O estilo de vida urbano e a falta de uma rede familiar e de parentes com filhos fazem com que muitas mulheres se sintam esgotadas e sobrecarregadas
DIANA OLIVER
19 JAN 2018
El País
Para Sem Campón, designer gráfico e autor do blog Y yo con estas barbas, um encontro com uma mãe e sua filha no parque o fez repensar quão sozinhos estamos na criação de nossos filhos. Sozinhos e muitas vezes perdidos. Aquela mulher passava por uma situação difícil e ele estendeu sua mão com um cartão de visitas e um pouco de papo e empatia. Contou essa história em um post, que teve centenas de visitas e com o qual muitas mães, e também pais, se identificaram: “Os pais devem se ajudar entre si. No que possamos e saibamos. É um preceito de ética básica que gostaria de aplicar na educação de meus filhos e não conheço nada melhor do que ensinar com o exemplo”, diz no fim do post.
Quão solitária pode ser a maternidade no século XXI era algo que já se discutia há alguns anos. Carolina del Olmo, formada em filosofia e diretora de cultura do Círculo de Bellas Artes de Madri, fala a respeito em Dónde está mi tribu (Onde está a minha tribo), um livro em forma de ensaio que se tornou referência e quase uma bandeira de compreensão, para muitas famílias e profissionais interessados nas práticas maternas. Uma solidão que inevitavelmente chega se coube a você viver a maternidadeem uma cidade sem muito ou nenhum apoio familiar ou com esse apoio a centenas de quilômetros. Inquestionável se forem mães sozinhas por escolha que não têm uma rede ao redor.
Para a socióloga Teresa Jurado, um aspecto que influi é que as mães deste século têm muito menos filhos do que dos séculos anteriores. “Na Espanha estamos há mais de três décadas com um índice de 1,3 e 1,5 filhos por mulher. Há uma alta proporção de mães que só têm um filho e cada vez há menos mães que têm três filhos ou mais. Por haver menos filhos, muitas mulheres quando têm seu primeiro, não tiveram uma experiência próxima que lhes permita aprender a prática de cuidar de crianças. Isso pode fazer com que se sintam sozinhas diante de um desafio que não sabem bem como enfrentar sobretudo se não vivem perto das avós e de outras mulheres de sua família com experiência em criação de filhos”, explica.
María José Garrido, doutora em Antropologia especializada em maternidade e infância, compartilha essa ideia. Para ela, o contexto de criação em nossas sociedades ocidentais “é o resultado da solidão física, da falta de referências e do desconhecimento real da maternidade”. Garrido relembra que muitos dos pais e mães recentes pertencem a uma geração que não pôde resolver muitas dúvidas com suas famílias porque “foram criados com pautas modernas, distantes das necessidades biológicas e emocionais dos filhos”.
É exatamente isso que viveu Paula, de Alicante, mãe de 33 anos, apesar de sempre ter seguido na mesma direção que seu marido (“ele sempre me apoiou em tudo”). Ela sentiu a necessidade de estar acompanhada de mais pessoas com quem compartilhar a criação de sua filha que agora faz três anos. “Nem amigas, nem família, ninguém entende nossa forma de criar os filhos. Como não é o modelo entendido como ‘tradicional’, ficam esperando que erremos a qualquer momento. De fato, o criar de forma diferente significa que em muitos momentos, além de nos julgar, nos deixam de lado e não contam conosco da mesma forma que antes”, lamenta.
Diga-me como vives e te direi como viverás
Pilar foi mãe há pouco mais de um ano, em 20 de dezembro de 2016. É jornalista e cofundadora de uma empresa de comunicação. Com isso, concilia a criação de sua filha com um trabalho que pode realizar em casa, “fazendo malabarismo para dar conta de tudo todo dia”. Vive a mais de 300 quilômetros de sua família e de sua melhor amiga, o que complica ainda mais as coisas, sobretudo porque, diz, seu cônjuge e ela decidiram cuidar eles mesmos da filha, prescindindo de creches e de outras opções de cuidados externos.
Para Pilar, as circunstâncias de sua vida atual influenciam de forma inevitável na criação da filha, mas também em sua forma de enfrentar essa mudança vital que a maternidade representa: “O cansaço que vai se acumulando dia após dia, semana após semana, mês após mês... Se eu tivesse por perto uma rede de apoio familiar, talvez conseguisse dormir mais, porque minha filha poderia ficar com avós, ou tios, algumas horas por dia e eu poderia aproveitar para adiantar o trabalho. Mas não é o caso. Levanto cedo demais e chega um momento do dia em que já não aguento mais, mas minha filha sim. E me frustro, porque não dou conta, sou incapaz de dar conta de tudo. E me sinto sobrecarregada, com a sensação de não estar dando a meu bebê tudo de que necessita, de não estar ‘à altura’. E, insisto, ainda não aconteceu de termos que deixá-la na creche. Então, sim, diria que a solidão influencia totalmente na criação, porque gostaria de passar com minha filha o máximo de tempo possível e uma escola infantil não é meu ideal de criação”, explica.
