Entrevista concedida pelo economista noirte-americano Paul Zak ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.
Filósofos e teólogos discutem há séculos se o homem é bom por natureza e se deixa corromper pela sociedade, conforme sustentava Jean-Jacques Rousseau, ou já chegamos ao mundo com uma herança genética com traços de egoísmo e agressão, competitividade e violência. A vida prática, a ação das pessoas, fazer o bem ou o mal, depende da formação moral, a educação, a experiência de vida ou seria resultado de substâncias químicas no cérebro? E nosso comportamento como agente econômico — consumidor, produtor, vendedor — resulta de decisões racionais ou depende também de hormônios em ação no cérebro? Esta discussão ganha um sabor peculiar com os estudos de Paul Zak, economista americano com doutorado na Universidade da Pensilvânia e fundador do Centro de Estudos em Neuroeconomia da Universidade de Claremont, na Califórnia. Ele sustenta que uma molécula, oxitocina, já conhecida por suas propriedades médicas no parto e na amamentação, tem uma função adicional de estimular a solidariedade, a empatia, a confiança. Esse comportamento positivo nas pessoas poderia ser obtido a partir do uso desse hormônio natural, talvez sob a forma de aerosol. Exagero? Delírio? Ou possibilidade científica? O Milênio foi encontrar Paul Zak em São Paulo, onde ele fez palestra à convite da organização cultural Fronteiras do Pensamento.
Silio Boccanera — Você é diretor e fundador do Centro de Estudos Neuroeconômicos da Universidade de Claremont. Vamos começar pelo básico: o que é “neuroeconomia”?
Paul Zak — Eu sei que você nunca tomou uma decisão ruim na vida, mas seu cunhado investiu em imóveis em Nova York em 2007. Por quê? Por que tomamos decisões ruins se temos um cérebro tão poderoso? A neuroeconomia mede a atividade cerebral enquanto tomamos decisões para entender por que fazemos o que fazemos.
Silio Boccanera — Inclusive decisões econômicas.
Paul Zak — Sim, mas economia é comportamento humano, então nós o estudamos de forma ampla, dentro e fora dos mercados, e nos concentramos particularmente em decisões interpessoais.
Silio Boccanera — Nós nos comportamos racionalmente quando vamos comprar coisas e tomar decisões. O que você descobriu? Não somos tão racionais assim?
Paul Zak — Não há uma definição neurológica de “racionalidade”, então não uso essa palavra, porque, se você é irracional, é uma má pessoa ou algo assim. Descobrimos que as decisões são muitas vezes tomadas inconscientemente e depois criamos uma história para justificar nossas decisões. É por isso que medimos a atividade cerebral. Se eu forçá-lo a dizer por que tomou uma decisão, você dirá algo que pode não ser verdade. Mas o cérebro não mente. Se eu analisá-lo diretamente, posso descobrir como os fatores emocionais afetam a tomada de decisões; como o instinto, a memória, nossa história e nossa infância afetam a tomada de decisões. Todos esses fatores são fundamentais para entendermos por que tomamos decisões dentro e fora dos mercados.
Silio Boccanera — Esse hormônio que é o foco da sua pesquisa, a oxitocina, não é um hormônio novo, ele foi descoberto no início do século 20. Ele é produzido pela hipófise e é conhecido por seu uso na indução do parto e na amamentação, mas agora você diz que a oxitocina faz muito mais do que isso. O quê?
Paul Zak — Quando começamos nosso estudo, no ano 2000, a oxitocina só era conhecida por estimular três coisas: o parto, a amamentação e o sexo, e achava-se que era um hormônio exclusivamente feminino. Nossa hipótese era que a oxitocina, em homens e em mulheres, sinalizaria a familiaridade. E a oxitocina é liberada simultaneamente no cérebro e no corpo. Então estamos estudando o hormônio como neurotransmissor, um sinalizador cerebral. Ela sinaliza que você é seguro, não é um risco, é honesto e confiável. E é esse sinal que prevê comportamentos pró-sociais. E todo esse conjunto de comportamentos pró-sociais nós chamamos de comportamentos morais, que são comportamentos que nos mantêm no grupo social.
Silio Boccanera — O efeito dessa droga é diferente em homens e mulheres?
