A estratégia de usar machismo para vender produtos gera cada vez mais insatisfação, repulsa e chacota nas redes sociais – Por Aline Valek, no Escritório Feminista.
por Aline Valek — publicado 24/03/2015
por Aline Valek — publicado 24/03/2015
Onde quer que as propagandas machistas estivessem guardadas, elas parecem ter saído do esconderijo todas de uma vez desde que entramos em 2015.
Veja bem, estamos apenas em março e já tivemos: Skol dizendo “esqueci o ‘não’ em casa”, como se tudo bem ignorar o consentimento e praticar estupro só porque é Carnaval; tivemos um péssimo trocadilho de vazamento de imagens íntimas (um crime) com vazamento menstrual, além de uma marca de absorventes colocando toda a responsabilidade na vítima pelo vazamento de imagens íntimas; tivemos até o Ministério da Justiça dizendo em anúncio nas redes sociais que tudo bem se a mulher é vítima de vazamento de fotos na internet, o problema mesmo é ela beber.
Ah, não esqueçamos do festival de horrores do Dia da Mulher. Que tal aproveitar essa data de luta e protesto para vender máquina de lavar com o título “tenha mais tempo livre”, já que ainda estamos no século XVIII, onde é inevitável associar o gênero feminino com trabalhos domésticos?
Teve até marca de sopa instantânea chamando mulher de burra – como se fosse de alguma forma inteligente uma empresaofender as pessoas que por acaso podem comprar o seu produto.
Também não poderia faltar propaganda objetificando mulher pra vender cerveja ruim, que é o caso de Itaipava e sua campanha pavorosa com uma gostosa chamada Verão. Uau, que inovador. Realmente, acho que ninguém nunca tinha pensado antes nessa sacada de associar cerveja com mulher, colocando-a em situações lamentáveis como ir buscar bebida pra um monte de homem enquanto eles se comportam como totais imbecis babando pelo seu decote ou suas pernas. Parece anos 90 de novo.
A última marca a nos brindar com uma ofensa à nossa inteligência foi a Risqué e uma linha de produtos completamente equivocada. Ela resolveu dar aos seus esmaltes nomes de “homens que amamos”, porque veja só, se um homem faz uma vez o serviço que a mulher faz sempre, no caso o jantar, ele é visto como um herói que merece ser eternizado no vidro de esmalte que a moça usa.
Uma das mancadas dessa campanha é supor que todas as mulheres que compram esmaltes são heterossexuais. Esqueceram que lésbicas existem. Aliás, tenho minhas dúvidas se a Risqué se lembra da existência de qualquer mulher mais importante do que um carinha que “manda flores”.
Ah, mas sabe quem lembrou que mulheres importantes existem? A concorrente Granado, que criou uma linha de esmaltes com nomes de escritoras. Toma essa, Risqué. Afinal, não faz muito sentido pegar um produto destinado às mulheres para homenagear homens.
Mas no fantástico mundo das marcas e da propaganda isso deve fazer algum sentido. Estamos falando de empresas que ofendem e tratam como idiotas metade da população – um universo grande de pessoas que poderiam comprar seus produtos. Tem lógica mais tonta que essa?
Só não faz menos sentido do que o fato de várias empresas, de mercados completamente diferentes, estarem investindo um bocado de dinheiro em comunicação para promover a mesma coisa. Porque os exemplos que citei no início do texto não são propagandas para vender cerveja, sopa instantânea ou esmalte. São propagandas para vender machismo.
Talvez porque os produtos anunciados sejam tão ruins e/ou o repertório criativo dos publicitários envolvidos seja tão fraco que precisem recorrer a um sistema já consolidado, que possui seu próprio repertório de clichês, estereótipos e piadas ofensivas, para tentar causar alguma reação nas pessoas baseando-se no fato de que o machismo é a mentalidade padrão da sociedade.
É desespero que leva uma marca a anunciar usando esse recurso. É desespero, falta de conhecimento do público, uma vergonhosa falta de contato com a realidade e todo mundo está vendo. Para que tá feio.
Porque cada vez menos essa estratégia gera identificação com a marca e cada vez mais gera insatisfação, repulsa e chacota nas redes sociais.
Nós mulheres não somos idiotas. Somos capazes de entender quando um anúncio nos coloca em um papel de inferioridade que deveria ter ficado nos anos 50, junto com toda a publicidade machista.
Então não adianta criarem mais e mais anúncios para venderem essa porcaria. Podem mudar a embalagem, podem disfarçar o nome, podem contar a história que quiserem; esse machismo que vocês estão vendendo – tentando empurrar garganta abaixo, na verdade – já saiu de moda há algum tempo.
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