17.01.2018
Expresso
“Eu tenho imensa sorte, ele ajuda-me em casa e com os miúdos”. Quantas vezes já ouviram frases semelhantes sobre a gestão das tarefas domésticas e da educação dos filhos? Pessoalmente, eu já perdi a conta. Diz-se isto com orgulho, sem se pensar muito no sentido das palavras, e tantas vezes até a achar-se que é algo bastante positivo e vanguardista. Mas não. Cada vez que uma mulher diz que "tem sorte" porque o parceiro a "ajuda em casa" está simplesmente a perpetuar a regra que assume que o universo doméstico é, não só um domínio feminino, mas também uma obrigação que apenas a si diz respeito. Durante séculos isto fez sentido, mas será que hoje ainda faz?
Ontem a Visão repescou, e muito bem, o relatório do INE/Eurostat de 2017, que quando saiu deu imenso que falar por causa da disparidade salarial entre homens e mulheres na UE. Os dados sobre Portugal eram claros: Os homens ganham, em média, mais 17,8% do que as mulheres, um número acima da disparidade salarial média na União Europeia (UE 16,3%). O número deve preocupar-nos, mas não é o único com esse condão neste relatório. Se espreitarmos os números referentes ao universo doméstico - o trabalho não remunerado - os valores crescem, com uma percentagem muito maior de mulheres do que de homens a cuidar de crianças, a desempenhar tarefas domésticas e a cozinhar.
Pessoas que acham que não interessa para nada isto do trabalho não remunerado e do tempo pessoal gasto em tarefas que deviam ser partilhadas, aqui ficam uns números que vos podem elucidar sobre quão prejudicial e limitativa esta disparidade consegue ser para um dos lados. Diz o relatório que "na UE, em 2016, 92 % das mulheres de 25 a 49 anos de idade (com filhos menores de 18 anos) cuidava dos seus filhos diariamente, o que compara com 68 % dos homens". Grécia e Malta são os países com maiores discrepâncias. "Relativamente a tarefas domésticas e cozinha, as diferenças são ainda maiores. Em 2016, na UE, 79 % das mulheres cozinhava e/ou executava tarefas domésticas diariamente, o que compara com 34 % dos homens. As maiores diferenças entre mulheres e homens foram registadas na Grécia (85 % das mulheres; 16 % dos homens) e na Itália (81 % e 20 %), e as menores na Suécia (74 % das mulheres e 56 % dos homens) e na Letónia (82 % e 57 %)."
PORTUGAL: MULHERES TRABALHAM EM CASA MAIS 40 HORAS POR MÊS DO QUE OS HOMENS
Não me admira que países como a Suécia tenham indicadores tão positivos, fruto claro da aposta sucessiva em políticas de sensibilização para a importância da igualdade de género no bem-estar comum da sociedade. Então e em Portugal? Se olharmos para os Indicadores -Chave da Igualdade de Género avançados pela CIG também no ano passado, percebemos que por cá as mulheres trabalham, em média, em casa, mais 1 hora e 45 minutos por dia do que os homens. E nem vale a pena tentar justificar isto com a horas passadas em trabalho remunarado, porque nesse universo os homens só passam mais 27 minutos por dia do que elas. Ou seja, as mulheres dedicam diariamente 4h23 do seu tempo a trabalho não remunerado, enquanto os homens dedicam 2h38. Feitas as contas, elas trabalham mais de dez horas por semana do que eles, o que representa mais de 40 horas de trabalho não remunerado ao fim do mês.
Não será isto um exemplo claro de desigualdade? O que é que estas mulheres poderiam fazer com estas 40 horas mensais caso não tivessem estas responsabilidades depositadas exclusivamente em cima dos seus ombros? O que é que deixam para trás ao terem esta carga em cima? Não deveriam ser a casa os filhos bens comuns, sem diferenciação, entre homens e mulheres? Quantas destas horas poderiam ser reduzidas se deixassemos de achar que é uma sorte ter ajuda masculina, e assumissemos que dividir tarefas, de igual para igual, é mais justo e equilibrado para as dinâmicas de casal e familiares?
Claro que é muito fácil recorrer ao chavão que diz que a culpa até é das mulheres que não deixam os homens fazer nada em casa, ou que elas refilam por eles supostamente não saberem fazer tão bem. Em boa verdade, isto acontece muitas vezes. Mas é só uma desculpa esfarrapada que pode ser facilmente contornada com um pouco de comunicação e vontade de parte a parte. Sem que elas se sintam ameaçadas por perderem o controlo de um domínio que lhes foi vendido, século após século, como exclusivamente seu, e sem eles se sentirem diminuídos na sua masculinidade ao realizarem tarefas que ainda têm o rótulo de 'competência feminina'.
Sim, muitas das jovens mulheres e homens de hoje ainda cresceram com modelos familiares e de casal onde as regras do jogo ditavam que a tarefa máxima do homem era trazer bom dinheiro para casa para sustentar a família, e a da mulher era manter a casa organizada e os filhos educados. Tanto melhor se ela, ao mesmo tempo, conseguisse ajudar nas despesas com algum dinheiro que conseguisse num emprego. Como é que ela fazia a gestão do trabalho fora de casa e daquele que a aguardava dentro de casa, poucos terão parado para questionar nas últimas décadas.
Contudo, hoje assistimos a dinâmicas quotidianas distintas. Homens e mulheres têm vidas profissionais ativas e, regra geral, pesadas em carga horária. O tempo que têm para dedicar à casa e à família deixou de ser diferenciado, tal como os papéis esperados de homens e mulheres na sociedade também se vão esbatendo lentamente. Claro que ainda continua a ser estranho quando é um homem que trata das tarefas domésticas ou dos filhos, e muitos de nós - e eu faço o mea culpa porque também me aconteceu - acabarão a franzir o sobrolho nas primeiras vezes que se depararem com tal cenário. Não foi isso que nos foi passado de geração em geração e parece-me totalmente normal que inicialmente até nos pareça errado, mesmo que pragmaticamente tenhamos consciência de que não é. O caminho da mudança de paradigma faz-se questionando, e está defitivamente na altura de questionarmos porque é que as mulheres continuam a ser prejudicadas nesta gestão do universo doméstico e familiar.
Se mesmo olhando para os números atrás não prcebem porquê, então sugiro que espreitem este vídeo:
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