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sábado, 7 de julho de 2018

“Homem-Formiga e a Vespa” é o esperado reencontro do gênero de super-heróis com a aventura despretensiosa

Lançado pelo estúdio como “respiro” antes do próximo “Vingadores”, sequência comprova a força da franquia e de Peyton Reed como diretor

por Pedro Strazza
5.jul.2018

Já não é de hoje que os filmes do Marvel Studios vem se alinhando cada vez mais com temas e conflitos de família. Pelo menos desde o segundo “Guardiões da Galáxia”, os capítulos daquilo que ficou conhecido como o universo cinematográfico da Marvel vem optando cada vez mais por tramas que envolvam relações entre membros familiares, um tipo de história que embora presente desde o início das produções do estúdio (os primeiros “Homem de Ferro” e “Thor”, por exemplo) até então nunca havia se manifestado com tamanha intensidade. É algo a ser percebido na forma como todos os antagonistas dos episódios posteriores à continuação dos heróis espaciais da marca mostraram algum parentesco com os mocinhos, desde o planeta Ego revelado pai do Senhor das Estrelas até a grande reviravolta envolvendo o Abutre em “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”.

Esta “tendência” assumida pelo estúdio em seus projetos é uma que no fundo está muito vinculada aos rumos financeiros atuais do mercado hollywoodiano, que nos últimos anos viu franquias fortemente ancoradas no conceito da família tomarem de assalto as bilheterias mundiais – com a série “Velozes e Furiosos” liderando este movimento – e resolveu tentar se adequar à “moda do momento” imprimindo um estilo parecido em todos os seus grandes blockbusters. No caso da Marvel de Kevin Feige, o curioso desta abordagem – além da da óbvia revelação do procedimento industrial por trás destes longas – é a aparente disparidade destas tentativas geradas para conciliar a agenda da empresa com o status atual do mercado, um esforço evidente nos episódios dotados de maior escala como “Pantera Negra” e o próprio “Vingadores: Guerra Infinita” – que no fundo, graças à esta lógica tamanho família, se convertem em verdadeiros dramas de corte de proposta um tanto desconjuntada.

Mas por mais chamativos, espalhafatosos e atrativos que sejam os principais filmes do estúdio, é nos capítulos contidos e despidos de grande importância que o Marvel Studios de fato conseguiu promover esta junção de maneira orgânica, e talvez a comprovação máxima desta tendência seja a franquia do Homem-Formiga, uma série iniciada na polêmica da troca súbita de diretores e hoje (para o deleite dos humoristas de plantão) consolidada como a “menor” franquia do chamado MCU. Uma condição, vale acrescentar, invejável se considerar o panorama no qual ele se encontra: enquanto todos os outros super-heróis do estúdio se veem constantemente ligados a uma linha narrativa grandiosa que até certo ponto os limita tematicamente, tanto o primeiro “Homem-Formiga” quanto este “Homem-Formiga e a Vespa” parecem despidos destas obrigações de amarração gerais de mitologia, estando livres para trilhar um caminho próprio e que diz respeito apenas ao microcosmo de relações por trás de suas premissas.

Por este ângulo, o grande diferencial da franquia protagonizada por Scott Lang (Paul Rudd) e agora Hope Van Dyne (Evangeline Lilly) é a possibilidade de ter alguém como Peyton Reed no comando. Diretor que literalmente assumiu o leme sob forte julgamento dos fãs por aceitar o cargo depois da saída abrupta de seu idealizador (o celebrado Edgar Wright, no caso), Reed é um cineasta cuja carreira na comédia denota uma atenção especial ao mundo das relações dentro dos mecanismos do gênero, seja em modo de puro escracho (como o seu ótimo “Abaixo o Amor”) ou da extrapolação da realidade para atingir alguma verdade – “Separados Pelo Casamento”, por exemplo, começava no humor para terminar próximo de um melodrama. No Marvel Studios, seu cinema é adaptado apenas aos elementos dos filmes de super-herói, cuja fisicalidade e uso constante de cenas de ação se tornam o palco ideal para ele abraçar um humor digno do pastelão.

Isto não quer dizer, porém, que “Homem-Formiga e a Vespa” vá buscar algum tipo de confrontação com o gênero ao qual pertence. Como no original, a sequência segue muito próxima da aventura despretensiosa, com sua premissa passando longe das urgências maiores do mundo para focar suas atenções em problemas de natureza quase cotidiana (ou banais, aos olhos mais céticos), em especial questões de pais e filhos. É neste momento que se percebe o verdadeiro potencial da continuação, pois toda esta articulação de dramédia se dá exatamente dentro das convenções de um filme de super-herói – e um que não hesita em abraçar sua vocação para a ficção-científica farofenta, vale dizer.

