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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A gente faz o que quer, com culpa e tudo.

Por Mônica El Bayeh

Visita de Domingo no blog da Ruth

Não dá para se esconder (Foto: Pepe Zapata)
A gente faz o que quer. Faz com culpa e tudo, mas faz.
Vou lançar um álbum de figurinhas. O tema é a culpa. Vai ter várias páginas para pais, amores, filhos, regimes e gordices, segredos e por aí vai. Se for descrever todas as páginas, perde o efeito surpresa e gasta o texto todo. 
Não gastaremos dinheiro. Há pessoas que têm culpa de gastar dinheiro e não iam querer participar. O que seria uma pena. Como todos temos um saco cheio de culpas, tiramos dele nossas figurinhas. Não ouso dizer que sai de graça, porque culpa sempre sai muito caro. Mas perceber que não sou a única a ter o álbum quase completo, já é bem terapêutico.
Funcionará assim:
- Você tem culpa de  brigar com a mãe?
- Tenho muitas repetidas dessa.
- Quer trocar por culpa de fingir que não escuta?
- Essa já tenho a página quase toda. A sua é de não escutar pai, mãe, filho ou marido?
- Ih, de não escutar marido eu nem tenho culpa!
- E culpa de dizer que já está chegando e nem ter saído do banho, você tem?
- Não, preciso dessa! Troca comigo?

Fomos moldados em culpa. Temos culpa até de pensar. A culpa nos trava. Serve de algema. Uma algema social cuja chave jogaram fora. Nos amarram os pés, braços e outros lugares mais delicados. Imaginam que, dessa forma, vão conter os perigos soltos dentro de cada um. Cinismo. A gente faz o que quer. Faz com culpa e tudo, mas faz.
Culpas também variam social e sexualmente. ¨Prendam suas cabras porque meu bode está solto¨. Já ouviu essa máxima? Com que orgulho pais anunciam que seu filho, viril e comedor, está nas paradas. Filho é bode solto. As filhas? Pererecas presas! Nada de pular livremente de brejo em brejo. Tem raciocínio mais torto e injusto que esse? Na nossa sociedade sempre os homens são sexualmente beneficiados. Para eles não há culpa. Vejam:
- Meninos se divertem com seu corpo? É natural. Meninas não podem porque é feio. Culpa!
- Se comem todo mundo, são garanhões pegadores. Mulheres são galinhas, piranhas, vadias ou cachorras. Culpa!
- Se traem é do instinto. Coisa de homem. Homem é assim mesmo. Mulher que trai é tudo o que já foi descrito acima. Culpa!
- Homem mais velho pega novinha? É sortudo. Mulher mais velha pega novinho? É uma velha sem-vergonha. Será que não se enxerga? Culpa.

Culpas doem. Temos culpa de não amar tanto quanto deveríamos. Culpa por não estar tão perto quanto deveria. Culpa por não querer ficar mais perto do que já está. Culpa de desejar, de pensar, de sentir. Ainda temos culpa por ter culpa. Ah, chega! Culpas deveriam ser politicamente incorretas.
Os quereres não são logicamente determinados. São desobedientes, teimosos e insinuantes. Culpa por querer? Por não querer? Gostamos e não gostamos. Difícil gostar o tempo todo mesmo. Alguém tinha que contar isso para as pessoas. Tem dias que é bom estar perto. Noutros, gostaria de ter um armário para trancar as pessoas até que algum dos lados voltasse ao normal. Eu ou elas, dependendo do caso.
Todo corpo tem histórias para contar. Lutas, dores, amores, culpas. Tudo lá gravado. Elas ficam escritas na carne e na alma . A moça que, de tão tensa, parece que não tem o pescoço. Ombro grudado na cabeça. O rapaz cujos ombros se curvaram para a frente, tamanha a tensão. As culpas nos entalham couraças. Temos a esperança de que a couraça vá nos proteger quando nos sentimos em carne viva.
Couraças dão certo em vários animais. Mas conosco não. Porque são dor cristalizada e exibem o que era para ter sido absorvido, absolvido, digerido, esquecido, mas não foi. Raivas, culpas, ressentimentos. Afeto não elaborado se tatua no corpo. Se instala e deforma: engorda, entorta, enfeia, adoece a pessoa. Ao invés de nos proteger, as couraças nos expõem. E exibem, sem dó, todas as culpas que temos.
Basta de culpa. Proponho uma greve. Colemos cartazes nas almas. Tampemos os ouvidos. Basta de censura. Nossas reivindicações mais genuínas:
- Por uma vida mais leve.
- Por pensamentos livres voando soltos dentro de nós. Porque pensar não pode doer.
- Pelo direito de ser normal numa anormal normalidade.
- Pela tentativa de ser, sim, sempre e muito feliz! Só assim a vida vale a pena!


perfil Mônica El Bayeh - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)



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