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terça-feira, 1 de outubro de 2013

As tranças da maturidade.

Por Renata Neder

Quando estive na Tanzânia pela primeira vez, vi muitos meninos e meninas uniformizados indo ou voltando do colégio e uma coisa me chamou a atenção. Reparei que quase todas as meninas tinham o cabelo bem curtinho. Nada de tranças, penteados, apliques. Curtinho mesmo. Achei muito curioso, só poderia ser algum costume muito forte ou mesmo regra das escolas. Resolvi perguntar.
Na ocasião, Ene, uma colega de trabalho da Nigéria, me disse então que o cabelo curtinho é regra na maior parte das escolas lá e em muitos outros países africanos. Disse que não concorda com essa regra e que suas filhas só estudaram em colégios onde elas pudessem ter o cabelo que quisessem.
  (Foto: Divulgação)
Um outro colega, Suleiman, do Quênia, me deu mais explicações: "As meninas nessa idade não sabem cuidar dos cabelos, e isso só daria mais trabalho para as mães. Então, elas só podem ter cabelos mais compridos quando elas mesmas souberem e puderem cuidar. Dá trabalho cuidar dos cabelos, e elas não devem se distrair com isso nessa idade". 
A explicação me fez lembrar de um livro muito lindo que dei de presente há bastante tempo para a minha irmã Nina. O livro se chama "As tranças de Bintou" e conta a história de uma menina que não está nem um pouco satisfeita com o fato de não poder ter lindas tranças nos cabelos como a sua irmã mais velha. Bintou não podia ter tranças porque ainda era uma menina, e menina não deve se preocupar com essas coisas, com vaidade. Tranças são só para mulheres. O livro fala, no fundo, desse rito de passagem.
Sempre presenteei a Nina com livros relacionados à cultura africana e afro-brasileira. Quando ela era pequena, e me deixava pentear seus cabelos cacheados, fazia birotes, trancinhas, tererês e penteados diferentes que valorizavam seu cabelo. Com a história de Bintou, queria apenas ler para ela uma história sensível que valoriza os cabelos negros.
Foi apenas muitos anos depois, em visita à Tanzânia ao ouvir as explicações sobre o cabelo curto das meninas, que atentei para o outro ponto abordado no livro: a vaidade.
Por um lado, é verdade que hoje a estética é uma preocupação muitas vezes excessiva na nossa sociedade. Adolescentes e meninas, cada vez mais novas, concentram muita energia (tempo e recursos) para atender a um determinado modelo de “visual”, quando talvez devessem estar brincando, praticando algum esporte, lendo um livro ou vendo um filme.
Mas, por outro lado, o cabelo, especialmente para nós mulheres, é parte da identidade, reflete quem somos. É quase uma forma de expressão. Entendo que as meninas ainda estão em formação. Mas afinal, quando será que estamos realmente formados na vida? Formação é um processo de vida inteira. E o cabelo, como forma de expressão, deveria também refletir essa busca, esse processo de transformação e formação.
Quando olho para trás, me lembro de quantos cabelos diferentes já usei: aquela franjinha arrepiada com gel ridícula dos anos 80, cabelo curtinho ou longuíssimo, metade raspado e metade pintado de rosa-choque, e por aí vai. Cada um refletia um momento importante. Nunca fui reprimida por ninguém, nem família, nem escola, nem amigos. Verdade que alguns cabelos chamaram atenção e geraram certo desgosto, mas sempre tive a liberdade de usar meu cabelo para me expressar. Não acho que gostaria de ter que usar sempre o mesmo cabelo, qualquer que fosse ele, até estar devidamente "formada" para poder ter essa liberdade de escolha.
No mais, fica a dica do livro "As tranças de Bintou", da editora Cosac & Naify, da autora franco-senegalesa Sylviane Diouf. 
perfil Renata Neder - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

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