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terça-feira, 3 de setembro de 2013

“As mulheres árabes estão se recusando a serem silenciadas”, afirma Arwa Damon

ARWA DAMON É CORRESPONDENTE INTERNACIONAL SÊNIOR DA CNN NO ORIENTE MÉDIO (Foto: Divulgação/CNN)
ARWA DAMON É CORRESPONDENTE INTERNACIONAL
SÊNIOR DA CNN NO ORIENTE MÉDIO
(FOTO: DIVULGAÇÃO/CNN)

por Graziela Salomão

Correspondente sênior da CNN no Oriente Médio, a jornalista, que atualmente está cobrindo o conflito no Egito, fala, em entrevista exclusiva a Marie Claire, sobre a situação, as perspectivas e, em especial, sobre o papel das mulheres no atual cenário social do país

“Em nenhum momento pensei em mudar minha vida de correspondente internacional”. Representante sênior da CNN em Beirute, Arwa Damon está acostumada a grandes coberturas. O relato corajoso que a jornalista fez do ataque à embaixada americana na Líbia, em 2012, que deixou quatro mortos, entre eles o embaixador J. Christopher Stevens, a transformou em uma estrela da rede americana e provocou um furor nacional.

Em mais um grande trabalho jornalístico, Arwa, filha de pai americano e mãe síria, está no Egito cobrindo os protestos nacionais que têm transformado o país. “É uma atmosfera muito carregada emocionalmente porque as pessoas estão polarizadas e umas contra as outras, acreditando, veementemente, que seu lado é o certo”, afirma.

Em meio a uma onda de violências sexuais contra as mulheres, a bela correspondente de 35 anos conta como o papel feminino no Oriente Médio vem se transformando. Em entrevista exclusiva a Marie Claire, Arwa relata, de forma surpreendente e realista, o verdadeiro cenário social e político pelo qual passa o Egito neste momento, quais são as expectativas para um futuro próximo e qual é o sonho desta jornalista: “continuo – talvez ingenuamente – idealista”, diz, mas “quero fazer histórias que mudem o jeito das pessoas pensarem sobre o outro”.
ARWA DAMON (Foto: Divulgação/CNN)
ARWA DAMON
(FOTO: DIVULGAÇÃO/CNN)

Marie Claire - Você está cobrindo um momento importante no Egito. Qual a sua análise deste momento?
Arwa Damon - Tem sido um desafio em todos os sentidos. É uma atmosfera muito carregada emocionalmente porque as pessoas estão polarizadas e umas contra as outras, acreditando, veementemente, que seu lado é o certo. O Egito nunca foi muito simpático com os jornalistas, especialmente os ocidentais, desde que a revolução em 2011 derrubou Mubarak. Agora, a situação é ainda pior. Há muitos lugares onde não podemos filmar, áreas que não podemos ir porque podemos ser alvejados por multidões enfurecidas. A dinâmica nas ruas pode mudar a qualquer momento e tudo é amplificado pela “demonização” da mídia ocidental na imprensa egípcia, que nos vê como “pró-Morsi”.

Marie Claire – Qual é a sua análise da situação atual no Egito?
Arwa Damon - O Egito está em uma transição feia, caótica, mas natural. Pensar que, depois de décadas de ditadura, ele viraria, do dia para a noite, uma democracia próspera, como uma nação madura que respeita os direitos humanos, é irreal. O país está em um meticuloso processo para tentar se identificar. No entanto, as decisões que estão sendo tomadas pela liderança militar atual e pelo governo interino estão agravando as divisões que existem. Para alguns islâmicos radicais isso se transformou em uma batalha existencial, vista como uma batalha contra o Islã, o que não é o caso. A brutal e violenta dispersão dos manifestantes aumentou as divisões. Uma terrível reação contra igrejas cristãs, casas e residências é apenas um exemplo disso.

Marie Claire – Você tem uma vasta experiência nestes tipos de coberturas. Desta vez está sendo diferente?
Arwa Damon - A dinâmica que rege cada história é sempre diferente e única para cada acontecimento. Minhas experiências me ensinaram a passar por multidões agressivas e saber interpretar uma situação e a hora exata de ir embora. Durante nossa cobertura da atual crise egípcia, no mesmo dia que o cinegrafista da Sky, Mick Deane, foi morto, tiros soaram durante nossa transmissão ao vivo. O tiroteio não estava perto de nós, mas ele tende a ser uma roleta russa em qualquer zona de conflito.

