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domingo, 26 de maio de 2019

Mulheres movimentam e renovam as pistas de skate

Elas se reúnem em coletivos femininos, se divertem andando juntas pela cidade e, de quebra, desafiam os limites do esporte. Conheça as meninas que estão movimentando as pistas do país

CAROL SGANZERLA
20 MAI 2019

Fazia alguns anos que a fotógrafa paulista Luciana Barreto, 21, não subia em um skate e ganhava as ruas. Quando era adolescente, costumava andar com uma amiga em São Caetano do Sul, onde nasceu, mas com o tempo ficou sem companhia e deixou de praticar. Ano passado, com a mudança para São Paulo, no primeiro rolê que deu com as novas amigas, falou: “Como pude parar com o skate? Todas as meninas têm essa mesma sensação quando voltam a andar”, conta ela. Luciana encontrou sua turma quando conheceu as integrantes do Britney’s Crew, coletivo de skate feminino criado há três anos no Rio de Janeiro, mas que reúne mulheres do Brasil inteiro.

Só o grupo de WhatsApp tem cerca de 200 skatistas, que combinam os rolês e eventos pelo aplicativo. Quem mora na capital paulista geralmente se encontra no centro da cidade, mas não há regras. “Podemos ir à praça Roosevelt, ao Theatro Municipal, à Chácara do Jockey, a pistas como a da Mooca”, diz a baiana Dandara Novato, 30. Radicada em São Paulo, ajudou Airine Benetti a promover o coletivo Batateiras, que se originou em 2018 depois que a marca Vans promoveu o Girls Skate Night, clínica que, desde então, acontece toda segunda-feira no Largo da Batata.

“A gente se vê todos os dias”, conta a estudante de psicologia Giulia Del Bel, 24, sobre as meninas convidadas para o ensaio de Marie Claire. Vão juntas para as sessões  (nome que dão aos rolês) e frequentemente terminam a noite na Void, misto de loja e bar na região central que é point de skatistas, em alguma festa ou evento promovido por marcas, como a Bolovo. É comum também se reunirem na casa de uma delas para cozinhar juntas (pratos vegetarianos ou veganos), ouvir música, dançar, deixar a vida passar – recentemente, assistiram a Homecoming, o documentário da Beyoncé na Netflix. O estilo de vida que levam se reflete nas roupas que vestem. A maioria vai a brechós e compartilha sempre que descobre um lugar novo. “Gosto da moda que se recicla, levanto a bandeira do consumo sustentável. Não compro nada em loja, as marcas é que acabam mandando algumas peças”, diz Giulia. A skatista gaúcha Grazi Oliveira, 30, conta que sempre priorizou conforto ao estilo. “Prefiro usar alfaiataria para andar. Encontro calças legais em brechó ou sob medida. Não uso nenhuma marca específica, faço uma mescla.” Dandara Novato opta pela combinação de cores “porque deixa o rolê mais vivo”. “O skate é uma forma de expressão nas cidades, as roupas são bem características e externamos isso”, diz ela.

Nos últimos anos, o streetwear ganhou lugar cativo no universo da moda. Três anos atrás, a marca Miu Miu ligou seu nome ao skate feminino por meio do projeto Women’s Tales, de curtas-metragens dirigidos só por mulheres. A diretora norte-americana Crystal Moselle produziu That One Day, inspirado no coletivo nova-iorquino Skate Kitchen, e foi tão bem recebido que o projeto virou seu primeiro longa de ficção, Skate Kitchen, sobre as dificuldades e sonhos de uma garota sobre rodas, lançado no ano passado nos festivais de cinema no Brasil e no mundo. Fora das telas, a tendência streetwear, desde os anos 1990 tida quase como underground, conquistou o mundo fashion com hits como Off-White, de Virgil Abloh, Stussy e Supreme, hoje todas marcas-desejo que movimentam bilhões de dólares e têm seus itens disputados a cada novo lançamento. 

Depois de ter seu lugar consolidado na moda, há três anos a cultura street alcançou um patamar nunca antes imaginado. Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional anunciou a estreia do skate nos Jogos Olímpicos de Tóquio, que acontece em 2020 – serão duas modalidades, park e street. De acordo com uma pesquisa do Datafolha feita entre 2009 e 2015, subiu de 10% para 19% o número de mulheres skatistas no Brasil. Há cerca de 1,6 milhão em um total de 8,5 milhão.

Embora o número de praticantes tenha crescido no país – há também outros coletivos, como o Minas no Skate, de Belo Horizonte, Dendê Crew, em Salvador, e Girls Skate Power, em Porto Alegre –, as mulheres ainda encontram barreiras para se profissionalizar, conseguir patrocínio ou simplesmente andar sem serem incomodadas. No dia deste ensaio, na pista do Mooca Skate Park, clube municipal na zona leste, mais de dez meninos reivindicavam o uso do local, reservado por algumas horas para as fotos. Mesmo depois de liberar um espaço para eles, deixaram suas manobras de lado e formaram um paredão para olhar – e intimidar – as meninas. “Para que precisam da pista se não sabem andar?”, ouvimos de um deles.

Há 15 anos testemunhando a pouca visibilidade das mulheres, a jornalista Grazi Oliveira criou o canal de YouTube Go Channel. “Não ter espaço na mídia foi o que me moveu a fazer uma plataforma com foco no skate feminino. Isso nos uniu. A menina também quer viver do skate”, enfatiza a gaúcha que vive em São Paulo. “Sempre fomos diminuídas por estarmos em um espaço masculino. Agora, ninguém vai nos parar mais”, diz. Em 2016, vendo que a cena do skate estava parada no Rio de Janeiro, a carioca Thayná Gonçalves, 23, começou a postar os vídeos das sessões que fazia com a amiga capixaba Rayane Oliveira, 22. Conforme promoviam eventos e campeonatos, atraíam cada vez mais meninas e, assim, fundaram o Britney’s Crew. “É inacreditável como o coletivo conectou tanta gente. Tem outra energia andar entre meninas, nos entendemos”, diz Thayná, que sempre vem a São Paulo encontrar as amigas e batalhar por espaço no meio. Estudante de biologia, ela trancou a faculdade para se dedicar ao coletivo. “Skate é lifestyle, uma válvula para trazer coisas boas. Em cima do skate me sinto livre, forte, mais empoderada”, finaliza.

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