27 fev 2015
A violência sexual contra crianças e adolescentes apresenta causas múltiplas e complexas. Ela está relacionada com questões sociais, econômicas e culturais e deve ser analisada com cuidado e critério levando em conta as diferentes variáveis para o abuso e a exploração sexual. Além das causas diversas, existem também contextos em que o problema se insere que podem agravá-lo ou dificultar o seu enfrentamento.
Um problema, várias causas
A violência sexual assusta e está coberta por um manto de tabu e silêncio. Ao mesmo tempo em que é difícil falar do assunto, não se pode atribuir uma causa especifica. É comum escutar que a causa é a pobreza, que isso “acontece no Nordeste” ou que é “culpa do pedófilo”. Identificar as diversas origens deste problema é fundamental para poder enfrentá-lo.
Os fatores indutores da violência sexual precisam ser combinados com grupos sociais e culturais, momentos históricos e características econômicas. Isolado, um fator como a pobreza não deve ser considerado indutor da violência.
Segundo a socióloga Graça Gadelha, consultora da Childhood Brasil e especialista na área da infância, pesquisas apontam que fatores econômicos são aspectos propiciadores e facilitadores da violência sexual, mas não são determinantes. “O abuso sexual no Brasil não tem uma classe social”, afirma.
Já a exploração sexual pressupõe uma relação de mercantilização em que o sexo é fruto de uma troca, seja ela financeira, de favores ou presentes – podendo até ser um prato de comida. Muitas vezes o agressor acredita estar ajudando a criança e o adolescente. “Infelizmente ainda permanecem diversas fragilidades relacionadas à sobrevivência, que nos dão mais elementos para dizer que a exploração sexual tende a acontecer com mais frequência com os menos favorecidos economicamente”, diz Graça.
Também temos que considerar o fato de famílias menos favorecidas terem menor condição de acompanhar e orientar seus filhos por trabalharem fora e não terem uma rede de apoio. Por outro lado, a insuficiência ou falta de políticas públicas na várias esferas não apoiam e nem garantem um atendimento integrado, contínuo e de qualidade a essas famílias.
Contextos em que a causa se insere
Quando falamos de políticas públicas, é importante observar a sua fragilidade e como isso impacta diretamente na persistência de alguns casos de violência sexual. Campanhas educativas e de mobilização como as que acontecem no dia 18 de Maio e do Disque 100, lideradas pela Secretaria de Direitos Humanos, cumprem seu papel na prevenção. Aperfeiçoar o Sistema de Garantia de Direitos é fundamental para o atendimento e atenção adequados não só para crianças e adolescentes, como para suas famílias e para os agressores.
Os agressores podem ser portadores de algum distúrbio que os leva a praticar a violência sexual. A ausência de políticas públicas orientadas para esse público também são fatores de risco que incidem em casos de violência.
A falta de informação também é um ponto crítico. Desde como abordar temas relativos à sexualidade até sobre os organismos que podemos contar e como e onde notificar. Esse último ponto contribui para a subnotificação dos casos que não nos permite ter um cenário real do problema no país. Outro fator que contribui para subnotificação é a dependência dos companheiros no orçamento familiar – o que pode explicar em muitos casos a falta de notificação quando o pai ou padrasto são os autores da agressão. Por outro lado, crianças e adolescentes das classes média e alta são geralmente atendidos por médicos, psicólogos ou psiquiatras particulares, fazendo com que a notificação não chegue ao Sistema de Garantia de Direitos, aumentando as subnotificações.
A dificuldade em se ter um cenário apurado influencia na existência de políticas públicas e projetos para este problema específico.
Fatores culturais
Os fatores culturais também têm um peso importante quando falamos de violência sexual contra crianças e adolescentes. E neste universo entra a questão de gênero, os rituais sobre iniciação sexual, tradições de grupos específicos, um forte apelo ao consumo, erotização infantil, entre outras coisas.
A mulher ainda é vista como objeto. E muitas propagandas, como as de cerveja, reforçam esse estigma. “É uma questão que está inserida na matriz cultural brasileira, na forma de ser do homem e da mulher no Brasil, e no exercício da masculinidade”, diz Graça.
Apesar de haver um maior número de casos de homens abusadores do que de mulheres, e da maioria das vítimas ser do sexo feminino, não é incomum acontecerem violações contra meninos praticadas tanto por homens quanto por mulheres. Esses casos, porém, são menos denunciados, pois causa constrangimento, e os dados da realidade acabam sendo mascarados. “O menino fica com vergonha de falar, pois ele é treinado para ser ‘macho’”, conclui Itamar. A ausência de políticas públicas ou projetos para atender meninos também dificulta a notificação e encaminhamento desses casos.
A violência é um substantivo plural, e tem diversas manifestações. Sua ocorrência está muitas vezes baseada em uma relação de poder em relação à vítima. Esse poder pode ser tanto econômico, geracional, de força física, de classe social, ou mesmo de gênero. Refletir sobre o papel de cada um e cada grupo na sociedade e como isso impacta na vulnerabilidade de crianças e adolescentes a violência é fundamental.
Enfrentar a violência sexual é olhar todos esses fatores e contextos com cuidado para não estigmatizar grupos, cenários ou causas.
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