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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Soluções coletivas

HuffPost Brasil
By Andréa Martinelli / Marcella Fernandes
16/05/2019
Mães contam com redes de apoio e iniciativas comunitárias para conseguir trabalhar e garantir o cuidado dos filhos.
Na comunidade de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo, Roselaine Oliveira Gralha, de 46 anos, é conhecida como a “mãe crecheira” ou a “mãe comunitária”. Há pelo menos 12 anos ela abre sua casa para assumir um papel fundamental que o poder público não cumpre em sua totalidade: cuidar de crianças de até 5 anos enquanto suas mães trabalham.

Em um único período já tive 30 crianças em casa, todas juntas. Não tenho vontade de fazer outra coisa e nunca falei ‘não’ para uma mãe”, diz.
Roselaine destaca que, recentemente, houve um aumento de vagas em creches na região, o que fez a procura por seus serviços diminuir. Hoje, em Sacomã, região em que a comunidade está localizada, 287 crianças esperam por uma oportunidade.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação (SME), a cidade de São Paulo reduziu em 69% a fila por matrículas em creches, as chamadas CEIs (Centros de Educação Infantil). Um levantamento feito este ano, no entanto, mostra que 34 mil crianças ainda esperam por uma vaga.

Mesmo nos casos em que a criança vai para a creche, contudo, há uma dificuldade das mães em conciliar os horários com seus trabalhos. E aí o cuidado oferecido por Roselaine também é fundamental.
Na tarde em que recebeu o HuffPost Brasil em sua casa, ela alternava a troca de Lívia, de 1 ano e 4 meses, que tinha derrubado iogurte na própria roupa, com o olhar atento em Isaac, de 3, que se entretinha com alguns brinquedos depois de voltar da creche.
Todos os dias, Roselaine busca Isaac e fica com ele até sua mãe chegar do trabalho. Ela também cuidava de Lorena, de 4 anos, irmã de Lívia, e de Maria, de 6, sua sobrinha, que fica com ela durante as tardes.
Eu fico com ele [Isaac] meio período. A mãe deixa ele na escola, mas chega mais tarde do trabalho”, conta.
Com Lívia, de 1 ano, e Lorena, de 4 anos, acontece o mesmo. “Elas são filhas de uma amiga minha. É um combinado nosso. Eu conheço essa pequenininha [Lorena] desde a barriga. Ela não pode me ver que vem correndo”, conta.
Roselaine, que criou seus 6 filhos junto aos de outras mulheres ao longo dos anos, conta que não é a única “mãe crecheira” na comunidade, nem mesmo na sua rua. No sobrado em frente à sua casa, uma outra moradora presta o mesmo tipo de serviço. Por ter um caráter quase clandestino, não há números que quantifiquem as mulheres que desempenham essa atividade.
″É aqui na frente [aponta]. A mãe dela já fazia e aí, agora, com 16 anos, ela faz a mesma coisa. O pessoal chega a cobrar R$ 600 de uma mãe aqui. Eu não cobro assim, porque sei como é difícil pagar”, diz. Atualmente, ela recebe cerca de R$ 150 por mês por cada criança que fica em tempo integral na sua casa. Eventualmente, faz acertos flexíveis com as mães - inclusive, aos finais de semana. “Tem gente que cobra a mais pelo sábado. Eu não. Acho demais.”
Ela conta que, na região, é comum que as mulheres ― sendo mães ou não  ― trabalhem em atividades informais e a remuneração chega, no máximo, ao valor de um salário mínimo, R$ 998. “Eu vejo o lado da pessoa. Eu sou mãe também. Elas ainda precisam pagar o aluguel, a luz. Então como vai conseguir manter a casa, e ainda me pagar? Não sobra nada, nem para comer.”

“Eu amo o que eu faço. Você acredita que eu não tenho coragem de arrumar um emprego fora? Sempre que eu lembro dos bebês que eu cuido eu penso: ‘Meu Deus, não quero fazer outra coisa’”, diz Roselaine, que já trabalhou em escritórios e como cuidadora de idosos. 
Mas apesar da importância da atividade que desempenha nessas comunidades, o trabalho de mãe crecheira não é reconhecido formalmente. Em São Paulo e no Distrito Federal, projetos de lei para regularizar a profissão já foram apresentados, mas não avançaram.
A cidade de Pelotas (RS), em 2018, aprovou uma lei que institui o programa “Creche Domiciliar”. De autoria da vereadora Diane Dias (PSB), o projeto é o único no País até o momento que regulamenta a atividade das chamadas “mães crecheiras”.

