O que acontece em nosso cérebro quando sentimos medo de que algo ruim aconteça
FACUNDO MANES Buenos Aires 14 NOV 2015
As situações extremas da vida nos mostram, como se fosse através de uma lente de aumento, o comportamento de nosso cérebro diante de cenários nos quais está em jogo nossa sobrevivência física e nossa integridade psicológica. O que acontece em nosso cérebro diante de um perigo no presente, uma lembrança negativa e o temor de que aconteça alguma coisa ruim no futuro?
Desde o momento em que somos expostos a uma situação extrema é ativado um sistema muito básico, rápido e firme modelado durante centenas de milhares de anos para enfrentar o que está acontecendo. Esse primeiro passo de defesa de nosso sistema biológico é a chamada "resposta de estresse". Quando o cérebro detecta uma ameaça, é ativada uma resposta fisiológica coordenada que envolve componentes autônomos, neuroendócrinos, metabólicos e do sistema imunológico. O organismo precisa de maior fluxo de oxigênio para seus músculos, especialmente os do sistema de locomoção (para fugir se for necessário). Assim, a respiração fica acelerada para fornecer mais oxigênio, e a frequência cardíaca para entregar rapidamente esse oxigênio através da corrente sanguínea aos músculos principais. Os vasos sanguíneos na pele se contraem para que o sangramento seja o menor possível no caso de uma ferida.
Para proporcionar o combustível suficiente para o esforço, nossas glândulas transformam os carboidratos armazenados nas células em açúcar circulante no sangue. Melhora também a resposta imune; os glóbulos brancos que combatem as infecções se aderem às paredes dos vasos sanguíneos, preparados para zarpar rapidamente a qualquer parte do corpo que possa se machucar.
O sistema cognitivo humano, por sua vez, oferece uma variante ainda mais sofisticada: a capacidade de prever e antecipar as ameaças do futuro, e até mesmo imaginar eventualidades que nunca ocorreram, e que provavelmente nunca acontecerão. Essa notável capacidade da nossa espécie é fruto da experiência acumulada e da capacidade de realizar hipóteses e inferir. O desenvolvimento do cérebro humano, e em particular de suas áreas pré-frontais, expandiu, entre outras, nossas capacidades para revisar o passado e examinar o futuro. Esse aumento da complexidade cognitiva da resposta de estresse levou o psicólogo norte-americano Richard Lazarus a postular a existência de "mecanismo de avaliação" envolvidos no processo de resposta frente ao perigo porque nem sempre é simples determinar quando estamos diante de uma situação que requer ações de proteção.
Quando o cérebro detecta uma ameaça, é ativada uma resposta fisiológica coordenada que envolve componentes autônomos, neuroendócrinos, metabólicos e do sistema imunológico
O primeiro passo desse processo é a "avaliação primária", isso é, o estabelecimento do valor de um estímulo como perigoso ou inofensivo. As pesquisas em neurociência permitiram estabelecer as funções de diferentes estruturas cerebrais na detecção e avaliação do perigo, em particular, a atividade crucial das "amídalas cerebelosas", que seriam responsáveis por detectar, gerar e manter emoções relacionadas com o medo e responderiam à importância dos estímulos emocionais. A "avaliação secundária", por sua parte, busca estabelecer a disponibilidade de recursos do organismo para enfrentar a ameaça.
No entanto, quando a ameaça é dissipada, entram em funcionamento outros mecanismos para voltar à situação inicial de repouso: a desativação da resposta de estresse. Se, pelo contrário, a resposta de estresse permanece continuamente acesa, ocorre o chamado "estresse crônico". Nessa circunstância, os componentes da resposta que seriam uma vantagem adaptativa e uma reação de defesa e autoproteção do organismo, deixam de sê-lo e voltam-se contra nós.
No nível cognitivo, a resposta aguda desse estresse favorece o aumento do nível de alerta e a formação de memórias, ainda que a longo prazo a produção elevada de cortisol provoca deterioração cognitiva. A resposta imune também é negativamente afetada frente ao estresse crônico deixando o organismo mais exposto aos diversos patógenos.
A respiração fica acelerada para fornecer mais oxigênio, e a frequência cardíaca para entregar rapidamente esse oxigênio através da corrente sanguínea aos músculos principais
Podemos especular que existem fatores ambientais, fatores individuais – biológicos e psicológicos – e também fatores socioculturais que podem fazer com que a resposta de estresse não ceda e se realimente continuamente ou, pior ainda, em forma de espiral. Entre os fatores externos socioculturais está o estilo de vida moderno e urbano. Por exemplo, hoje podemos acessar instantaneamente a informação sobre o que acontece em qualquer parte do mundo. Esse fato tecnológico que dá evidentes vantagens em certo terrenos, pode se tornar uma desvantagem em relação à propagação de temores e circulação de más notícias.
