Dois homens conversavam. Um deles reclamava que a esposa era uma profissional muito ocupada com uma carreira em ascensão e dedicava pouco tempo para a vida doméstica. O outro homem, tentando consolar o amigo, dizia que ele não se preocupasse, pois assim que ele e a esposa tiverem um filho, ela iria diminuir o ritmo e compreender que a prioridade dela deveria ser a família. Esta história é para Marcia Barbosa dolorosa como uma ferida antiga que nunca cicatriza, pois o homem reclamando era, na época, o marido dela.
A ideia de que a maternidade é um freio para a carreira das mulheres é uma destas verdades não ditas que paira sobre as cabeças das nossas estudantes, docentes e pesquisadoras em geral. É como se ter um filho ou uma filha fosse uma sentença de morte científica. Se a maternidade ocorre quando a jovem ainda é uma estudante, ela passa a ocupar aquele local invisível dos que não terão sucesso no futuro. As oportunidades evaporam para uma estudante mãe. Estas jovens além de enfrentar o preconceito de docentes e colegas, precisam estudar e criar seus filhos em uma universidade destituída de infraestrutura para o cuidado das crianças. São raras as creches, os locais para amamentação e banheiros com local para trocar os bebês.
As mulheres que adiam o projeto da maternidade para quando já estiverem empregadas, passam pela graduação, mestrado e doutorado em uma igualdade ilusória. Tornam-se docentes, engravidam e aí sofrem uma transição de fase do reino das promissoras para o setor das mães com um futuro profissional limitado. Além disso, como a família é vista como um projeto privado, a universidade não distribui suas tarefas com a sabedoria de compreender que aqueles que tem filhos pequenos não podem receber atribuições profissionais noturnas, em horários de saída da creche, etc. O meio acadêmico, tão flexível para os seus interesses, não tem empatia alguma com o bem mais importante da sociedade, as novas gerações.
Rapidamente as jovens mães pesquisadoras percebem que a produção filho(a) traz consigo uma diminuição da produção acadêmica. Como a avaliação dos(as) pesquisadores(as) ocorre em intervalos periódicos que não se interrompem com a maternidade, um(a) novo(a) filho(a) implica em um atraso nesta progressão com consequente exclusão como docente da pós-graduação e à perda de oportunidade de financiamento.
O grupo Meninas na Ciência da UFRGS em seu projeto Lugar de Mulher mostra que a maioria das pesquisadoras de sucesso da UFRGS não recorda ter sofrido preconceito e as que tiveram filhos parecem não recordar ter tido obstáculos adicionais. Como explicar este fenômeno? Entre as pesquisadoras com filhos que atingiram o ápice da carreira é possível identificar um perfil característico: heroínas com privilégio. Heroínas no sentido de serem pessoas com uma capacidade de trabalho excepcional e com privilégio, pois tiveram condições de ter o apoio de babás, creches, família …
Por que é importante termos na ciência outras mulheres além das heroínas com privilégio? Ciência como qualquer outra atividade intelectual humana se beneficia da diversidade [1]. Grupos de pessoas que provêm de diferentes histórias, culturas, formas de pensar, resolvem problemas com mais eficiência [2]. Consequentemente seremos mais eficientes em resolver os enormes problemas que o mundo enfrenta em energia, água, meio ambiente, mudanças climática, distribuição de renda, emprego versus automação se tivermos diversidade entre as pessoas atuando na solução destes problemas.
Fernanda Staniscuaski, mãe de três filhos, percebeu na própria carne o problema do impacto da maternidade na carreira. Ela, no entanto, ao invés de se submeter ao jugo do destino traçado por outros, se juntou com outras pesquisadoras e um pesquisador e iniciou um movimento, Parent in Science[3], para quantificar o impacto da maternidade na carreira científica. Esta medida se dá através de questionário on line [4] que identificou, entre outras coisas, que cada filho(a) diminui a produção das mulheres. O mesmo estudo mostra que mais de 50% das mulheres acadêmicas são as únicas cuidadoras dos filhos [5] e que não há uma divisão do trabalho do cuidado dos filhos com o companheiro.
O movimento organizou em 2018 um evento que trouxe consigo algumas políticas a serem implantadas. A primeira é a inclusão dos filhos no currículo das(os) pesquisadoras(es), o Lattes, como forma de possibilitar que avaliadores compreendam o “ gap” nas publicações. O movimento teve sucesso e hoje há uma promessa de incluir esta informação nos próximos meses no Lattes, na parte oculta para o público em geral, mas visível para avaliação.
Neste mês se realizou o segundo evento do Parent in Science [3], movimento que se tornou nacional. Dois dias onde a diversidade foi o centro das discussões. Gênero, raça, filhos com deficiências, desafios e histórias de luta. Saíram de lá novas propostas para possibilitar ampliar a diversidade na ciência. Afinal, a ciência não deve ser feita somente por super-heroínas.
Referências:
[1]Vivian Hunt, Dennis Layton, Sara Prince, Diversity Matters, McKinsey&Company, Fev. 2015, URL: https://assets.mckinsey.com/~/media/857F440109AA4D13A54D9C496D86ED58.ashx
[2] Lugar de Mulher, Meninas na Ciência, URL: https://www.ufrgs.br/meninasnaciencia/?page_id=14
[3] Parent in Science, https://www.parentinscience.com/
[4] Parent in Science, questionário, URL: https://serrapilheira.org/parent-in-science-levanta-dados-para-avaliar-impacto-da-maternidade-na-carreira-cientifica/
[5] Parent in Science, dados, URL:https://www.ufrgs.br/humanista/wp-content/uploads/2018/07/Parent-in-Science_principais_dados.pdf
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