‘Precisamos de disponibilidade total, talvez com um filho fique difícil para você. Que tal deixar que eu mesma decida sobre isso?’
publicado 11/01/2018 por EQUIPE AZMINA
Quem senta no Divã de hoje é a Camila Conti*.
“Comecei o ano de 2017 com um plano na cabeça: pesquisar o mercado de trabalho formal e sua relação com as mães, algo que já acompanhamos diariamente na Rede Maternativa, colocando-me como objeto dessa experiência. Como? Procurando emprego.
A princípio não foi nada muito complicado: refiz meu curriculum vitae sem mencionar minha idade nem minha maternidade, colocando apenas a minha experiência dos últimos dois anos à frente da Maternativa, além de toda a bagagem profissional que acumulo, tendo começado a trabalhar aos 16 anos.
Tenho 20 anos no mercado de trabalho, duas faculdades, uma pós graduação e experiências que passam pelas empresas privadas e Terceiro Setor. Caprichei no LinkedIn, atualizei meus dados em três bases de buscas por profissionais e lancei um e-mail para conhecidos falando sobre minha nova jornada. No começo algumas pessoas se surpreenderam me questionando se eu estava saindo da Maternativa e foi difícil manter o ‘segredo’ de que era uma experiência e investigação pessoal sobre o que é ser mãe e buscar uma recolocação no mercado tradicional. Segui firme e reforcei que estava repensando minha carreira.
Os contatos pessoais foram ótimos: mulheres incríveis se prontificaram a me ajudar e algumas oportunidades e conversas interessantes surgiram. Nada que se concretizasse efetivamente em um emprego, entretanto, o apoio dessas mulheres me deu confiança e energia para acreditar que sim, pode dar certo. Para ser mais exata, fiz seis entrevistas de emprego no ano passado.
A primeira, em março, não foi muito animadora. Depois de uma breve conversa ao telefone, fui até a empresa recrutadora e em menos de 5 minutos a conversa estava encerrada. E ela encerrou-se exatamente quando mencionei que tinha 36 anos e um filho de 3.
A segunda entrevista foi melhor. Uma amiga me indicou para uma vaga de comunicação e a conversa na empresa foi superbacana. Contei da minha experiência, fiz uma redação simples e a recrutadora pareceu gostar de mim. Mencionei que tinha um filho, o que a princípio não pareceu ser um problema e aguardei um novo contato, que aconteceu três dias depois. Nesse momento, fui falar com o gestor da área, tipo o chefe, que gostou do meu currículo mas me achou ‘empreendedora’ demais. Não consegui. E tudo bem.
Na terceira entrevista do ano, o que aconteceu foi estarrecedor. Eu recebi uma ligação de uma recrutadora que buscava uma profissional de design para um grande banco, desses que faz campanhas bem bonitas com crianças, mães, pais e famílias felizes em seus comerciais. Meu filho estava na sala brincando e eu atendi a ligação com uma certa tensão (quem tem filho pequeno sabe o que acontece quando eles nos veem com um celular).
O papo seguia bem, muito bem por sinal, até que o Jun apareceu no quarto e começou a gritar : “Mamãe, mamãe!”.
Ao pedir um minuto para a recrutadora e arregalar meus olhos para o meu filho pedindo calmamente para que ele não gritasse e me desse um minuto… ela desligou o telefone.
O quarto processo do ano foi um desastre total. Fui diretamente à empresa, falei sobre minha experiência e eles foram diretos: ‘Precisamos de uma pessoa com disponibilidade total, talvez com um filho fique difícil para você’. Opa! Que tal deixar que eu mesma decida sobre isso? Meu filho tem pai, vai para a escola em tempo integral, moro quase ao lado dessa agência… Nos meus sonhos mais profundos eu levantava, empurrava a mesa, destruía as plantas, chutava o galão de água e a mesa de café. Na vida real, levantei e fui embora.
