Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Mulheres se unem contra machismo no mundo nerd

por Tory Oliveira — publicado 07/01/2018
Fãs criam sites e grupos virtuais exclusivamente femininos para discutir quadrinhos, séries e filmes
Divulgação
Rey, de Star Wars, e a Mulher Maravilha
Em 2017, filmes estrelados por mulheres como Star Wars - O Último Jedi e Mulher Maravilha foram os campeões de bilheteria
"Precisamos parar de chamá-los de trolls. Os homens que atacam mulheres aqui – aqueles dentro e fora dos quadrinhos – são assediadores em série, abusadores e perseguidores”, criticou a editora-assistente da linha X-Men da Marvel Comics, Christina Harrington, em uma série de mensagens no Twitter que trouxeram à tona, mais uma vez, os ataques de alguns dos super-vilões mais tóxicos do chamado “universo nerd”: o machismo e a misoginia.

Ávida leitora de quadrinhos desde os cinco anos de idade e trabalhando em uma das duas gigantes do setor, Harrington foi criticada e ameaçada após divulgar na rede social uma foto trivial tomando milk shake com outras colegas de trabalho. A enxurrada de comentários, essencialmente masculinos, variaram de críticas à produção da editora e ao feminismo a insinuações de estupro contra Harrington e as demais. 
O caso, que ocorreu no final de novembro de 2017, revela como muitos espaços de discussão e produção da chamada cultura nerd/pop, que engloba quadrinhos, séries, filmes e jogos, ainda são refratários às mulheres – ainda que elas correspondam a uma fatia importante dos consumidores e fãs. 
Christina Harrington e outras editoras da Marvel
A causa da celeuma: ser uma mulher trabalhando com quadrinhos e tomar um milkshake
Em um dos maiores eventos sobre quadrinhos nos Estados Unidos, a Comic-Con, elas são metade dos 130 mil frequentadores. Elas também são 40% das leitoras das HQs da Marvel. No Brasil, pelo segundo ano consecutivo, mulheres e meninas foram maioria (53,6%) entre os gamers.
No cinema, pela primeira vez desde 1958, os três filmes com maior saldo de bilheteria nos Estados Unidos tiveram protagonistas mulheres. São eles Star Wars - O Último Jedi, A Bela e a Fera e Mulher-Maravilha. O ano que se encerrou, aliás, foi o da queda de abusadores poderosos e da explosão de denúncias e investigações contra o assédio e a violência sexual no meio cinematográfico.
Muitas mulheres ainda não se sentem bem-vindas em eventos, fóruns ou grupos de discussão, no entanto. A situação não é nada nova: há anos as fãs, escritoras, desenhistas e gamers denunciam episódios de silenciamento, desqualificação e assédio sofridos simplesmente por serem mulheres nesse meio. Há também níveis preocupantes de racismo e homofobia. 
Em reação, muitas optaram por expressar suas opiniões em grupos exclusivamente femininos, além de criarem e consumirem sites especializados de cultura pop voltados também para mulheres. 
"O universo nerd é cercado de machismo e preconceito. Há uma diferença na recepção do público quando você é uma mulher que gosta da cultura nerd/pop e emite sua opinião na internet sobre uma determinada obra, e quando você é um homem e opina sobre a mesma obra", resume Isabelle Simões de Souza, responsável pelo site brasileiro Delirium Nerd, que nasceu como um blog colaborativo com viés feminista interseccional.
Uma das situações mais comuns, relata, é a sabatina sofrida por mulheres ao falarem que apreciam uma determinada produção. "Se você diz que gosta de Star Wars, por exemplo, é comum alguns homens perguntarem detalhes específicos da franquia, apenas com a intenção de verificar se você é 'fã de verdade'", conta.
Para Souza, tal situação, dificilmente constatada em uma discussão entre homens, é um reflexo da lógica machista de muitos, que preferem acreditar que o interesse pela obra existe para "agradar o namorado" ou "chamar a atenção" – e não por se tratar realmente uma fã. 
Ela cita como exemplo os comentários agressivos recebidos pela autora de uma resenha do filme Liga da Justiça no Delirium Nerd. Nele, ela pontuava os motivos pelos quais não gostou da produção. A reação masculina foi afirmar que a autora "não entendeu o filme". 