Uma creche dentro da própria casa


Quando sua segunda filha, Clarisse, de 3 anos, nasceu, a produtora Priscila Inserra, de 40 anos, procurou opções de creches, tanto públicas quanto privadas, que se adequassem à sua rotina de trabalho e de cuidados com a pequena - mas se viu sem opções. “A creche é pouco gentil com o processo da criança e, além disso, termina muito cedo”, resume.
A melhor solução encontrada por Priscila, que também é mãe de Gabriela, de 12 anos, foi criar uma creche, em um formato coletivo, dentro da própria casa. Ela é uma das mães que aderiu à chamada “creche parental”, um método francês que, nos últimos anos, tem se popularizado no Brasil.
Por trabalhar em casa, Priscila ― que é dona de uma produtora de conteúdo materno-infantil ― optou por, até os 3 anos de Clarisse, cuidar da filha em casa, junto com o parceiro, que também tem flexibilidade no trabalho.
O esquema funcionou até a hora de Clarisse ir para a escola.
“Ela fala que quer ir para a escolinha, vê a irmã falar sobre... Mas como nada era viável para mim, eu quis reviver essa ideia da creche, que já era antiga”, conta. Moradora da Vila Mariana, Priscila encontrou, então, um grupo de pais e mães interessados na região e colocou o projeto em ação.
“No momento, somos 4 pais. [Cuido da] Minha filha e [de] um outro menino que vem todos os dias. A gente recebe crianças de forma esporádica também, em períodos diferentes, de acordo com as demandas dos pais.”
A ideia da “creche parental” surgiu na França em 1960, quando famílias já se organizavam para suprir a falta de vagas em creches públicas. Cerca de duas décadas depois, o governo francês não só regulamentou, como passou também a financiar esses grupos.

A creche parental de Priscila, apelidada informalmente de “casa de brincar”, ainda é bem recente. Começou em abril e funciona, por enquanto, das 14h às 18h todos os dias e conta com apenas uma cuidadora. Para crianças que vão todos os dias, o valor cobrado é de R$ 990 por mês, para pagar a cuidadora, alimentação e despesas da casa.
“Nós acordamos que, até pelos custos, teríamos uma cuidadora só no momento. Mas a ideia é expandir. Se tivermos mais de 5 crianças, teremos mais alguém”.
A ideia, além do cuidado básico e das brincadeiras, é proporcionar atividades lúdicas às crianças. Às segundas-feiras, por exemplo, há uma aula de música.
O objetivo é formar um grupo com mais pais de crianças entre 1 a 3 anos e, no futuro, criar até um espaço de trabalho para eles no local, mas sem fins lucrativos, seguindo o modelo tradicional de “creche parental”. 
Ela avalia que este modelo tem sido a melhor saída para conseguir aliar a rotina de trabalho ao cuidado com os filhos. “Eu sou muito privilegiada por trabalhar em casa e por ter estado perto das minhas filhas nessa fase de forma plena, mas eu sei que a maior parte das mães não consegue.”
Para Priscila, o modelo oferecido pelas redes pública e privada não contempla a mãe que trabalha e que, na maioria dos casos, é a 1ª responsável por crianças na faixa etária de 0 a 4 anos.
“Fiz isso também pensando em outras mães. Porque, além de não ter estrutura, elas ainda são cobradas a voltar da licença-maternidade logo. O Estado cobra por um lado, as empresas cobram por outro e o retorno disso a gente não vê.”

Ser mulher, mãe e universitária

Thais Medeiros, de 22 anos, é mãe de Oliver, de 9 meses, e estuda Biblioteconomia...
Thais Medeiros, de 22 anos, é mãe de Oliver, de 9 meses, e estuda Biblioteconomia na Universidade de Brasília (UnB).MARCELLA FERNANDES/HUFFPOST BRASIL