O quinto processo seletivo do ano merece destaque porque foi o único em que me senti efetivamente avaliada pelas minhas competências e experiências. Um processo com muita isonomia e seriedade. Vi uma vaga para o Sesc em um desses grupos focados em empregos e decidi me inscrever sem absolutamente nenhuma pretensão. Foram 200 pessoas selecionadas e eu estava entre elas.
Passei para a fase seguinte, a da apresentação dos documentos e para a seguinte, a da prova escrita. Ao ser selecionada nessa fase, já eram apenas 10 pessoas concorrendo à vaga, em uma prova prática de UI/UX. Passei, ganhei confiança e fui para a fase final, aquela com o recrutador do RH, junto com mais seis candidatos. Não fui aprovada, mas não me senti em momento algum prejudicada pela minha condição de mulher ou mãe. Sem sombra de dúvida, foi a seleção mais longa e difícil que já fiz e, ao mesmo tempo, aquela em que me senti mais respeitada.
Apesar de ter passado por essa ótima experiência no Sesc, minha última entrevista do ano foi um soco no estômago. Uma headhunter me ligou e ficamos mais de 20 minutos ao telefone. Ela me convidou para uma conversa no dia seguinte, na sede da empresa recrutadora. Um prédio enorme, um escritório imponente, uma sala de entrevistas ‘amigável’. Sem mesas separando recrutadora de candidata, estava eu sentada em um sofazinho quase ao lado da entrevistadora, discorrendo sobre minha carreira, experiência, expectativas… aquela coisa headhunter do tipo ‘queremos talentos’. Então tá, estão aqui todos os meus.
Como a ideia era de que aquela não fosse necessariamente uma entrevista (apesar de ser, e eu sabia) e sim, um ‘papo’ (como a headhunter disse), senti-me à vontade para trazer também as minhas demandas enquanto profissional. A coisa desandou quando fiz uma pergunta relativamente inocente: ‘Existe alguma possibilidade de flexibilidade de horário?’. A recrutadora me perguntou se eu tinha alguma restrição e o porquê. Na verdade, eu só queria saber se existia essa possibilidade porque eu tenho um filho de três anos e meio.
A partir desse momento, tudo o que se seguiu na entrevista tinha a ver com a minha maternidade. ‘Ele vai para a escola?’. ‘Você tem babá?’. ‘Como você concilia a maternidade com o trabalho?’. ‘Você está disposta a investir na sua carreira?’. ‘Você leu o livro da Sheryl Sandberg?’. ‘Você se considera lean in ou opt out?’.
O curioso é que em nenhum momento ela me perguntou se meu filho tinha pai e quais as responsabilidades dele nesse processo. Depois de um batalhão de perguntas sobre o fato de eu ser mãe, decidi que desta vez eu não ia deixar passar batido.
Em um dado momento, interrompi um de seus questionamentos e disse: ‘Você também pergunta isso aos homens que são pais?’.
Nesse momento, aquele meio sorriso presente na sua face inexpressiva ganhou os contornos de uma ligeira tensão. Pra ser mais exata, ela fechou a cara mesmo. E, com muita elegância e educação, estendeu sua mão para mim e me agradeceu, indicando o caminho da saída.
Especialmente nessa ocasião, diferente de todas as outras, eu cheguei em casa arrasada. Quis esmurrar a parede, gritar, quebrar copos. Quis fazer #textão para o Facebook. Foi difícil segurar. O máximo que consegui foi desabafar via whatsapp com alguns amigos.
Essa foi uma experiência muito pessoal, uma jornada muito própria e não vou me arriscar a dizer se é assim ou assado o tempo todo. Falo sobre o que vivi e senti: preconceito e desqualificação da minha condição profissional sempre que eu mencionava a maternidade. O mercado de trabalho não é café-com-leite e tampouco vai nos tratar de forma diferenciada. Eu fui disposta a encarar tudo isso.
Mas… sabe como é. Eu tenho um filho pequeno e, para o mercado de trabalho, ele é a minha justa causa.”
* Camila Conti é cofundadora e UI/UX Designer da Rede Maternativa, startup brasileira com foco no empreendedorismo materno
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