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domingo, 26 de maio de 2019

Dicas de um pai neurocientista para lidar com - e ajudar - os adolescentes


Mãe falando com adolescenteDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionComo entender o cérebro adolescente e aproveitar mais a grande potencialidade dessa fase da vida?

  • 25 maio 2019
O avanço da neurociência e da fisiologia (o estudo das funções e processos químicos do corpo humano) não serve apenas para pesquisas científicas, mas também para entendermos comportamentos típicos de etapas-chave da nossa vida - como a adolescência.

Fernando Louzada, doutor em Neurociência e professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná, notou isso na prática, por exemplo, quando seu filho de 18 anos ficou desesperado com um atraso no voo que o faria perder um episódio de Game of Thrones. "Posso achar isso imaturo, mas é um fato. Não podemos esperar do adolescente reações adultas, porque não há estrutura neural para que isso aconteça", explica Louzada à BBC News Brasil.
O neurocientista fez recentemente uma concorrida palestra na feira educacional Bett, em São Paulo, para discutir: como entender o cérebro adolescente e aproveitar mais a grande potencialidade dessa fase da vida?

Entender o cérebro em mutação

No cérebro, explica Louzada, a adolescência é uma etapa "tanto de mais vulnerabilidade quanto potencialidade". "É um período em que ganhamos algumas conexões neurais e perdemos outras, reforçando alguns circuitos. Construímos estruturas cerebrais que são importantes para toda a vida."
Um dos fatores-chave por trás disso é um processo chamado de mielinização, que só se completa depois dos 20 anos. Trata-se da aquisição de mielina - substância que faz os impulsos nervosos andarem mais rápido - pelos neurônios. Em algumas áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal, essa mielinização demora mais para acontecer. E essa área é justamente a que controla nossa impulsividade, a avaliação de riscos de nossas ações, o planejamento e o processamento de emoções.
Isso ajuda a explicar por que os adolescentes são mais impulsivos e menos capazes de prever a consequência de seus atos. Seus cérebros simplesmente ainda não têm essa capacidade regulada.
"Temos, então, jovens que são maduros sexualmente e imaturos emocionalmente. (...) A tendência é de eles serem mais influenciados pelos pares e a (comportamentos de) risco", explica Louzada. "Eu, como pai, me preocupo em emprestar o córtex pré-frontal para o meu filho, de avaliar prós e contras, ponderar riscos. E o momento do 'não' é fundamental."

CérebroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCérebro adolescente ainda não desenvolveu plenamente o córtex pré-frontal, essencial para avaliação de risco e planejamento de longo prazo; isso ajuda a explicar a impulsividade

Mas como convencer o adolescente disso? "Se eu soubesse a reposta disso eu venderia", brinca o neurocientista.
"Mas adolescentes estão abertos a argumentos e evidências. Temos informações que podem ser mostradas a eles. Ao dizer um 'não', podemos ouvir que 'você quer acabar com o meu prazer', então a chave é mostrar que você está aberto a ele, é um aliado dele e da sua saúde."
Para a cientista americana Frances Elizabeth Jensen, do Departamento de Neurologia da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, explicar aos adolescentes o funcionamento - e as debilidades - de seu próprio cérebro é um bom ponto de partida.
"Os adolescentes estão tentando entender a si mesmos", disse ela em entrevista à revista Time. "É ótimo ter explicações sobre por que você fez aquela coisa idiota na frente dos seus amigos. Acho que falar sobre isso dá a eles mais entendimento."
Jensen sugere ensinar, também, que a biologia do cérebro adolescente o torna muito mais suscetível que um adulto às drogas, as quais interferem no aprendizado e na memória. "Os adolescentes conseguem aprender com mais força e rapidez, mas também se viciam com mais força e rapidez", agregou.

Construir autonomia e respeitar sentimentos

Conter a impulsividade enquanto incentiva a autonomia é um equilíbrio delicado, reconhece Louzada, já que a adolescência é também uma etapa crucial para construir o chamado "cérebro social", que nos permite entender sentimentos e intenções nossas e dos demais. E essas habilidades podem ser inibidas pelo excesso de nãos ou pela superproteção dos pais.
"Muitas vezes exageramos e impedimos o amadurecimento e a interação social. Como jovens que nunca pegaram um ônibus vão ter sensibilidade de o que está acontecendo na sociedade? A gente acaba não apresentando a realidade, as diferenças. Além disso, se para tudo dissermos 'não', os filhos deixarão de confiar nas nossas sinalizações de quando estamos no nosso limite", afirma Louzada.

AdolescentesDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionImaturidade cerebral torna o jovem mais suscetível à influência do grupo

O psicólogo Matthew Rouse, do instituto americano Child Mind, sugere que pais não protejam os filhos de todas as situações difíceis, mas sim ajam como seus guias nesses momentos e estimulem os comportamentos que considerarem positivos.
Por exemplo, diante de uma tarefa frustrante de matemática, Rouse sugere que os pais evitem o excesso de supervisão, sob o risco de desestimularem a autorregulação dos jovens. "Em vez de a criança (aprender a) reconhecer que está frustrada com a lição e descobrir como lidar com isso, ela sentirá que seus pais a estão frustrando ao forçando-a a fazer a tarefa", disse Rouse ao site da entidade.
A recomendação é que os pais deem ferramentas aos jovens para lidar com esses desafios, por exemplo ajudando-o a criar estratégias para resolver a tarefa ou ajudando-a a determinar momentos para um intervalo.
Para Louzada, as relações entre pais e filhos se beneficiariam de os adultos escutarem mais os adolescentes, sem julgar seus sentimentos.
"A gente aprende demais interagindo com adolescentes, com sua perspectiva e sua maneira de lidar com os problemas. (...) E precisamos pensar em nossa disponibilidade emocional para eles. De que modo estamos reagindo às tristezas, frustrações e alegrias deles? Não podemos tratar (suas angústias) como bobagem, mas sim tentar entender os valores que levam a isso."

Moderar o uso de celular e telas

Louzada ensina algumas perguntas para pais avaliarem se seus filhos estão usando celulares e outras telas em excesso: será que o adolescente em questão está passando mais tempo diante de telas do que interagindo com pessoas? Será que os meios digitais estão servindo mais para o lazer do que para os estudos? Será que o adolescente consegue interromper o uso do dispositivo com facilidade quando é hora de dormir ou de fazer refeições em família? Será que ele acorda à noite para checar o celular? (Louzada cita um estudo feito em Curitiba que apontava que uma grande quantidade de jovens se sentia compelida a checar o celular na madrugada).
Se as respostas a essas perguntas inquietarem os pais, é possível que o uso de digitais esteja excessivo. E esse excesso pode atrapalhar o desenvolvimento do córtex pré-frontal do cérebro, que depende, necessariamente, de interações humanas reais para alcançar seu potencial.

Adolescente no celularDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCérebro depende de interações humanas para se desenvolver, e excesso de telas na adolescência pode atrapalhar isso

Além de estabelecer limites de hora para o uso, Louzada acha que os pais precisam mostrar que eles mesmos são capazes de encontrar prazer e diversão para além das telas - e distante delas. "Nas minhas oportunidades de férias (com o filho), eu ia para o mato, para o mar, longe de shopping centers e aparelhos digitais", diz o neurocientista. "Como estamos o tempo todo conectados, temos cada vez menos momentos de introspecção (de estarmos a sós com nossos próprios pensamentos), algo que é fundamental para o autoconhecimento."

Estimular com reforços positivos

Louzada diz que, desde a infância do seu filho, percebeu que a neurociência ensinou-o da importância do reforço positivo com coisas do dia a dia. Na prática, isso significa associar práticas e hábitos que sejam importantes aos pais a momentos prazerosos da interação com os filhos.
"Por exemplo, se os pais acham que a leitura tem valor, tem que ser prazerosa. Se a atividade envolver bronca e enfrentamento, será associada (pelo jovem) a algo desagradável", explica.

Cuidar do tripé comida, sono e atividade física

Outra descoberta de estudos neurocientíficos é que a qualidade do sono, da alimentação e dos cuidados com o corpo são essenciais para o aprendizado de adolescentes.
"Ao longo da infância e da adolescência, deficiências nutricionais podem comprometer a aprendizagem e reduzir o desempenho acadêmico de crianças", diz o documento Fatores fisiológicos que influem sobre a educação, da Rede Nacional de Ciências para a Educação (CpE), que tem Louzada como um dos autores.
"Crianças em situação de insegurança alimentar têm o dobro de chance de apresentar hiperatividade e problemas de atenção quando comparadas àquelas que vivem em situação de segurança alimentar. Um trabalho preliminar indicou até mesmo que a fome na infância pode ser um preditor de depressão e ideação suicida na adolescência e no início da idade adulta."

Adolescente dormindoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSono, alimentação e exercício físico ajudam no aprendizado do adolescente

Também há, segundo Louzada, prova suficiente de que o "exercício físico diário estimula a formação e o crescimento de novos neurônios, o que melhora a cognição. Isso se traduz, por exemplo, em um melhor desempenho em matemática". Não precisa ser uma atividade física intensa ou totalmente estruturada, mas ela precisa ser incentivada em casa e na escola, todos os dias.
Segundo a CpE, "o exercício físico aeróbico é capaz de aumentar o estado de atenção em avaliações, com melhores resultados nas tarefas e compreensão mais clara da leitura".
Já o sono, para adolescentes, deve ser de no mínimo 8 ou 9 horas por dia para adolescentes, recomenda o NHS, sistema de saúde público britânico.
A CpE aponta que "problemas do sono estão associados à obesidade e ao aumento do risco cardiovascular" e que "o deficit de sono constitui um dos principais gargalos fisiológicos para o aprendizado", uma vez que, ao dormir, consolidamos memórias e repomos neurotransmissores.
O documento defende, também, mudanças nos horários escolares, "para atender as necessidades de sono dos estudantes".
"Há uma clara inadequação no horário de início das aulas. O horário das 7h da manhã, bastante difundido em nosso país, é inadequado, principalmente para adolescentes, que apresentam maior dificuldade para antecipar o horário de início do sono noturno", diz o texto.

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