Também não houve uma geração de mães menos acompanhadas na criação dos filhos
Carolina del Olmo em seu livro afirma que “o esquecimento constante das circunstâncias que rodeiam o par mãe/filho está contribuindo para criar uma imagem da maternidade que não corresponde à realidade”, algo que pudemos ver em recentes declarações de profissionais que acabam de se tornar mães. É o caso de Samanta Villar. Mães cansadas, esgotadas e sozinhas que se sentem sobrecarregadas não pela maternidade em si, mas pelas circunstâncias. “É bom que paremos de fingir que tudo é maravilhoso, mas será que temos que dar como certo que os percalços que muitas vezes experimentamos são inerentes à maternidade? Não seria melhor considerá-los efeitos perversos das condições inadequadas que nossa civilização impõe a mães, pais e filhos?”, continua del Olmo.
Garrido comenta sobre esse “parar de fingir que tudo é maravilhoso”, que a imagem dos filhos que nos chega pela publicidade é distorcida, irreal e adocicada: “Diante do cansaço das noites sem dormir, da revolução hormonal do puerpério, de um bebê que precisa de nós e nos reclama 24 horas por dia, é impossível continuar mantendo a casa perfeita, o corpo perfeito e continuar trabalhando em pleno rendimento. O impacto em relação à realidade é imenso. O índice de depressão pós-parto também”.
Para Pilar, viver em uma sociedade terrivelmente individualista e competitiva na qual desde meninas somos massacradas com “você consegue” contribui para que seja difícil pedir ajuda ou soltar um “para mim já deu”, porque sempre pode-se ir um pouco além para depois “fracassar”. A jornalista madrilenha acrescenta a isso o choque direto da imagem idílica da maternidade com o que verdadeiramente é em muitos casos: “Você se sente sozinha porque não sabe se o que está sentindo/passando é normal ou é ‘culpa sua’ (essa culpa que parece patrimônio exclusivo das mulheres) e custa falar disso (colocar palavras no que sentimos muitas vezes afugenta essa solidão). Felizmente, acredito que pertencemos a uma geração que está rompendo o tabu e está se animando a falar de tudo isso. A maternidade é bonita, mas também é difícil”.
Procurando sua tribo
“A que hora você leva Harvey ao médico?”, “Tem açúcar?” ou “Nos vemos na esquina em dez minutos?” eram frases cotidianas quando se vivia em um modesto bloco de apartamentos no Bronx dos anos 40 e 50, conta a escritora e ativista Vivian Gornick em suas honestas memórias Fierce attachments (sem tradução no Brasil). Há anos já dissemos adeus àqueles gritos de janela para janela. Àquele vai-e-vem de portas abertas e recados compartilhados. Ao apoio dos vizinhos. Pelo menos naquele formato e intensidade. E isso inevitavelmente também afetou a criação dos filhos.
María José Garrido diz que não houve uma geração de filhos mais solitários em nosso planeta do que a ocidental atual. Também não houve uma geração de mães menos acompanhadas na criação. De um lado, refere-se à ausência, nas sociedades industrializadas, “da rede de mulheres em torno da maternidade, durante a gravidez, parto e puerpério, que foi habitual ao longo da história da humanidade”. De outro, ao tipo de família predominante na atualidade: “nuclear, composta por pai, mãe e filhos, nos afastou da proteção da família estendida (primos, tios, avós, sobrinhos)”.
Os grupos de mães podem oferecer recursos, informação e calor à nova mãe
Claudia Pariente, formada em Ciências da Informação e fundadora do Entre mamás, um centro de acompanhamento maternal em Madri, depois do nascimento de sua primeira filha se viu diante de “um pós-parto difícil, com um aleitamento interrompido e sem lugar para onde ir”. Seu marido, engenheiro de profissão, mal passou na época por uma licença paternidade de dois dias e Claudia, sem rede familiar nem social, sentiu uma enorme necessidade de se reunir com outras mães. Começou então a convidar as mães que conhecia por meio de fóruns e blogs, e que estavam vivendo uma situação similar à dela, para compartilhar um café e conversas em um grupo em sua casa. Rapidamente aquela sala ficou pequena. Foi então que decidiu abrir um local que servisse de ponto de encontro para as mães. Nascia assim o Entre mamás em 2009.