“Ele fica no meu colo. No colo de colega. No colo de professores. Já tive que trazer em dia de prova e ele ficou no chão enquanto eu fazia a prova”, conta Thais Ketlyn da Silva Medeiros, de 22 anos, aluna do 6º semestre Biblioteconomia na Universidade de Brasília (UnB). 
Mãe de Oliver, de 9 meses, ela precisa levar o filho para as aulas em alguns dias, por não ter com quem deixar. “Não dá para você se concentrar porque ele começa a gritar, precisa de alguma coisa, já não está mais gostando daquele ambiente, tem gente demais... Não dá para estudar de verdade com ele junto.”
A estudante teve de trancar dois semestres da faculdade por causa da gravidez. Depois que Oliver nasceu, a opção era o regime domiciliar, em que o graduando faz tarefas em casa, mas Thais foi orientada pelos professores a não fazer essa escolha.
“A universidade não tem assistência e preparo para atender à mãe. O meu professor falou que eu ia perder conteúdo porque ele não teria uma dinâmica diferente de aprendizado para me passar”, contou à reportagem.
De acordo com a estudante, as atividades oferecidas são resenhas, o que é incompatível com alguns aspectos do curso. “Como eu ia aprender a montar uma base de dados fazendo resenha?”, questiona.
A minha supervisora me mandou para casa porque não tem condição de levar ele para o trabalho. A dinâmica não funciona.
Thais Medeiros, aluna do 6º semestre Biblioteconomia da Universidade de Brasília (UnB).
Thais também precisou conciliar o trancamento da matrícula de graduação com uma interrupção em seu contrato de estágio, já que não há licença-maternidade. Por esse motivo, ela não teve remuneração nesse período.
Também por ser estagiária, ela não tem direito à creche para funcionários no local onde trabalha. “Já tive que ir embora do trabalho porque não tinha quem cuidasse dele. A minha supervisora me mandou para casa porque não tem condição de levar ele para o trabalho. A dinâmica não funciona.”
Para atender a demandas como a de Thais, um grupo de estudantes da UnB decidiu criar a Rede Voluntária de Apoio Infantil para Permanência Universitária (Rede VOA), para reunir universitários dispostos a cuidar voluntariamente dos filhos de colegas nos horários de aula.
Há dois meses, as alunas de Psicologia Kelly Regina de Carvalho, de 35 anos, e Amanda Regis de Moura, de 22, estão na luta para transformar a ideia em realidade. O projeto irá se tornar um programa de extensão e alunos de diversas áreas poderão participar e ganhar créditos universitários em troca. Alunos de Enfermagem poderão atuar em cuidados preventivos, e os de Engenharia de Redes, na programação do site, por exemplo.
A prioridade agora é conseguir encontrar um espaço no campus da Asa Norte para atender crianças de 6 meses a 6 anos. Hoje, já há 75 voluntárias e 17 crianças interessadas.

‘A universidade não é inclusiva com a mãe’.


A ideia surgiu da experiência pessoal de Kelly, aluna do 6º semestre e mãe de Paolla, de 4 anos. “Não tinha muita convivência com outras mães no curso de Psicologia, mas, pela minha experiência e dificuldades, eu supunha que outras mães deveriam passar por situações parecidas. Eu tenho uma rede de apoio. Minha mãe fica com ela, mas eu fico dependendo dela. Não posso fazer todas as matérias da manhã. Minha mãe é uma senhora de mais idade e a Paolla demanda muito”,  conta.
Dupla de Kelly na estruturação da Rede Voa, Amanda, que cursa o 9º semestre de Psicologia, fez o trabalho de conclusão de curso sobre ser mãe universitária e diz não haver um mapeamento sobre o tema na UnB. “A gente não sabe se a maioria das mães são separadas dos pais, se têm rede de suporte”, afirma.
Desde o segundo semestre de 2017, a UnB paga uma bolsa-creche de R$ 485 para estudantes da assistência estudantil com filhos de até 5 anos incompletos. Hoje 40 alunos recebem o benefício. Não há uma creche no campus da Asa Norte. Na Faculdade de Educação, alunos montaram um espaço para cuidados infantis, mas o acesso é limitado a alunos do curso, o que faz com que a sala não seja usada com frequência.
Eu não tinha noção do tanto de gente que tinha filho na universidade. Na minha faculdade, não conhecia ninguém até eu engravidar. Depois que engravidei, surgiram umas 7 [mães]
Thais Medeiros, aluna do 6º semestre Biblioteconomia da Universidade de Brasília (UnB)
Além de conquistar um local para as mães poderem levar os filhos para UnB, a Rede VOA também atua em outras frentes. Elas tentam mobilizar parlamentares a aprovar uma proposta para que as universidades federais apoiem tais iniciativas e outra para alterar os critérios de acesso a creche no Governo do Distrito Federal, a fim de incluir o fato de ser mãe universitária nos requisitos de prioridade. Hoje a lista de prioridades inclui bebês com deficit nutricional e mães adolescentes, separadas dos pais ou vítimas de violência doméstica.
“O que a gente quer também com o projeto é conseguir, a partir dessa institucionalização, sensibilizar os docentes e discentes dessa demanda porque as crianças vão começar a aparecer mais na universidade”, afirma Amanda.
Com Oliver no colo, Thais também destaca a importância de dar visibilidade ao tema. ”É muito difícil você ver na universidade alguém com criança. Às vezes a gente [mães] se conhece porque alguém perguntou em um grupo. Eu não tinha noção do tanto de gente que tinha filho na universidade. Na minha faculdade, não conhecia ninguém até eu engravidar. Depois que engravidei, surgiram umas 7 [mães], porque são invisíveis, porque a universidade não é inclusiva com a mãe.”

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