Assim, enquanto outros tantos heróis estão preocupados com o estado do mundo, de seu país ou mesmo de seu bairro, os dois núcleos principais do longa escrito por Chris McKenna, Erik Sommers, Andrew Barrer, Gabriel Ferrari e o próprio Rudd se fazem em dramas pautados na paternidade e na maternidade: se Hope e o pai Hank Pym (Michael Douglas) procuram formas de encontrar a mãe Janet (Michelle Pfeiffer) enquanto fogem das forças policiais, Scott se vê no difícil dilema de tentar ajudar a família que o acolheu na hora mais difícil ao mesmo tempo que busca não perder o contato com a filha Cassie (Abby Ryder Forston) por conta de um eventual retorno à prisão pela quebra de sua condicional. Mesmo o arco do vilão aqui se relaciona a causas familiares, com a misteriosa Fantasma (Hannah John-Kamen) se revelando posteriormente uma órfã criada num desastre cuja culpa em tese é de Pym.

A sequência segue a aventura despretensiosa, passando longe das urgências maiores do mundo para focar suas atenções em problemas de natureza quase cotidiana

Mas estas dinâmicas não se resolvem pelo drama e sim no campo do humor e da ação, com Reed promovendo uma verdadeira comédia de erros cujos maiores momentos se fazem na força destes reencontros. Seja na primeira aparição da personagem de Pfeiffer, no desfecho da vilã (que passa por um raro processo de redenção dentro das produções do Marvel Studios) ou nas manobras de Scott junto de sua filha para não ser flagrado fora de casa por seu agente da condicional (Randall Park), o longa encontra nas situações de cumplicidade entre seus personagens a forma para tornar toda a aparente fugacidade de sua história – um pelo menos dentro do cenário de apostas altas do MCU – tão eloquente quanto uma vitória grandiosa das forças do bem contra o mal.

Cabe a Reed, então, a tarefa de armar a escalada para estes pequenos grandes clímax, e é aí que o seu talento para organizar a narrativa dentro do humor se faz tão evidente. Estruturando o filme quase no mesmo estilo de uma típica comédia situacional, o diretor aproveita cada um de seus sets à partir das questões de escala que são intrínsecas aos poderes de seus personagens, concebendo um tipo de humor não só muito físico (ver itens minúsculos agigantados e volumes enormes reduzidos ao tamanho de uma mala é uma ferramenta que nunca parece perder a graça no cinema) mas também ideal aos atores, a exemplo das cenas no colégio onde Scott se vê preso na altura de uma criança e precisa passar desapercebido nos corredores. Quem mais se diverte em meio a tudo isso são os dois protagonistas, com Rudd realizando uma performance digna de um Cary Grant dirigido por Howard Hawks e Lilly sabendo como usar da ação e da comédia esperta para construir seu arco dramático.

Nada demonstra tão bem as qualidades do cinema de Peyton Reed na continuação, porém, quanto a perseguição de carros que serve de montanha-russa maior do filme, uma construída quase que apenas na geografia da cidade de São Francisco. É neste momento que o diretor pode enfim tirar maior proveito de suas referências (a cena toda lembra um pouco do clímax do “Essa Pequena é uma Parada” de Peter Bogdanovich) e conciliá-las com a sua própria narrativa para atender às demandas de urgência do gênero ao seu próprio modo – e mesmo que a situação não seja lá tão bem bolada quanto o ápice do original, ela encontra seu valor único na situação das gaivotas e mesmo das ruas estreitas da cidade.

O diretor aproveita cada um de seus sets à partir das questões de escala que são intrínsecas aos poderes de seus personagens

É apenas uma triste ironia do destino que esta efemeridade de movimentos tão sólida faça de “Homem-Formiga e a Vespa” hoje uma obra “menor” perante um julgamento mais rápido, pois é por meio dela que o longa talvez busque promover novos olhares sobre o gênero ao qual pertence. Ainda que no fim esteja seguindo a fórmula com certa dedicação, a comédia de Reed em alguns momentos retorna os filmes de super-herói a um lugar de despretensão e (porque não) malandragem que parece ter sido perdida perante sua ascensão como produções responsáveis pelas maiores bilheterias do mercado.

Se este retorno é feito quase que na ingenuidade, a princípio somente para atender os anseios do estúdio de proporcionar um alívio ao público no intervalo entre os lançamentos de “Guerra Infinita” e “Vingadores 4”, ele acaba servindo de respiro bem vindo a um gênero inchado por ambições e histórias cada vez maiores, com o trunfo extra de encontrar nos núcleos familiares a resposta para uma aventura ditada pelo particular – a prova final deste sucesso, por este olhar, é a maneira como em seu conjunto de gestos íntimos ele centraliza a figura de Michelle Pfeiffer, que aqui enfim realiza a volta triunfal aos cinemas que não lhe foi oferecida em “mãe!” ou o novo “Assassinato no Expresso do Oriente”. Em tempos onde tudo procura as grandes proporções, “Homem-Formiga e a Vespa” faz bem em se reduzir ao essencial.

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