Os grupos de mães que há pouco mais de uma década se reúnem ou se encontram pela internet ou em nível presencial constituem a versão atualizada dos grupos de mulheres tradicionais em torno da criação. “Os espaços, tanto os virtuais como os presenciais, se baseiam no altruísmo, na solidariedade social e na ajuda mútua, e representam um apoio emocional enorme para muitas mães e bebês. Os seres humanos precisam se sentir parte de um grupo e, em um momento de vulnerabilidade máxima como é a maternidade, precisamos ainda mais nos sentir compreendidas e comparar nossa realidade com outras semelhantes”, conta María José Garrido. Para a antropóloga, as redes de maternidade representam autênticas comunidades de criação que geram vínculos emocionais intensos e duradouros, e cita entre duas funções mais relevantes “o assessoramento e a resolução de problemas e dúvidas, compartilhamento de vivências e o apoio mútuo e a sustentação emocional”.
Susana é veterinária, mas há alguns anos não exerce. Tem um filho de quatro anos e meio e, apesar de ser natural de Córdoba, percorreu vários pontos da geografia espanhola até acabar se instalando em Zaragoza, perto de sua irmã, para se sentir mais acompanhada. Reconhece que, quando viveu em Madri, longe da família e com um bebê de poucos meses e um marido militar que viajava longas temporadas, se sentiu muito sozinha. Foi então que se propôs a participar de um grupo de amamentação que se reunia perto de sua casa para preencher esse vazio (“Comecei a ir a um grupo de amamentação, logo me tornei sócia-colaboradora. Gostei tanto da ideia de ajudar que fiz um curso de assessora de amamentação e aprendi muito para conseguir acompanhar outras mães”). A parte boa que encontrou naquilo foi o apoio emocional. No entanto, admite, nunca chegou a ter confiança suficiente com ninguém para desabafar ou pedir em determinado momento algo de que necessitasse. “Em Madri sentia muita falta de minha mãe que morreu quando eu tinha 24 anos. Sei que teria me entendido e apoiado. Meu marido ficava fora por meses e eu às vezes me sentia a pior mãe do mundo.”
Pilar opina que ler ou escutar que você não está sozinha ou se sente sozinha reconforta muito. “Eu nem sei quantas vezes voltei a este poema de Luna Miguel ou que uma conversa na rua com uma mãe recente se alongou mais da conta, porque precisamos nos contar, nos reconhecer na outra, como se nos olhássemos em um espelho que nos explica o que, às vezes, parece inexplicável, mas não é. Somos humanas e devemos nos permitir nos enganar, nos render, ser imperfeitas, mas tudo isso é mais fácil permitir às demais. Por isso as outras são importantes, porque são o primeiro passo para nos permitir, nos perdoar, a nós mesmas”, reflete. Nesse sentido, María José Garrido afirma que as mães de hoje vivem em uma sociedade que exige que sejam “mães abnegadas, assalariadas eficientes e esposas perfeitas, enquanto são submetidas a um modelo de juventude, beleza e magreza impossível. Somos julgadas e condenadas. As ridículas baixas maternais são uma demonstração do que nossa sociedade espera das mães. Voltar à vida estressante aos três meses e meio. Como se nada tivesse acontecido. Quando sua vida mudou para sempre.”
“É uma mudança de vida insana. Sua vida, a que era, não volta mais, e você também não é mais quem foi. Falta um processo de ‘luto’ para digerir isso. Um processo que se torna mais simples se você está acompanhada. Eu, por exemplo, tenho a sorte de que minha melhor amiga passou por tudo isso antes de mim e foi mãe pela segunda vez algumas semanas antes de minha filha nascer. Ela está sendo meu grande apoio e sinto uma gratidão infinita por isso”, acrescenta Pilar.
Claudia Pariente conta que a principal preocupação das mães quando chegam ao Entre mamás é o choque dessa transformação que a maternidade representa. “Têm a sensação de ‘ninguém me contou’ que, especialmente se o parto não foi bom, se o pós-parto é vivido em solidão e você tem milhares de dúvidas e de juízes em volta, pode ser um túnel muito difícil de atravessar. Some-se a isso as noites sem dormir e o cansaço... A pergunta constante: Voltarei algum dia a ser a mesma?”. A fundadora do Entre mamás também observou que as mulheres, além de solitárias, se sentem frequentemente julgadas. “Centenas de ‘regras’ aparecem para nós sobre como ser a melhor mãe e fazer tudo perfeito. A criação se tornou muito dogmática e exigente. Não acredito que haja um método perfeito e colocar essa carga em cima de nossos ombros é muito injusto”, lamenta.
Para Pariente, falta o apoio social, “ser bem-vindas em todos os espaços; incluir a família estendida e os amigos na tarefa maravilhosa de criar”. E reconhece que os grupos de mães podem oferecer recursos, informação e calor à nova mãe, mas sem esquecer que essa mãe tem outras necessidades e precisa de apoio de seu entorno para o resto de suas atividades. “Da minha parte, visibilizar a maternidade é um ativismo pessoal”, conclui.
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