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domingo, 4 de fevereiro de 2018

Cantigas que embalam a infância estimulam a formação cultural

No livro “Canção de Ninar Brasileira”, a autora Silvia Pinheiro Machado pesquisa a cultura das palavras e sons
02/02/2018

A delicadeza e o aconchego das cantigas que embalam os primeiros dias da infância estimulam, segundo a pesquisadora Silvia de Ambrosis Pinheiro Machado, o ambiente cultural, tão fundamental quanto o ambiente físico e emocional. As imagens do boi da cara preta, da cuca que vai pegar, princesa e tantas outras que vão habitando o imaginário das crianças são apresentadas em Canção de Ninar Brasileira, lançamento da Editora da USP (Edusp).
“Neste livro, reconhece-se a natureza da canção de ninar no desenvolvimento da criança como um halo de proteção que a acompanhará pela vida afora como um talismã contra a desventura”, observa, no prefácio, Olgária Chain Féres Matos, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
“Segundo a autora, as canções de ninar embalam nossa infância, acalmam nossas angústias, acompanham todos os momentos importantes de nossas vidas, quer sejam tristes ou felizes.”
Na avaliação de Olgária, nesse livro a questão estética associa-se à ética. “As canções de ninar, com suas imagens de aves, animais, anjos, elementos naturais e históricos, reúnem o sensível e o inteligível, o céu e a terra, o sagrado e o profano. Elas realizam a união do corpo e da alma e são a base da criação de uma verdadeira arte de viver.”
“A canção de ninar poderá ser reconhecida também como um dos primeiros objetos culturais, musical e literário a que o ser humano é exposto.”

A pesquisa de Silvia une a sua formação como psicóloga e psicoterapeuta ao seu conhecimento como doutora em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Faz uma análise da importância das cantigas de ninar na formação cultural da criança como também analisa o gênero poético e musical. “Com isso, a canção de ninar poderá ser reconhecida também como um dos primeiros objetos culturais, musical e literário a que o ser humano é exposto”, assinala a autora. “Neste estudo busca-se realizar uma abordagem estético-literária da canção de ninar brasileira identificando seus elementos constitutivos, considerados em sua potencialidade humanizadora.”
A autora ressalta que a análise dessas canções pode revigorar o ambiente cultural que cerca as famílias, os bebês, os agentes de saúde e educação. “Esse complexo cultural – ao qual pertence a canção de ninar, ao lado de outras ações de atenção e cuidado com as crianças pequenas, para assegurar o seu bem-estar e o desenvolvimento integral de sua personalidade – inserido em um contexto social mais amplo é o conceito de puericultura que sustenta esta obra.“
“Por que o boi? Que características desse animal o teriam transportado para o interior de uma canção de ninar?”

O boi da cara preta que pega o menino que tem medo de careta está entre as canções preferidas tanto das mães como dos bebês. “Por que o boi? Que características desse animal o teriam transportado para o interior de uma canção de ninar? Seu silêncio predominante? Seu mugido grave e contínuo?”, questiona a autora. “E por que a cor preta? Evocação do escuro da noite, período predominante de sono? Evocação no Brasil da pele escura de homens e mulheres africanos e seus descendentes, escravizados no Brasil, e responsáveis também por cuidar de crianças pequenas?” Na avaliação de Silvia, esses apontamentos motivaram a presença do boi no Acalanto, de Dorival Caymmi. A pesquisadora dedica dois capítulos para apresentar a canção de ninar no contexto histórico-social brasileiro.
“A canção de ninar se dá no contexto do adormecimento de uma criança, sim, mas não necessariamente entoada por sua mãe, seu pai ou algum familiar. Há outros intermediadores do sono infantil, representantes de contextos históricos e sociais específicos: mãe-preta, ama de leite, ama-seca, mucama, pajem, babá, enfermeira, educadora infantil.” A pesquisadora argumenta que a canção de ninar se insere em um complexo de relações de trabalho e não apenas de atividade materna, indicando transformações socioculturais e puericulturais. “A canção de ninar ultrapassa, assim, o âmbito familiar, participa de outras organizações e agrupamentos humanos, insere-se em um complexo de relações de trabalho.”
Canção de Ninar Brasileira, de Silvia de Ambrosis Pinheiro Machado, lançamento da Editora da USP (Edusp), 312 páginas. Acompanha um CD contendo gravações de canções de ninar recolhidas em pesquisa de campo que resultou neste livro. Preço: R$ 92,00.

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