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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Marlene Dietrich, a musa andrógina

por Vanessa Thorpe — publicado 12/01/2018
Seu estilo fino e estudadíssimo está em uma mostra nos EUA e outra em Paris
John Engstead
Marlene
Em O Anjo Azul (1930), as pernas míticas conquistam o mundo
Quando Marlene Dietrich disse ao Observer, em 1960, “se eu me vestisse para mim mesma, não me importaria com nada”, foi uma confissão inesperada de um dos mais persistentes símbolos de sofisticação e estilo.
“As roupas me entediam. Eu usaria jeans”, continuou a atriz alemã. Mas, desde as primeiras aparições de Dietrich nas telas de cinema e em noticiários, sua preferência por roupas glamourosas, mas andróginas, destacou-a de outras protagonistas mulheres.

“Eu me visto para a imagem. Não para mim mesma, nem para o público, nem para a moda, nem para os homens”, explicou, quando foi o tema de uma reportagem nesse jornal “em que mulheres de várias posições na vida discutem sua atitude em relação à moda e sua opção por roupas”.
Vinte e cinco anos depois de sua morte, uma nova exposição comemorando a relação especial de Dietrich com a câmera estreou em Paris, enquanto em Washington outra mostra fotográfica, Dressed for the Image (Vestida para a Imagem), examina a construção de sua poderosa marca visual, tirando o título da entrevista do Observer 57 anos atrás.
Sejam quais forem os verdadeiros sentimentos de Dietrich sobre a aparência, sua imagem cuidadosamente tratada era um posicionamento político, além de uma declaração de moda.
Sua associação com o mundo liberal de cabaré imoral em Weimar, juntamente com sua resistência às tentativas nazistas de usá-la no fim de sua carreira, fez da atriz valioso emblema de uma Alemanha livre no tempo da Guerra. Ao mesmo tempo, a ousada zombaria sexual por trás de sua troca de gêneros na alta-costura pretendia ser instigante e subversiva.
O que ficou conhecido como a “silhueta Dietrich” foi inicialmente criado pelo corte esguio, masculino, de seus ternos. Ela confidenciou que fazia exigências específicas ao alfaiate: “Sempre tive de mandar fazer roupas para mim, por causa de minha forma incomum – ombros largos e quadris estreitos”.
No deck da SS Europa, em Cherboug, França (Foto: Deutsche Kinemathek/Marlene Dietrich Collection Berlin)
O novo surto de fascínio pela estrela neste inverno ocorre num momento em que o tratamento dado às mulheres em Hollywood está no centro do debate público, paralelamente a uma discussão social mais ampla sobre a fluidez das identidades de gênero.
Como resultado, a poderosa androginia de Dietrich adquiriu um novo registro: parece um desafio premonitório à hierarquia masculina na indústria do cinema e às normas sexuais restritivas.
Também é verdade que o amor de Dietrich por vestir roupas de homem – certa vez, ela disse: “No fundo sou um cavalheiro” – fazia parte da época. Ela não estava muito distante do visual reto, sóbrio, usado por outras estrelas festejadas de Hollywood dessa era, como Katharine Hepburn e, em menor grau, Joan Crawford ou Barbara Stanwyck.
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Inspirou-se no submundo dos cabarés, sexualmente livre, ousado, subversivo (Foto: Deutsche Kinemathek/Marlene Dietrich Collection Berlin)
Foram necessários fotógrafos talentosos como Irving Penn, Richard Avedon, Eve Arnold e Cecil Beaton para construir o mito Dietrich. Em uma foto famosa, tirada pelo fotógrafo de stills da Paramount Eugene Robert Richee, a atriz está de cartola, gravata branca e fraque, com um cigarro pendurado nos lábios.
Dietrich afirmava que esse visual cavalheiro urbano foi inspirado em Vesta Tilley, a popular artista inglesa de music hall, mas sua própria versão era mais delicada e altamente burilada.
“Ela tem sexo, mas não um gênero definido”, escreveu o crítico do Observer Kenneth Tynan, em linguagem tipicamente abrangente. “Sua masculinidade atrai as mulheres e sua sexualidade, os homens.”
Essa sensação de ambiguidade foi deliberadamente criada por Dietrich em colaboração com seu mentor, o diretor de cinema Josef von Sternberg. Ele a havia tornado famosa internacionalmente com O Anjo Azul, de 1930, filmado em alemão e em inglês, e projetado a atriz de 28 anos de Berlim como Lola Lola, uma estrela de cabaré de moral duvidosa que manipula um professor apaixonado.
Depois que foi trabalhar nos Estados Unidos, e agora amante de Von Sternberg, a atriz emagreceu, tingiu o cabelo de louro e adotou as sobrancelhas finas, desenhadas a lápis, que se tornaram sua marca registrada.
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Aos 17 anos, na Alemanha (Foto: Joël-Heinzelmann Atelier e Paul Cwojdzinski)
Seu amigo Erich Maria Remarque certa vez descreveu suas feições com grande entusiasmo no romance Arco do Triunfo: “O rosto frio e luminoso que não pedia nada, que simplesmente existia, esperando.... Podia-se sonhar qualquer coisa nele”.
Diante da câmera de Von Sternberg Dietrich aprendeu técnicas de maquiagem, iluminação e edição que lhe permitiram manter o controle de sua imagem durante muitos anos. O filme Marrocos, do mesmo diretor, ficou famoso por uma cena em que Dietrich, de fraque, de repente beija a boca de uma mulher na plateia.
A exposição francesa Obsession Marlene, na Maison Européenne de la Photographie, no Centro da capital, é tirada da vasta coleção de Pierre Passebon, que é curador da mostra e disse que pretende exibir a estrela “com o passar do tempo”.
Os visitantes são apresentados a uma Dietrich de 6 anos, nascida Marie Magdalene, de maria-chiquinha, enquanto a exposição termina com instantâneos de paparazzi roubados de uma reclusa adorada que raramente saía de seu apartamento em Paris.
Para Passebon, a coragem de seu ídolo era a chave. “Na vida real ela teve diversos casos com mulheres”, disse ele. “Ser abertamente bissexual nos anos 1940 e 50 exigia coragem, o que Dietrich tinha em abundância.”
Dietrich foi corajosa, também, ao dar as costas à sua terra. A biografia de Charlotte Chandler, de 2011, narra a apresentação pessoal que a estrela teve de fazer em sua embaixada para ter o passaporte alemão renovado.
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Ser abertamente bissexual nos anos 40 e 50 exigia coragem. Marlene tinha de cobra (Foto: Eugene Robert Richee)
Era essencial para que ela pudesse requerer a cidadania norte-americana, que afinal lhe foi concedida em 1939. Ela não podia deixar que as autoridades nazistas soubessem que não voltaria, apesar dos lucrativos contratos para filmes e da liberdade artística que lhe ofereciam.
Os filmes de Dietrich foram depois proibidos na Alemanha, enquanto ela era agraciada com a Medalha da Liberdade dos Estados Unidos por entreter as tropas na linha de frente.
Mais tarde na vida foi uma luta manter a imagem de Dietrich. Chandler descreve os esforços que seus costureiros fizeram para recriar a magia. A bebida e o vício em remédios tarja-preta não ajudavam, mas a cirurgia cosmética endureceu suas feições, enquanto as câmeras com lentes suaves faziam o possível.
Seus padrões eram difíceis de se alcançar: nada menos que a perfeição. “Glamour é segurança”, observou Dietrich certa vez. “É uma espécie de saber que você está certa em todos os sentidos, mental e fisicamente, e na aparência, e que, seja qual for a ocasião ou a situação, você está à altura.”
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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