"Nós, mulheres, temos de ser especialistas nas obras nerds, enquanto os outros amigos desses caras não passam pela mesma concessão do merecimento da carteirinha nerd", afirma. 
"A insegurança é tamanha que ele não aceita que uma mulher saiba mais. Sofri essa misoginia durante 20 anos, mesmo sabendo muito sobre heróis, mais do que muitos homens que conheço", lembra a jornalista Gabriela Franco, editora-chefe do Minas Nerds, site dedicado a discutir a temática de um ponto de vista feminista. No Facebook, o site reúne 5 mil mulheres em um grupo de discussão fechado.
"Quando você pergunta porque elas estão nesses grupos, a resposta é a mesma: não dá pra se posicionar em um ambiente misto", conta Dani Marino, editora-sênior do Minas Nerds e pesquisadora do Observatório de Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
"É muito nocivo para a autoestima delas e essas questões são muito discutidas nos grupos fechados. Teve um caso de uma menina esse ano que fez um cosplay [prática de se caracterizar como um personagem] de Mulher-Maravilha e foi super xingada. Ela ficou muito mal, quase desistiu de fazer cosplay", lembra Marino.
Gabriela Franco afirma que o projeto nasceu justamente da experiência de sofrer ataques em um fórum misto após uma discussão com outro frequentador do mesmo espaço. 
"O cara pegou foto minha e começou a espalhar, foi bem pesado", lembra ela "Se eu me senti ameaçada e frágil, imagine as meninas que querem começar a ler? Elas precisam de um local seguro, onde não se sintam ameaçadas por simplesmente ser uma mulher e fazer uma pergunta. E aí eu criei o Minas Nerds", afirma ela, que trabalha com a temática profissionalmente desde 1997. 
O machismo na cultura pop também se expressa na maneira como as personagens femininas são representadas. Além da hipersexualização da heroína ou vilã ser muito mais comum do que a de suas contrapartes masculinas, um dos estereótipos mais frequentes é a existência da personagem no roteiro apenas para motivar o herói masculino ou o uso gratuito da violência contra a mulher como recurso narrativo. 
Harley Quinn
A vilã Harley Quinn (Arlequina) em Esquadrão Suicida
"Queremos ver mulheres que também salvam a si próprias e outras pessoas, que trabalham em parceria com os personagens masculinos e que não estão inseridas nas obras apenas para o prazer do olhar masculino, mediante roupas (ou falta delas?) sexualizando seus corpos", afirma Isabelle Souza, do Delirium Nerd.
"Mulheres também são consumidoras e apreciadoras da cultura pop e nerd e querem ver personagens femininas bem desenvolvidas e complexas, assim como os personagens masculinos geralmente são", critica. 
Para ela, a cultura nerd está, aos poucos, abrindo-se para a diversidade racial e de gênero. "Isso também gera incômodo para aqueles que tem pensamento retrógrado e acreditam que o protagonismo deve ser concedido apenas ao homens brancos". 
Um exemplo claro, diz, foi a recepção ao Star Wars: O Despertar da Força (2015), filme criticado pela escolha de uma mulher (Rey, interpretada por Daisy Ridley) e de um homem negro como protagonistas (Finn, interpretado por John Boyega).
Em 2017, a sequência da franquia O Último Jedi também incomodou alguns pela presença de uma personagem asiática: Rose Tico (Kelly Marie Tran). Os ataques à etnia de Rose em uma enciclopédia virtual de Star Wars chamaram a atenção de um dos roteiristas do longa, que classificou os comentários como "chocantes e tristes": "Os fãs de Star Wars precisam ser melhores do que isso". 



Jeez. Racists have been attacking @WookOfficial. The history of changes in the last day to Rose Tico's page is shocking and sad. fans should be better than this.

E como os homens podem fazer sua parte no combate ao machismo no universo nerd?
"Integrando as mulheres de todas as formas, não tomando o lugar de fala e representando devidamente as personagens femininas, evitando o uso de estereótipos, como a objetificação", elenca Gabriela Franco. Isabelle, por sua vez, aconselha que eles leiam críticas escritas por mulheres e, principalmente, ouçam o que elas têm a dizer. "Principalmente quando pontuam sobre o machismo nesse meio e cobram melhores representações femininas nas obras".

Nenhum comentário:

Postar um comentário