Paul Zak — Ótima pergunta. Em todos os experimentos que conduzimos, as mulheres liberam em média mais oxitocina que os homens com o mesmo estímulo. Consequentemente, elas são mais compassivas, confiáveis e generosas. Sabemos que as mulheres são mais gentis; esse é um dos motivos. Há mudanças durante o ciclo menstrual. Elas são gentis a maior parte do tempo, mas às vezes não são tanto, porque outros hormônios inibem a absorção da oxitocina.
Silio Boccanera — Você escreveu que “a oxitocina ajuda a criar a sensação de prazer que homens e mulheres sentem durante o sexo”. Seria um Viagra para o cérebro?
Paul Zak — Sim. Esse é um tema interessante. Somos criaturas morais porque somos criaturas sexuais. Se pensarmos nas religiões que são contra o sexo, e acho que a maioria é... Se não houvesse sexo, não haveria moralidade.
Silio Boccanera — Você mencionou o fato de que nas mulheres, durante a ovulação, tudo se reverte. O equilíbrio muda completamente.
Paul Zak — É verdade. Na gravidez também. A progesterona, o hormônio da ovulação e da gravidez, faz cair a oxitocina porque, como ela motiva as relações sociais que levam às relações sexuais, se for com o cara errado, a mulher paga um preço metabólico alto de receber genes não muito bons. Em outras vezes, o estrogênio, que sobe muito duas vezes ao mês, aumenta a sensibilidade feminina à oxitocina, então, uma coisa que aprendi com esse trabalho foi ser mais tolerante com as pessoas à minha volta, porque vivemos inundados por essas substâncias sem nem saber. São mecanismos evolutivos dos quais não temos consciência. Portanto, se a minha mulher está superemotiva, chorando quando vê filmes e eu não sei por quê, o estrogênio dela pode estar alto. O filme tem um componente social que a faz liberar oxitocina e a deixa mais sensível. No outro extremo está a testosterona, que inibe a oxitocina. Um garoto de 15 anos assistindo ao mesmo filme não estaria nem aí para o fato de a mãe do Bambi ter morrido. Não é relevante, porque ele só quer ser dominante, agressivo e se estabelecer na hierarquia social. Essas substâncias afetam nosso comportamento, afetam nossas decisões, e é fácil concluir: “Você fez tal coisa, por isso é uma pessoa ruim ou há algo errado com você”, em vez de: “Está tentando se adaptar ao seu ambiente usando antigos mecanismos evolutivos que podem não se adaptar ao ambiente atual.” E, se esperar 24 horas, seu equilíbrio químico pode ser outro.
Silio Boccanera — Vamos voltar à economia, à ideia da neuroeconomia e o comportamento das pessoas, especificamente dos agentes econômicos: do produtor, do consumidor, do comprador, do vendedor... Como o comportamento é afetado por essa substância? Eles se comportam de forma diferente no mercado?
Paul Zak — Sim. E isso nos leva de volta ao primeiro livro de Adam Smith, “Teoria dos Sentimentos Morais”, no qual ele disse que, como criaturas sociais, temos que interagir com os outros e, para fazer isso bem, dividimos as emoções dos outros. E, para ser uma boa criatura econômica, preciso fazer o mesmo. Preciso interagir para decidir do que você precisa e descobrir o quanto quer pagar pelo bem ou serviço. Para fazer isso com eficácia, a oxitocina nos permite interpretar as emoções dos outros e sentir empatia. Se eu fosse açougueiro ou padeiro e vendesse comida estragada, meus clientes desapareceriam. Apesar de ganhar dinheiro rápido, para me manter no mercado, devo ser um negociante justo e moral. Mas Smith também percebeu que, para ser um agente econômico eficiente a longo prazo, é preciso ser um negociante justo. Se eu sou açougueiro e vendo carne estragada aos clientes, eles rapidamente trocarão de fornecedor. O sistema do mercado reforça a moralidade, porque somos testados diariamente na nossa forma de servir. Smith foi muito claro em relação a isso: as transações devem ser tanto para interesse próprio como para servir a outros. As organizações que vendem bens ou serviços só existem porque melhoram a vida das pessoas, lhes dão algo de que precisam. Pasta de dente, um carro novo, consultoria, seja o que for. Se eu não satisfizer sua necessidade, outra pessoa o fará. Toda interação com outro ser humano ou até com um objeto muda um pouco a nossa química cerebral. É por isso que garotas de biquíni em comerciais atraem nossa atenção. É possível usar a oxitocina para manipular as pessoas? Não muito. Fizemos esse experimento, e a oxitocina nos torna mais sensíveis a sinais sociais. Se eu fosse um bom vendedor, aparentaria ser confiável, talvez pusesse a mão no seu ombro, pois o toque libera oxitocina, olharia nos seus olhos para tentar criar empatia. Tendo dito isso, somos criaturas sociais há centenas de milhões de anos e percebemos com eficiência os trambiqueiros e os mentirosos. É preciso agir corretamente nesse jogo. A exceção seriam 2% das pessoas, identificadas como psicopatas, que têm a oxitocina seriamente desregulada. Elas geralmente são encantadoras e jogam com as nossas emoções. Os golpistas fazem isso. Mas não conseguem manter a farsa por muito tempo. Se eu vou à concessionária da Mercedes e converso um tempo com o vendedor, logo percebo se ele está me enrolando ou não. Se ele me vende um carro por um preço razoável, viro cliente dele pelos próximos 40 anos.
