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sábado, 7 de setembro de 2013

Era uma vez um menino que se chamava Jackson.

"Uma tragédia diária que não estampa os jornais diariamente. Não choca. É silenciada pela indiferença de todos nós"

Por Renata Neder
Era uma vez um menino que se chamava Jackson. Ele tinha 15 anos e era de Itacaré. Em busca de melhores oportunidades, foi para Ilhéus estudar, fazer curso de turismo. Era filho de Antonio, mais conhecido como o Tonny Black da barbearia. Aprendeu o ofício do pai ainda com 12 anos. Desde cedo queira ajudar. Queria batalhar pelo seu futuro.

Em Ilhéus, Jackson trabalhava de manhã e estudava durante a tarde. Normalmente, ficava lá de 2ª a 6ª e voltava para casa nos fins de semana para estar com a família e a namorada. Se orgulhava de já ganhar algum trocado com seu próprio suor. Mesmo quando estava em Itacaré visitando a família, Jackson ainda assim ajudava na barbearia do pai. Um menino batalhador.

Em um domingo de junho, por volta de meio dia, Jackson deixou a barbearia do pai. Ia almoçar com a namorada. Mas nunca chegou lá, e nunca voltou pra casa.

A namorada e a família estranharam, afinal ele não sumia assim sem avisar. Era festa de São João em Itacaré e a família resolveu procurar pela cidade. Mas nada de Jackson.

Na segunda feira bem cedo pela manhã, a família foi à delegacia para registrar o desaparecimento de Jackson. O pai, Tonny, que também trabalha como socorrista dirigindo uma ambulância, e a mãe, Graça, que é merendeira, já tinham certeza que algo havia acontecido com o filho. Ele era um rapaz atencioso e nunca sumira assim.

Mas a polícia não quis fazer o registro. Disse que só registraria o desaparecimento após 72 horas. A família começou então sua saga em busca de Jackson. Foram em diversos bairros, perguntaram pelo rapaz, receberam algumas respostas vagas de que ele havia sido visto aqui e acolá. Ouviram o relato de uma pessoa que o teria visto perto de uma área conhecida por ser um cemitério clandestino, área de desova de corpo.

Na segunda feira à noite, conseguiram falar com o delegado que prometeu iniciar as buscas no dia seguinte pela manhã bem cedo. E, sendo assim, no dia seguinte pela manhã, Tonny, amigos e familiares estavam no lugar combinado aguardando a polícia para as buscas. Mas a polícia não apareceu.

A polícia não quis registrar o desaparecimento de Jackson e nem procurar o rapaz. O Estado não fez o seu papel. E já que o Estado não fez o que devia, coube à família e aos amigos procurar por Jackson.

Começaram as buscas nesta área já conhecida como um cemitério clandestino. Não demorou muito e encontraram uma área de terra revirada, alguns fios soltos e dois cabos de ferramentas. Começaram a cavar. E encontraram Jackson.

Jackson estava enterrado de cabeça para baixo. Foi assim que seu pai, sua família e amigos o encontraram. Enterrado em um cemitério clandestino de cabeça para baixo.

Eu conheci pessoalmente o pai de Jackson, Tonny, quando estive em Salvador há duas semanas. Ele tem um rosto de menino e um semblante sereno. Mas não há serenidade que esconda a dor – infinita e indizível – de perder um filho assim, brutalmente assassinado, e de encontrar o filho enterrado.

Me desculpei com Tonny por estar perguntando detalhes do caso, fazendo-o reviver esta história tão dura. Mas ele me disse:

“Se eu tiver que repetir isso um milhão de vezes, eu vou repetir. Porque isso não é nem um milésimo da dor que o meu filho sentiu.”

Encontrar o filho morto deu início a uma nova saga: a busca por justiça. Tonny quer saber quem matou seu filho, como e por que. Por que, afinal, um menino como Jackson, que estudava, trabalhava, tinha um futuro inteirinho pela frente, teve sua vida interrompida desta forma? Quem roubou o futuro de Jackson?

Mas Jackson não é apenas um menino. Este não é um caso isolado.

Uma pesquisa do IPEA sobre homicídio de jovens no Brasil mostra que, a cada ano, uma proporção maior de jovens – cada vez mais jovens – morre no Brasil. E a Bahia é o Estado com o quarto maior índice de homicídio de jovens (entre 14 e 29). Dados do Mapa da Violência e do Observatório de Favelas mostram que dos jovens mortos, cerca de 75% são negros e mais de 90% são do sexo masculino.

Todo ano, milhares de jovens negros são assassinados no Brasil. Mas isso não é uma estatística. Isso é ser humano. Então, todo ano, enterramos milhares de jovens negros, assim como Tonny enterrou seu filho. Mas estas mortes parecem invisíveis. Uma tragédia diária que não estampa os jornais diariamente. Não choca. É silenciada pela indiferença de todos nós.

Foi impossível ouvir o relato de Tonny e não me envolver. Ele disse que repetiria esta história um milhão de vezes se isso for ajudar na busca por justiça pela morte de seu filho. E é por isso que eu conto esta história aqui. Para que vocês leiam e contem também, para outras pessoas. Se formos um milhão de pessoas contando esta história junto com Tonny, quem sabe o Estado não cumpre seu papel de investigar essas mortes, de levar os casos à justiça, trazer paz para essas famílias? E se um milhão de vezes não for suficiente, contaremos esta história de novo, e de novo, até que seja.

Então, vamos lá, façam sua parte, contem esta história também: Era uma vez um menino que se chamava Jackson.  
perfil Renata Neder - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

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