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domingo, 21 de janeiro de 2018

Catherine Deneuve x Angelina Jolie

Eudes Quintino de Oliveira Júnior
Há um enorme hiato temporal e uma abissal diferença entre as duas gerações das atrizes referidas, com a clara visão de que não só os costumes evoluíram, como também a conceituação sexual tomou um rumo diferenciado.
domingo, 21 de janeiro de 2018
O jornal francês Le Monde publicou uma declaração de um seleto grupo de mulheres, dentre elas a inesquecível Catherine Deneuve que, no auge dos seus 74 anos, reflete ainda de forma serena a elegância e a beleza retratadas em Belle de Jour, com o claro objetivo de rebater o movimento liderado por famosas atrizes americanas, incluindo Angelina Jolie, celebrizada na arqueóloga Lara Croft, denominado #MeToo, em que se abriu uma verdadeira Caixa de Pandora incentivando as mulheres a relatar agressões sexuais de que  foram vítimas.

O manifesto francês, que certamente não contaria com o apoio do pensamento filosófico de Simone de Beauvoir, verdadeiro alicerce do feminismo moderno, principalmente pela obra O Segundo Sexo, ostenta o título "Nós defendemos a liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual", critica o novo puritanismo em razão das recentes denúncias de assédio sexual na indústria do entretenimento e faz ver que está ocorrendo uma banalização da violência sexual.
Há um enorme hiato temporal e uma abissal diferença entre as duas gerações das atrizes referidas, com a clara visão de que não só os costumes evoluíram, como também a conceituação sexual tomou um rumo diferenciado. Prevaleceu a regra no sentido de que a pessoa, independente da nacionalidade, é influenciada diretamente pelo meio em que vive e pelas regras pertinentes a cada época, circunstâncias que exercem influência em todo o mundo.
O tema é tormentoso e qualquer manifestação em favor de um grupo ou de outro, poderá acirrar novos embates, pois a questão admite muitas cunhas e, por mais cauteloso que seja o trato dado à causa, não conseguirá sair do terreno movediço. Mas, com muita razão, advertia Aristóteles que os extremos são perigosos e o ideal é inserir a virtude no meio para atingir o harmônico homo medius.
Assim, cabem aqui algumas prudentes considerações a respeito do assunto, mas com abordagem voltada para a realidade brasileira, que também tem seus questionamentos e reivindicações. É claro que os crimes praticados contra a dignidade sexual da mulher, hediondos pela sua própria natureza, da mesma forma que qualquer importunação inconveniente e que tenha a conotação de assédio sexual, merecem repulsa imediata, vez que contrariam a regra da paridade que deve reinar entre os sexos. A isonomia legal é para que todos sejam iguais, porém no instante em que tal princípio é arranhado, há necessidade de se construir novas fronteiras defensivas, fazendo com que a parte ofendida seja protegida pelo manto da vulnerabilidade.
Assim agiu a legislação brasileira. Após a reforma penal introduzida pela lei 12.015/09, que descreveu de forma mais abrangente o crime de estupro, nele incorporando o tipo penal do atentado violento ao pudor, com a intenção de dar maior elasticidade interpretativa e possibilitar o garantismo necessário, algumas condutas praticadas sem violência ou grave ameaça ficaram a descoberto. É o caso, por exemplo, da masturbação seguida de ejaculação na vítima, acontecido no interior de transporte público, provocando justa repulsa social pela aplicação de uma punição extremamente branda, vez que não ultrapassa a prática contravencional de importunação ofensiva ao pudor.
A este respeito tramitam pela Câmara dos Deputados dois projetos de lei: um que cuida da conduta do frotteurismo, aquele que se esfrega em outra pessoa com intenção de buscar excitação sexual, e outro da construção de um novo tipo penal de molestamento sexual, ambos já aprovados pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Visam, justamente, preencher a lacuna legislativa para dar resposta aos casos que não se enquadram como estupro, porém são bem mais contundentes e graves que uma simples contravenção penal.
Muito se tem falado a respeito das diferenças entre sedução e assédio sexual. A sedução, que originariamente era a arte e os preparativos para uma conquista sincera, já foi considerada crime na legislação brasileira e teve sua revogação expressa decretada pela lei11.106/05. Consistia num processo de captação e viciamento da vontade da vítima, mediante promessas, engodo, artifício, que demanda um prazo razoável de contato constante para que o agente, aproveitando-se da inexperiência da menor de 18 anos e maior de 14 anos, ou da justificável confiança conquistada, mantivesse com ela conjunção carnal. Diziam os doutrinadores do Código Penal de 1940, que se tratava de um estelionato amoroso.
Já o assédio tem uma conotação mais restrita e vem a ser qualquer forma de proposta ou insinuação indesejadas, com o intuito de constranger e molestar a mulher e obter vantagem ou favorecimento sexual, levando-se em consideração a condição de superior hierárquico existente nas relações de emprego, cargo ou função, conforme disciplinado no artigo 216-A, do Código Penal.
Na realidade, pelo que se percebe no mundo atual, fica eliminado qualquer espaço para a ocorrência da sedução, vez que é um processo presencial, contínuo, ininterrupto e, contrariamente, prevalece o galanteio indesejável do assédio, na maioria das vezes banal e inconveniente, trazendo sérios incômodos para a mulher. Pode até ser que as francesas defendiam a liberdade de o homem importunar na sedução necessária para o relacionamento inicial e não na malfadada arena do assédio.
Ovídio, poeta romano, nascido em 43 a.C, escreveu o livro A arte de  Amar, ensinando habilidade ao homem no trato com a mulher e todo o processo de sedução envolvendo o jogo da conquista. Dividiu a obra em três partes: como encontrar o amor; dedicação e esforços para enternecer a jovem escolhida, mantendo com ela um relacionamento respeitoso; fazer durar para sempre este amor. Com tais propostas, propunha ao leitor: "Vá onde quiser, enquanto ainda livre, com a brida solta no pescoço, escolha aquela a quem você possa dizer: 'Só você me agrada. Ela não virá até você, descendo do céu entre a delicada brisa; você deve procurar a mulher que encantará seus olhos".1 
Ou, se preferir um galanteio mais atual, revestido de pura sedução, basta ouvir novamente a música Garota de Ipanema, de Vinicius de Morais, que condensa em seu último verso a espontaneidade sincera de um apaixonado ao ver a mulher de seus sonhos passando à sua frente: "Ah, se ela soubesse/que quando ela passa/o mundo inteirinho se enche de graça/e fica mais lindo/por causa do amor".
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1 Ovídio. A arte de amar. Tradução de Dúnia Marinho da Silva. Porto Alegre: L&PM, 2001, p.

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