Silio Boccanera — A evolução darwiniana fala da competição entre as espécies, e isso faz parte da nossa história. Mas você diz que há essa substância que pode afetar isso e que as pessoas podem se comportar de outra forma.
Paul Zak — Se nosso cérebro libera oxitocina, os experimentos não mostraram que deixamos de ter interesse próprio e ser competitivos. Um exemplo são as equipes esportivas. Os times têm um equilíbrio interessante entre colaboração interna e agressão externa, e fazem isso liberando tanto oxitocina quanto testosterona ao mesmo tempo, além de outras moléculas sinalizadoras. Podemos fazer a mesma coisa. Eu raramente compito sozinho. Trabalho com pessoas, tenho uma família que busca objetivos comuns, então reunimos esses recursos. Mas há exceções. Se estou malhando sozinho, estou competindo comigo mesmo. Não tenho estímulo social, não libero oxitocina e me concentro mais em hormônios como dopamina e testosterona, para me exercitar. Faz sentido? Esses efeitos são bastante sutis e requerem o desenvolvimento de protocolos com os quais podemos medir rapidamente mudanças a cada segundo nessas substâncias. E esse é o truque. Não pense em algo radical. Não vai de zero a 100. É mais tipo: sou neutro em relação a você, libero oxitocina e passo para 60 em vez de 50.
Silio Boccanera — Em uma profissão que seja muito dura e competitiva, como corretor da Bolsa, diria que os níveis de oxitocina dos profissionais são baixos?
Paul Zak — Em quase todos os mercados, exceto o financeiro, os dois lados saem ganhando. Se vou ao mercado comprar uma garrafa d’água, fico satisfeito com a compra e o vendedor com a venda. No mercado financeiro, com poucas exceções, um ganha e outro perde. Eu compro uma ação a US$ 7 de você, que comprou a US$ 6. Você ganhou dinheiro e eu espero ganhar vendendo por US$ 8. Esses são os mercados puramente competitivos, nos quais o comportamento é movido a testosterona e outros hormônios sinalizadores. Então, eu não espero encontrar coisas como: “Vamos dividir o lucro disso.” Mas às vezes acontece. Há casos na Bolsa de Nova York de corretores que gastam todo o seu fundo de reserva, e outros corretores, que trabalham há anos com os primeiros, emprestam US$ 1 milhão a eles, porque sabem que recuperarão o dinheiro. É uma crise passageira. Até isso acontece, porque você conhece o cara e quer que ele continue na ativa porque isso traz mais liquidez para o mercado.
Silio Boccanera — Os corretores então não são pessoas muito generosas.
Paul Zak — Não espero generosidade do meu açougueiro. Espero que ele seja justo e honesto. Eles podem ser generosos de vez em quando.
Silio Boccanera — Uma questão moral...
Paul Zak — Por que generosidade? Porque ela é muito atraente. Algo que muitos supermercados fazem é distribuir amostras. E você fica satisfeito por estar ganhando um presente. Sente-se bem em relação àquela pessoa ou empresa. E qual é a consequência? Você compra mais. Se eles dessem e ninguém comprasse mais, iriam à falência. Amostras são uma forma muito eficaz de negócio. Instituições de caridade funcionam assim também: você ganha um brinde com a inscrição: “Por favor apoie os veteranos ou crianças com alguma doença.” E esses apelos funcionam. Eles geram mais dinheiro que o dinheiro gasto com os brindes, porque nós reagimos a presentes. É exatamente a reação da oxitocina. “Eles não precisavam ser gentis, mas foram. E agora sinto simpatia por essa pessoa, essa empresa.”