Por sua parte, no que se refere aos fatores biológicos e psicológicos, é preciso revisar a conexão existente entre o estresse e os transtornos de ansiedade, de um lado, e a depressão, do outro. Para entender a ansiedade, podemos compará-la com um radar, ou seja, um dispositivo que rastreia nosso ambiente em estado de alerta e nos avisa quando uma ameaça se aproxima. Mas a ansiedade é muito mais do que um radar: é também um diário de bordo onde registramos as experiências perigosas vividas, e um mapa que nos guia, como um GPS, a territórios seguros. Quando a ansiedade excede os níveis normais, entretanto, pode gerar "falsos alarmes" que ativam a resposta de estresse e provocam estados de preocupação intensos e sintomas físicos diversos.
Quando a ansiedade excede os níveis normais pode gerar "falsos alarmes" que ativam a resposta de estresse e provocam estados de preocupação intensos e sintomas físicos diversos
A depressão, por sua parte, pode ser entendida em certos casos como uma reação biológica e psicológica na qual nosso organismo se rende ante a adversidade, reduz suas tentativas de solução, por considerá-las inúteis, e se entrega ao desânimo. Na depressão, assim como na ansiedade, nosso pensamento se torna propenso aos "vieses cognitivos", isso é, selecionamos e priorizamos certos dados em detrimento de outros. No caso da depressão, a informação negativa, e no caso da ansiedade, a informação relacionada com o perigo. Depois, certos raciocínios distorcidos generalizam e amplificam o peso dessa informação e provocam uma espiral de realimentação das emoções negativas.
Por sorte, nosso cérebro conta com diversas ferramentas que podem nos proteger dessas complicações. A "resiliência" é o conjunto de fatores e mecanismos que nos permite superar por adaptação as situações de adversidade. Nesse sentido, dois mecanismos altamente eficientes para atenuar de forma progressiva a resposta de estresse são a "habituação" e a "extinção". O primeiro é a propriedade geral de nossas células nervosas que consiste na acomodação ao entorno e um princípio de economia, para evitar respostas ociosas. São inumeráveis os exemplos, desde o momento em que entramos em uma piscina fria e pouco a pouco vamos nos acostumando, até o momento em que nos expomos repetidamente a um estímulo que nos assusta e nos deixa tensos, ajudando para que a resposta inicial diminua até se tornar tolerável. Esse é o princípio dos tratamentos por exposição, altamente eficazes na ansiedade.
O processo de "extinção" ocorre quando ficamos expostos a um estímulo temido e comprovamos repetidamente que as consequências negativas que esperávamos não acontecem tal como esperávamos, e a resposta de estresse é atenuada. Outro dos processos de regulação das emoções, de natureza cognitiva, é a "reavaliação", que consiste em modificar o significado funcional atribuído à situação que provoca o estresse. É "mudar a maneira como sentimos a mudar a maneira como pensamos".
É essencial refletir também sobre o papel fundamental do outro (o próximo, o ser amado, a comunidade), frente ao desassossego. Quando acolhe, quando contém, quando acompanha
Algumas pessoas que experimentaram traumas súbitos, sofreram situações de abandono ou maltrato emocional contínuo no começo de suas vidas podem chegar a sofrer prolongadamente por tais experiências. Transtornos psiquiátricos como o transtorno de estresse pós-traumático estão relacionados com essas experiências e com a maneira como nossa memória abriga as recordações emocionais. O trabalho de neurocientistas como Joseph LeDoux é relevante para entender as afeições emocionais e seu tratamento porque explica a consolidação das memórias. No começo, quando experimentamos algo, a lembrança é instável até se estabilizar pela síntese de proteínas no cérebro. Uma vez armazenada a lembrança, a exposição a um estímulo que nos lembra aquele evento irá reativá-la e torná-la instável por um curto período de tempo, para tornar a guardá-la depois e fixá-la novamente em um processo chamado reconsolidação da memória.
No entanto, a cada vez que recuperamos a memória de um fato, ao se tornar novamente instável permite a incorporação de nova informação. Esse momento é uma janela para mudar as reações emocionais que acompanham uma lembrança. Um paciente que sofre um transtorno de estresse pós-traumático evoca com a ajuda de um terapeuta especialista e em um contexto seguro, as recordações da situação vivida, para atenuar progressivamente as reações emocionais intensas que acompanham a lembrança.
Por último, é fundamental refletir também sobre o papel fundamental do outro (o próximo, o ser amado, a comunidade) frente ao desassossego. Quando acolhe, quando contém, quando acompanha. Como no diálogo entre os dois em O Beijo da Mulher Aranha, a famosa obra do autor argentino Manuel Puig: "... e enquanto estiver ao meu alcance, pelo menos nesse dia, ... não deixarei que você pense em coisas tristes".
Facundo Manes é neurologista e neurocientista (PhD em Ciências, Cambridge University). É presidente da World Federation of Neurology Research Group on Aphasia, Dementia and Cognitive Disorders e Professor de Neurologia e Neurociências Cognitivas na Universidade Favaloro (Argentina), University of California, San Francisco, University of South Carolina (USA), Macquarie University (Australia). @manesf
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