JOEL RENNÓ
03 Março 2015
A luta feminina, pela verdadeira felicidade, ainda está longe do seu final. Vários fatores corroboram o meu ponto de vista. A mulher acaba tendo múltiplos papéis sobrecarregados e cobranças sociais e familiares, com conflitos consequentes envolvendo a educação dos filhos e a colaboração ativa como profissional. Seu trabalho ainda é desqualificado, apesar das evoluções recentes. Ganham, no máximo, 70% do salário dos homens. Há pressões que são sofridas apenas pelas mulheres.
Vivemos em uma sociedade compressora e massacrante, altamente geradora de estresse, através de padrões pré-estabelecidos que tentam impedir uma reflexão individualizada. Modelos prontos de felicidade são vendidos por alguns autores de livros de autoajuda. A mídia cria, em certas situações, estereótipos incongruentes e reducionistas do espectro comportamental feminino.
Muitos medos e mitos existem. Há os temores do envelhecimento, da perda da libido e da beleza, do risco de envolvimento dos filhos com drogas e violência, do fim dos casamentos felizes, da falta de sentimento e respeito por parte dos companheiros e das amizades frívolas. Aspectos fisiológicos, como a dança dos hormônios e seus papéis no organismo feminino, ainda são pouco compreendidos pelas mulheres e seus companheiros.
Diferenças existem do ponto de vista físico entre os corpos de mulheres e homens no que se refere – entre outros aspectos – à formação do cérebro, características do sangue (número de glóbulos vermelhos) e aparência (altura, peso, músculos, distribuição de gordura, etc.). As diferenças, algumas delas demonstráveis por exames avançados de neuroimagem e testes neuropsicológicos, cumprem função essencial em relação ao progresso que se realiza em uma determinada existência.
Nesse momento, os discursos médicos aprofundam os estudos sobre a mulher e a sua natureza feminina. Partindo daí, os textos médicos mudam seus discursos e constroem um novo tipo de saber sobre a mulher. Muito cuidado e bom senso deve nortear todos os pesquisadores envolvidos. Comparando-a com o homem, utilizando-se até de estudos antropológicos, a medicina pode, paradoxalmente, reafirmar a ideia de inferioridade feminina, dando-lhe agora novas cores, já que transforma a diferença entre os sexos em sinal de anomalia da mulher.
É essa ideia de uma constituição feminina de base degenerada que deve influenciar todo o projeto médico de intervenção junto à mulher, portanto, uma reflexão aprofundada, por parte de todo o corpo social, deve existir para que tal visão promova os aspectos vantajosos para a estratégia médica, no sentido de serem criados atendimentos cada vez mais especializados que ao mesmo tempo ajudem a fixá-la em um determinado papel que respeita a visão histórica, humana e ética da mulher na sociedade atual.
Nos estudos gênero-específicos atuais, observamos a importância da interdisciplinariedade, ou seja, várias especialidades médicas atuando, conjunta e harmonicamente, para a saúde da mulher. Aqui, ressalto a importância da integração entre especialidades médicas como endocrinologia, nutrologia, cardiologia, psiquiatra e ginecologia entre outras.
Pacientes obesas, diabéticas, hipertensas, com hipotireoidismo e doenças ginecológicas como a síndrome dos ovários policísticos (ovários não ovulam, formam pequenos cistos que produzem hormônios masculinos) e a endometriose (implantação do tecido endometrial -membrana interna que reveste o útero-, em outros órgãos tais como ovários, trompas, bexiga e intestino) apresentam sintomas psíquicos, como ansiedade e depressão, com bastante freqüência, além dos vários sintomas e sinais físicos significativos.
Outra relação interessante é entre os aspectos comportamentais, nutricionais e a menstruação. Várias das pacientes que são atendidas com quadro de desnutrição devido à anorexia nervosa têm amenorréia, ou seja, param de menstruar. Isso pode ser decorrente de duas possibilidades: 1) a falta de gordura e proteínas das dietas levando à diminuição de fabricação dos hormônios femininos como estrógeno e progesterona; 2) o emocional pode atuar sobre o hipotálamo, o centro regulador da secreção de tais hormônios, inibindo a síntese dos mesmos.
