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sábado, 14 de março de 2015

Esquecimento de filhos em veículos


Quando crianças, ouvíamos dos nossos pais a frase: “esquecimento é pouco caso.” Era uma reprimenda, cobrança, porque naquele tempo não se admitia a ideia de alguém esquecer-se de uma ordem, tarefa ou simples solicitação. Não tinha isso de “esqueci, desculpe!”. “Não tem perdão”, diziam. Havia também uma advertência: “Que isso nunca mais aconteça!” Para nós, o tema do esquecimento era uma questão de dignidade: falta de respeito à dignidade alheia.

O que mais tínhamos era tempo. Ninguém podia queixar-se. Os dias eram longos, pois se acordava muito cedo. As noites demoravam a passar porque deitávamos cedo. Tudo se mostrava muito organizado. Daí a veracidade do argumento: só era possível esquecer-se de fazer aquilo a que não dávamos importância. Ora, uma ordem, por si só, não podia ser esquecida. Afinal, a obediência constituía uma virtude que devia ser perseguida ao lado da verdade, da lealdade e da honra. Um fio de bigode era escritura pública e “palavra de rei não voltava atrás”.

Hoje, os tempos são outros. Os dias são muito curtos, as ações se precipitam velozmente e não há muitas horas para uma programação sem que se deixe uma brecha para os imprevistos. O medo, nascido de muitas fontes, como de perder o emprego, de ser assaltado, de não ser aprovado no concurso, de não reconhecer o cavalo arriado que passa à nossa disposição uma única vez na vida, de não ser aceito, de não ser feliz, transforma o indivíduo em um sujeito inseguro, agitado e, com frequência, distraído. Os dias estão de tal forma cheios de atividades que sempre o terminamos sem cumprir todas as tarefas. E reclamamos: “parece que os dias estão mais curtos”, “mas já é segunda-feira outra vez?!”, “esse Horário de Verão me atrapalha a vida!”

O homem inventou tantas coisas que estamos nos esquecendo das chaves, dos compromissos, dos óculos, do celular, da sombrinha, do guarda-chuva, do dia do aniversário do marido ou da esposa... e, infelizmente, até de crianças. É, chegamos ao cúmulo de esquecer nossas crianças dentro de veículos fechados como se fossem coisas, para ir trabalhar, arrumar o cabelo, fazer as unhas, tentar a sorte nos caça-níqueis, fazer compras no black friday e outros afazeres. Resultado: as crianças, esquecidas nos automóveis e expostas ao calor por horas, vêm a sofrer graves danos físicos e até falecer.

Até 1990 o fato era raro. Hoje, está se tornando comum no mundo inteiro.

Nos Estados Unidos, onde o fato é denominado heat stroke, têm ocorrido 40 casos por ano, geralmente em estacionamentos de cassinos e shoppings (mais de 500 mortes desde 1998, segundo a ONG Kids and Cars).

Lá, advertindo motoristas, um vídeo mostra os efeitos que a hipertermia causa a um bebê trancado dentro de um veículo, contando a encenação com atores e efeitos especiais (as imagens não são reais).

No Japão, onde o Pachinko, uma máquina de jogo de azar, é muito conhecido, o Governo tem grande preocupação com as mortes de crianças esquecidas em veículos. Como elas não podem entrar com os pais nos locais dos caça-níqueis, os viciados as deixam nos veículos por longas horas, vindo a ocorrer tragédias. Por isso, no Japão o Pachinko é chamado “máquina do inferno”.

No Brasil não há pesquisas e cifras, mas me recordo que em dezembro de 2014, nas mesmas circunstâncias, morreram três crianças em uma única semana (São Paulo, Belo Horizonte e São Bernardo do Campo). São ainda citadas outras cidades onde ocorreram esses fatos: Iguatu, Aparecida de Goiânia, Porto Alegre, Santa Rosa, Volta Redonda, Lucas do Rio Verde, Americana, Ribeirão Preto (esquecimento sem morte), Guarulhos e Rio de Janeiro.

Há iniciativas no sentido de evitar o esquecimento de crianças em veículos, como o Projeto de Lei Anjo da Guarda.

O nosso Código Nacional de Trânsito, em seus arts. 64 e 65, determina que as crianças devem ser transportadas no banco traseiro dos veículos, e a Resolução n. 277, de 28.5.2008, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), a chamada Lei da Cadeirinha, em vigor desde setembro de 2010, ocupa-se de detalhes. Isso está relacionado com o esquecimento de crianças em veículos, pois argumentava-se que elas, no banco traseiro, eram menos visíveis ao motorista. Engenheiros americanos de trânsito, porém, afirmaram que em caso de acidentes, as crianças, no banco dianteiro, sofriam danos mais graves, ainda que em cadeirinhas, disposição adotada pelo CNT brasileiro.

O Ministério da Justiça brasileiro, em sua página oficial do Facebook, possui uma campanha sobre o esquecimento de crianças em veículos. Cartazes advertem o motorista:

“Transportar crianças exige atenção redobrada! A mudança de rotina, por exemplo, pode levar o adulto a esquecer o bebê dentro do carro por horas, o que pode ter consequências fatais. Verifique se as crianças deixaram o veículo quando chegar ao seu destino. Supervisione também os pequenos que estiverem dormindo.”

As mortes de crianças, nos casos apontados, configuram crimes de homicídio culposo (Código Penal, art. 121, § 3º), permitindo-se ao juiz deixar de aplicar a pena (CP, art. 120). Entende-se que os fatos atingem os próprios agentes de forma tão aflitiva que a pena se torna desnecessária (CP, art. 121, § 5º). É o denominado “perdão judicial”.

Não há punição, pois nenhuma pena é maior que a morte de um filho causada pelos próprios pais.

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