocanhar esses 15%, no entanto, as empresas precisam se adaptar, porque segundo a pesquisa de Cecília, a geração de mulheres que entra agora no mercado de trabalho (com vinte e poucos anos) está cada vez menos propensa a ceder tudo. Elas querem o equilíbrio.
“Identifico dois movimentos que podem contrabalançar esses fenômenos. Um das próprias mulheres dessa nova geração, que buscam mais qualidade em todas as esferas de suas vidas. Isso as leva a buscarem uma relação com trabalho menos ‘doente’, com mais limites”, afirma Cecília, otimista. “O outro movimento é de jovens casais se estruturarem dividindo muito mais responsabilidades. Vejo relacionamentos mais equilibrados nesse sentido”.
No entanto, ela alerta que isso não será o bastante: empresa que não flexibilizar horários e dar ofertas de home office vai assistir a uma debandada de talentos femininos.
Renata sonha com o dia que terá equilíbrio entre os dois mundos e espera que o prognóstico de Cecília esteja certo. “Sei que posso dar muito duro em um trabalho com maior flexibilidade e estar mais presente pra elas. Não tem como dar errado, e nesse modelo eu teria felicidade plena”, afirma. “Quando se é feliz, tudo fica melhor. Com certeza a empresa que me contratasse não teria do que reclamar.”