Economista com Ph.D em finanças, é consultor e professor de carreira da Eaesp-FGV
19/05/2019
No rescaldo da crise financeira de 2008 nos EUA, alguns observadores questionaram – brincando – se a crise, que começou com a quebra do Banco Lehman Brothers (Irmãos Lehman), teria acontecido se o banco tivesse sido o “Lehman Sisters” (Irmãs Lehman).
Para além do tom provocativo, a questão desnuda uma disparidade de gêneros. No Brasil e no mundo, existem poucas mulheres economistas. E o Prêmio Nobel de Economia ter sido concedido desde sua instituição apenas uma vez a uma economista, Elinor Ostrom, em 2009, ressalta esse desequilíbrio.
Uma lacuna tão grande na área de economia e a importância de uma mudança ganharam novamente foco esse ano, no Encontro Anual da Associação Americana de Economia (AEA), e em uma edição especial do periódico Journal of Economic Perspectives. Mas por que o gap existe?
Para Shelly Lundberg e Jenny Stearns, é um mito que as mulheres desistem da economia por aversão à matemática na economia. Ciências exatas (matemática, engenharia, tecnologia) atraem mais alunas na graduação e pós-graduação do que a ciência econômica.
Em um artigo publicado em fevereiro no Journal of Economic Perspective, elas apontam dois mecanismos que funcionam como barreiras contra as mulheres: aqueles que impactam negativamente sua produtividade e aqueles que impactam negativamente suas avaliações.
A diferença na produtividade, medida no mundo acadêmico em quantidade de artigos publicados anualmente, é explicada apenas parcialmente pela diferença nas horas semanais que as mulheres gastam para cuidar do lar e de seus filhos.
Outra explicação é que as mulheres são pressionadas a fazer mais trabalhos administrativos nas faculdades do que seus colegas-homens, deixando relativamente menos tempo disponível para dedicar às pesquisas.
Como consequência elas acabam publicando menos. Nas avaliações docentes, a produção acadêmica (artigos) têm um peso muito maior de que as contribuições administrativas, trabalho necessário mas pouco valorizado. A assimetria nas avaliações também aparece de forma mais sutil.
Apesar de ser muito comum que economistas (homens e mulheres) escrevam artigos em coautoria com outros pesquisadores, as economistas-mulheres tendem a receber menos créditos por um artigo coautorado em comparação com os economistas-homens. Existe um viés que elas são mais frequentemente consideradas – por mera suposição – autoras secundárias.
Alguém pode argumentar: mas por que os departamentos de economia não poderiam simplesmente ser redutos masculinos e a profissão de economista praticada só por homens? Nos modelos econômicos, afinal, homens e mulheres são considerados substitutos perfeitos, não importa o gênero.
Shelly Lundberg e Jenny Stearns respondem: primeiro, tirar as barreiras que impedem a entrada e a ascensão das mulheres na carreira de economista é uma questão de justiça. Mas a diversificação dos pontos de vista também pode levar a mudanças no próprio estudo de economia e afetar a discussão sobre políticas econômicas.
Christine Lagarde, diretora-geral, e Jonathan Ostry defendem em um artigo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em novembro que homens e mulheres não são substitutos um do outro no trabalho, mas complementares. Ambos contribuem com habilidades e perspectivas diferentes. Fechar a lacuna aumentará a produtividade.
Voltando à questão intrigante do início, se existissem mais economistas mulheres e um banco chamado “Lehman Sisters” fosse algo natural, a quebra poderia ter sido evitada? Obviamente, é impossível dizer com certeza porque é impossível voltar atrás no tempo.
Porém existe sim a grande probabilidade de que a presença de mais mulheres no setor financeiro mudará a análise e percepção de risco, justamente por trazer outras perspectivas e outros questionamentos.
Post em parceria com Bruno Ygosse Battisti, graduando em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e trainee da Consultoria Júnior de Economia da EESP-FGV.
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