Algumas destas pacientes me questionam se tais sintomas psíquicos seriam decorrentes de suas doenças clínicas. Respondo a elas que o caminho inverso também é possível, ou seja, o emocional, sem dúvida, pode levar a quadros orgânicos, ou, pelo menos, desencadeá-los em pessoas predispostas geneticamente. Aspectos psicossomáticos são cada vez mais destacados em congressos científicos internacionais de diversas especialidades médicas.
A relação entre o emocional e a secreção dos hormônios femininos é interessante. O estresse crônico é responsável pela secreção de dois hormônios importantes: o cortisol e a noradrenalina. Ambos podem provocar alterações metabólicas significativas. Na presença de tais hormônios pode haver, por exemplo, o bloqueio da secreção de insulina. Portanto, haveria, consequentemente, um aumento da quantidade de glicose (açúcar) no sangue, predispondo ao diabetes mellitus e ao acúmulo de gordura devido à conversão do açúcar em gordura.
É nítido que as mulheres sofrem mais com os hormônios quando comparadas aos homens. Porém, é bom deixar claro que algumas mulheres são mais susceptíveis às oscilações hormonais fisiológicas do que outras. Nem sempre precisa haver uma detecção de um nível hormonal alterado para se ter alterações emocionais e comportamentais decorrentes. Basta uma vulnerabilidade maior às variações normais de tais hormônios, incluindo períodos como o pré-menstrual, pós-parto e perimenopausa (termo médico usado para denominar a fase de transição que marca o fim da vida reprodutiva feminina e que é caracterizada por mudanças endócrinas, biológicas e clínicas, relacionadas com alterações hormonais e pela aproximação da última menstruação).
Recente pesquisa realizada pela Universidade de Harvard, nos EUA, demonstrou que mulheres deprimidas apresentam mais sintomas físicos na perimenopausa e até uma menopausa precoce, com sintomatologia exuberante. Outro dado interessante é que há uma correlação entre os quadros depressivos pré-menstruais, do pós-parto e perimenopausa.
A melhor forma de abordagem de tais quadros clínicos é o trabalho multiprofissional. Embora tenha havido recentes progressos, infelizmente, ainda há resistências de alguns colegas médicos para encaminhar tais pacientes para uma avaliação psiquiátrica, principalmente, nas clínicas e consultórios particulares. No meio acadêmico, tal prática essencial tem sido cada vez mais comum e construtiva para todos, médicos e pacientes. Não podemos também ignorar os preconceitos e estigmas ainda existentes envolvendo os transtornos mentais e as pessoas que sofrem deles.
No âmbito familiar, filhos e marido devem estar envolvidos em quaisquer tratamentos. A evolução que engloba os vários aspectos da saúde da mulher deve compreender também um processo de amadurecimento psicológico dos homens e familiares envolvidos. A compreensão e apoio plenos vão bem além da questão do conhecimento e informações objetivas.
O envelhecer saudável deve ser encarado como uma dádiva – principalmente, quando o preparo para tal fase se inicia precocemente e sem estereótipos. Aspectos físicos mudam, independentes dos inúmeros e dispendiosos tratamentos estéticos e atividades físicas regulares. Daí, a necessidade de nos prepararmos para as adaptações e transformações interiores que o tempo exige, mudando o nosso estilo de vida, pensamento e comportamento. Podemos, sem dúvida, flexibilizar o nosso “eu” para que alguns conflitos psíquicos sejam elaborados no decorrer da nossa história de vida.
Um mundo interno reestruturado e fortalecido substitui, com vantagem, eventuais declínios fisiológicos normais. Cuidem de todos os aspectos da saúde, mas não se enquadrem em neuroses da modernidade-como a eterna juventude inalcançável e protótipos de felicidade artificial-, construídos em pilares humanos frágeis e voláteis que só geram angústias e perdas irreversíveis.
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