O desejo dos casais sobrevive a um homem que lave, cozinhe e cuide da casa?
Além de chata, lavar louça é uma tarefa inesgotável. A gente passa 15 minutos na pia depois do almoço, irritado, e tem de voltar à esponja e ao detergente poucas horas depois, ao final do jantar, ainda lembrando como foi lavar a primeira louça do dia, no café da manhã – rotina que se repete todos os dias.
Conheço algumas pessoas inteligentes que adoram lavar louça. Eu detesto, mas faço. Também tenho lavado roupa (na máquina), descascado abacaxi (há dois dias, pela primeira vez na vida), ido ao supermercado e cozinhado. Depois de décadas de abstinência, finalmente assumi uma parte das tarefas da casa.
Considerem isso um gesto de amor, inclusive por mim mesmo.
A alienação da cultura masculina brasileira em relação às atividades domésticas é espetacular. Imagine um ser humano que não faz a própria comida, não limpa a própria privada, não cuida da própria roupa e nem arruma a própria cama. As únicas coisas que ele faz por si mesmo diariamente são tomar banho e trabalhar. O resto obtém, por dinheiro ou por afeto, com alguém do sexo feminino. Mãe, mulher ou empregada doméstica.
O grau de dependência de quem vive assim equivale ao de uma criança que não sabe ler. Por isso falo em alienação. É o que acontece quando um adulto renuncia ao controle sobre atividades essenciais a sua existência e fica reduzido à condição de pessoa partida, que experimenta somente aspectos parciais da sua própria humanidade, sem tomar contato com a totalidade dela.
O que eu vou dizer parece um contrassenso, mas o cara que não faz nada em casa – e nem participa da rotina dos filhos – sofre de empobrecimento existencial. Imenso. Ele explora o trabalho das mulheres a sua volta e tem uma vida mais confortável por causa delas, mas isso não faz dele um cara feliz. Toda servidão cobra um preço moral e psicológico de quem é servido – em dependência, em culpa e em medo permanente (mesmo inconsciente) da revolta do outro. Uma hora ou outra, o preço é pago.
O sujeito que senta no sofá todas as noites, enquanto a mulher que trabalhou o dia todo faz o jantar sozinha, sabe que vive uma situação moralmente insustentável.
Vejam quanto eu aprendi em dois meses de trabalho doméstico! Nesse ritmo, vou propor uma revolução na consciência masculina pela laborterapia: tanque, fogão e pia, repetir todos os dias!
Isso tudo, claro, se eu passar pelo teste do tesão. Afinal, ouvi durante anos – a vida inteira, na verdade – que as mulheres não se interessam por caras domésticos. Leia-se domesticados. Se a minha namorada me trocar por um tipo cheio de testosterona, desses que só entram na cozinha para pegar cerveja, talvez eu reconsidere minha aspiração a ser um cara do lar. Ou pode acontecer que eu mesmo perca o interesse em sexo, depois de tantas horas picando alho e vertendo amaciante. Também me disseram, repetidamente, que para ser homem eu teria de fazer coisas de homem – brigar, transar, trabalhar – e não me envolver em atividades de meninas. Se o meu tesão secar no escorredor ou descer pelo ralo da pia, volto correndo à vida de macho.
Faço ironia, obviamente.
Minha experiência sugere que o desejo dos casais resiste aos fins de semana de faxina. As mulheres curtem homens que fazem comida e cuidam da casa. Isso as deixa felizes e amorosas. Sentem-se amadas, eu acho. Para os homens, é natural ser cuidado por mulheres. Nossa mãe faz isso por nós desde que nascemos. Para as mulheres, o peso dessa atenção masculina é outro. Muito maior.
Imagino que haja mulheres para quem homens de avental sejam sinônimo de tédio, que sonham em ser arrancadas da rotina por um aventureiro rude ou confinadas ao lar por um provedor que assegure conforto e proteção. Está tudo bem que seja assim. Eu também já tive fantasias com Ava Gardner (se não sabe quem é, vá ao Google) que dizia de si mesma: “Eu sou bonita, mas não valho nada”. Hoje em dia, prefiro a vida real, que invariavelmente começa na cozinha.
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