Silio Boccanera — Uma das áreas nas quais você tenta aplicar sua pesquisa é o mundo dos negócios. Como pretende fazer isso? Aonde sua pesquisa nos levará?
Paul Zak — Estamos trabalhando com várias empresas que aplicaram a nova ciência da oxitocina para construir empresas de alta confiança e performance. Houve previsões específicas na neurociência sobre como fazer com que os funcionários das empresas sejam desafiados, elogiados quando atingem metas, sejam confiáveis e recebam a atenção necessária. Para isso criamos uma receita, um conjunto de políticas que os gerentes podem implementar. Demonstramos com isso, testando cerca de 5 mil funcionários, que as pessoas se sentem confiantes e comprometidas. Além disso, têm mais energia, são mais produtivas e mais felizes. Não quero trabalhar num lugar assim? Chegar e dizer: “O dia vai ser ótimo! Será desafiador e divertido trabalhar com meus amigos para finalizar nossos projetos.”
Silio Boccanera — Vamos falar dos críticos das suas teorias e do trabalho que faz. De psicanalistas a assistentes sociais e padres podem dizer: “Não se pode reduzir o comportamento das pessoas a uma substância no cérebro. As pessoas estão sujeitas ao que acontece na sociedade, à sua formação, a seus valores, e não a um hormônio em seu cérebro.”
Paul Zak — Na verdade, todo comportamento começa a se formar no cérebro. Independentemente das fontes que influenciam a forma como o cérebro funciona, a atividade cerebral é o ponto em comum no comportamento. Por exemplo, avaliamos se pessoas religiosas liberam oxitocina, e a resposta foi: só um pouco. Estatisticamente é muito pouco, mas o efeito colateral é tão pequeno que não dá para levar a sério. Analisamos pessoas com pais casados e separados, analisamos irmãos, perguntamos se os universitários bisbilhotam as coisas dos colegas de quarto, se trancam a porta quando estão sozinhos. Nada disso faz diferença, a não ser nas pessoas com disfunções psicológicas ou neurológicas. Para elas, comportamentos estranhos importam. As outras são reativas. Nós crescemos num ambiente saudável, recebemos carinho, nossa função cerebral é normal, então nós entendemos. Você é gentil comigo e eu sou com você. Nas experiências, vamos pedir sua opinião. Colocamos um maço de notas sobre a mesa e você pega. “Alguém fez um sacrifício para lhe mandar esse dinheiro. O que você faz?” No nosso dia a dia, isto é o normal: alguém foi legal comigo, farei o mesmo para ele. E descobrimos que o cérebro é um órgão preguiçoso, pois precisa de muita energia para funcionar. Estamos acostumados a fazer o que sempre fazemos. No quesito confiança, os países mais confiantes são os escandinavos: Noruega, Suécia e Dinamarca. Lá, vimos altíssimos níveis de colaboração interpessoal, de confiança. Se fazemos a mesma experiência numa sociedade pequena, habitada por caçadores solitários, os vínculos sociais são fracos. Eles têm famílias e moram num vilarejo, mas são principalmente solitários e, se você lhes der recursos, eles vão guardá-los. Eles foram treinados para isso. Em algum nível, temos o luxo de liberar oxitocina para nos conectarmos aos outros. A oxitocina também é chamada de molécula do amor, então nós realmente nos importamos com os outros. Isso pressupõe que eu me sinta seguro no ambiente, à vontade, que você não me amedronte. Tentamos modular nosso comportamento de uma forma muito sutil e cuidadosa, e o interessante é que é tudo inconsciente. Posso lhe perguntar: “Por que interagiu com o cara 1 e não com o cara 2?” Você vai me responder. Mas, se eu medir a sua oxitocina, provavelmente descobrirei que a pessoa com a qual interagiu lhe causou uma liberação maior de oxitocina. A maior parte da atividade cerebral é inconsciente, porque a consciência é um programa muito caro. Então nós automatizamos muitas tarefas cerebrais. Fazemos o que sempre fazemos e o que parece certo. Se houver uma grande mudança de sinal, é claro que vai notar, mas, fora isso, é ótimo que essas substâncias cerebrais nos guiem sem que tenhamos que analisar isso.
Revista Consultor Jurídico
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