Marie Claire – O número de casos de abusos sexuais contra mulheres cresceu no Egito com os movimentos sociais. Recentemente, em uma entrevista a Marie Claire, uma egípcia contou que foi violentada por uma multidão durante um protesto e que aquilo era uma “forma de tirar o direito das mulheres se manifestarem”. O que você acha?
Arwa Damon - É o mais desprezível ato endêmico no Egito. Nunca estive em outra nação onde uma mobilização gera, de repente, um frenesi incontrolável com atos bárbaros de caráter sexual contra as mulheres. Culpo a isso uma série de fatores como a falta de educação (inclusive em casa), falta de respeito pelas mulheres ou a justificativa de que esses atos não são moralmente errados, e um desejo de impedir qualquer movimento que dê força às mulheres.

Marie Claire - Sendo mulher e jornalista na linha de frente de uma cobertura tão importante como essa, acredita que o papel feminino pode ser importante em casos como esse?
Arwa Damon - Ele é absolutamente vital. Não podemos permitir que sejamos intimidadas, e ao mesmo tempo, a perspectiva de ser alvo de uma agressão sexual é aterrorizante. Tenho o maior respeito por essas mulheres que escolhem falar sobre isso e não permitem serem definidas como vítimas, mas sim lutam e se recusam a serem silenciadas.

Marie Claire – O que ainda podemos esperar dos movimentos políticos e sociais? Qual é a sua análise?
Arwa Damon - O Egito está em uma situação muito precária. O governo está totalmente alienado com a Irmandade Muçulmana. Está cada vez mais distante tentar incluir outros partidos islâmicos ou salafestas como, por exemplo, o Salafi Nour. De acordo com o porta-voz deles, há garantias de que determinados artigos da constituição, que dão poderes significativos às instituições religiosas no governo, não seriam tocados. No entanto, esses são os mesmo artigos que os moderados querem ver riscados. Além disso, o governo interino recentemente nomeou 19 ex-generais como governadores provinciais - que, juntamente com outros movimentos, indicam uma crescente militarização do governo. Os dias mais difíceis para o Egito ainda estão por vir. Mas, novamente, é preciso lembrar como esse momento de transição pelo qual o país está passando pós-Mubarak é significativo. E, historicamente, esses tipos de transições nunca foram suaves ou rápidas, mas eu não ficaria surpresa se ainda víssemos mais conturbações e governos derrubados no futuro do país.
"Conheci algumas das mais incríveis mulheres que mostraram uma coragem fenomenal", diz Arwa Damon (Foto: Divulgação/CNN)
"CONHECI ALGUMAS DAS MAIS INCRÍVEIS MULHERES QUE MOSTRARAM
UMA CORAGEM FENOMENAL", DIZ ARWA DAMON (FOTO: DIVULGAÇÃO/CNN)
Marie Claire – A visão da mulher no Oriente Médio está mudando depois dessas transformações?
Arwa Damon - Está, mas não em grande escala. É uma batalha meticulosa e dolorosa, mas as mulheres estão encontrando suas vozes em países de toda a região e estão se recusando a serem silenciadas. Conheci algumas das mais incríveis mulheres que mostraram uma coragem fenomenal. As sociedades dominadas por homens no Oriente Médio não estão prontas para a igualdade de gêneros. Elas são sempre colocadas em moldes de como devem ser ou agir. No entanto, elas também podem ser suas piores inimigas, ao partilharem da visão social de como deveriam ser ou que papel que deveriam ter.

Marie Claire – Você sente qualquer tipo de preconceito durante a cobertura por ser mulher?
Arwa Damon - Pessoalmente, não, exceto em raras ocasiões, como quando um islâmico ultra-extremista se recusa a me dar uma entrevista. Esse tipo de coisas aconteceu algumas vezes. Como mulher ocidental (ou, no meu caso, meio ocidental), nós, jornalistas, nos enquadramos em zonas cinzentas onde funcionam algumas vantagens. Mas eu sei de colegas árabes que lutam contra o preconceito em maior escala do que eu.

Marie Claire - Você é filha de um americano com uma síria. Quis seguir uma carreira internacional por conta dessa mistura?
Arwa Damon - Certamente. Sempre tive um espírito internacional. Meus pais deram a mim e a minha irmã uma grande bagagem cultural. E despertaram nossa curiosidade sobre o mundo e sobre viajar. Devo tudo a eles.

Marie Claire – Qual é o seu maior desejo pessoal e profissional?
Arwa Damon - Quem me conhece vai rir, porque sou muito cínica, mas neste caso ainda continuo – talvez ingenuamente – idealista. Quero impactar e fazer com que as pessoas ultrapassem fronteiras culturais e territoriais. Quero fazer histórias que mudem o jeito das pessoas pensarem sobre o outro. Quero produzir um tipo de jornalismo que mude a vida das pessoas graças à consciência que ele gere.

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