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sábado, 22 de dezembro de 2012


Nova Barbie levanta debate sobre a evolução dos brinquedos


DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um brinquedo que chega ao mercado americano no Natal vem sendo alardeado como a grande mudança no nicho. Antes, Barbies eram para meninas e blocos de construir, para meninos. Mas, pela primeira vez em 50 anos de Barbie, a Mattel associou um kit de construção à boneca mais perua do globo.
É que os pais andam mais presentes na vida dos filhos e as meninas estão sendo estimuladas a usarem brinquedos que desenvolvam desde cedo suas capacidades matemáticas e científicas.
A linha da Barbie que constrói seria reflexo da mudança no papel paterno e de outras revoluções sócio-econômicas, no discurso da indústria. "Papais podem muito bem participar dessa brincadeira; de outra forma, eles se sentiriam fora de seu território", explicou a psicóloga Maureen O'Brien, que deu consultoria ao desenvolvimento do produto.

Divulgação
Kit Barbie Construção e Estilo, lançado nos EUA, que deve chegar ao Brasil no segundo semestre de 2013
Kit Barbie Construção e Estilo lançado nos EUA, que deve chegar ao Brasil no segundo semestre de 2013

O novo brinquedo se ajusta ao mais recente Censo feito nos EUA, que mostrou o aumento no número de homens responsáveis por cuidar dos filhos enquanto as mães trabalham fora e no número de pais que passam mais tempo com os filhos do que qualquer outro adulto -mãe incluída.
De olho na mudança, a Mattel, unida à canadense Mega Brands, acaba de colocar nas prateleiras dos EUA o kit "Barbie Build'n Style" (construção e estilo), com o objetivo de atrair pais e filhas.
Sim, a Barbie agora constrói, mas não que tenha abandonado seu mundo rosa para virar engenheira: seus blocos são encontrados nas "opções" de sempre: piscina, casa de luxo, loja de roupas...O kit deve chegar ao Brasil no segundo semestre de 2013.
Construção para meninas está em alta. A linha "Friends", da Lego, lançada nos EUA em janeiro e voltada às garotas, nasceu de um pedido direto de mães e crianças.
O brinquedo, também tratado como inovador pela mídia e pelo comércio, foi desenvolvido em quatro anos, conforme o diretor de operações da empresa dinamarquesa no Brasil, Robério Esteves.
"A linha traz meninas urbanas, com profissões e personalidades diferentes. O objetivo é mostrar que elas se projetam hoje em suas mães, mulheres modernas e ativas profissionalmente", diz.
Segundo Esteves, a Lego "sempre insistiu na busca do desenvolvimento do raciocínio lógico, da coordenação motora e da criatividade".
Os blocos da série, à venda no Brasil, permitem a construção de salão de beleza, cafeteria, campo de equitação e laboratório, entre outros.
"Discurso da cegonha"
Enquanto duas gigantes da indústria sinalizam a tentativa de acompanhar as recentes transformações vividas por seu público, alguns pais e especialistas acham que o conservadorismo nesse mercado segue intocado.
"As inovações não passam de reflexo da nossa cultura de excessos. Nunca houve tanto brinquedo inútil", opina a designer Anne Rammi, mãe de dois meninos.

Avener Prado/Folhapress
A designer Anne Rammi, que tem um site sobre maternidade, com os filhos Joaquim (de vermelho) e Tomas
A designer Anne Rammi, que tem um site sobre maternidade, com os filhos Joaquim (de vermelho) e Tomas

"A indústria de brinquedos não está preocupada em oferecer produtos com responsabilidade social", diz Anne, 32. Ela ilustra a visão de outras mães de sua geração, ativas na internet, às vezes com blogs temáticos, que apontam defasagem entre sua realidade familiar e os brinquedos -sempre divididos entre carros e heróis "deles", bonecas e panelinhas "delas".
Quem é do ramo não concorda com essa percepção. "Não há defasagem entre a sociedade e a produção, até porque se eu não me antecipar ao que a criança vai querer, eu vou perder mercado", diz Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, que reúne fabricantes brasileiros.
"Há 3.000 designers brasileiros independentes que criam para 523 fábricas -e eles não estão defasados."
Brinquedos podem ser conceitualmente interessantes desde que vendam. Costa dá o exemplo da boneca grávida lançada no início dos anos 1990, um fracasso.
"Esquecemos de perguntar à mãe se ela estaria disposta a explicar à filha de seis anos como uma mulher fica grávida. No Brasil, ainda predomina o discurso da cegonha. A gente não pode ir contra a cultura da mãe brasileira."
Não quer dizer que não haja inovação. "O lançamento das bonecas negras foi um sucesso, hoje estão estabelecidas no mercado, assim como os brinquedos para crianças especiais. Lançamos há pouco bonecas que têm assaduras e podem ser curadas. Isso mexe na sociedade infantil", enumera o empresário.
Uma característica histórica do setor de brinquedos é a escassez de opções "lúdico-educativas", diz Sandra Mara Corazza, doutora em educação e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na universidade Lumière Lyon 2, na França.
"O mundo dos brinquedos é atrasado, limitado e simplificador; embora haja mudanças, ele não acompanha o que vivemos", diz Corazza.
Para Lais Fontenelle, psicóloga do Instituto Alana (dedicado a projetos sobre o universo infantil), o problema não é a distância entre o que as prateleiras oferecem e o que a criança vive. Ela critica o procedimento da indústria de tentar prever ou inventar demandas. "Desde sempre pais conseguiram brincar com suas filhas sem precisar de blocos de construção cor-de-rosa da Barbie", afirma.
Em meio à multiplicidade de opiniões e opções -a estimativa é de que sejam vendidos 4.500 modelos de brinquedos no país neste ano-, a questão é saber quais elementos ajudam a compor o presente ideal.
"As crianças precisam de pouco para se divertir; o bom brinquedo é o que não vem tão pronto", diz Fontenelle.
Anne Rammi, que tem um site (www.mamatraca.com.br) sobre maternidade, pensa da mesma forma: "Brinquedos simples e duráveis são capazes de suprir as necessidades de entretenimento e desenvolvimento de cognição. As coisas que eram criativas e interessantes há 50 anos continuam as mesmas. O resto é invenção para fazer a gente gastar".
O presidente da Abrinq contesta: "Criança não gosta de coisa velha; quem gosta de coisa velha é acadêmico e psicólogo. Criança, não."
Já a educadora Corazza considera que o grau de antiguidade, o material e as visões de mundo associadas a um brinquedo não falam mais alto do que a atitude dos pais. "O adulto deve assumir a responsabilidade ética de tornar o brinquedo mais criador. Implica estabelecer entre adultos, crianças e brinquedos uma relação que vá além dos limites de cada um."
"Cada sociedade tem o brinquedo que merece", afirma a educadora. "Para fugir dos brinquedos bobos, temos de deixar de tratar a infância de maneira boba, parar de adultizar a infância, enquanto o mundo adulto é infantilizado eternamente."

Com o "New York Times"

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