Bullying... Depois da “selfie”, certamente uma das palavras da moda dos últimos anos... Diversas discussões foram travadas. Anúncios e campanhas foram feitos. Tudo em prol de um tema de preocupação tupiniquim recente, mas desde muito presente mais do que difundido no âmbito social. Afinal, quem nunca sofre(u), conhece(u) alguém que sofre(u), ou pratica(ou) este tipo de agressão física e/ou psíquica?
Arrisco aqui a dizer que a totalidade daqueles que se interessarem pela leitura deste pequeno texto se enquadram em ao menos uma das categorias supra listadas, bem como que aqueles que afirmarem categoricamente que a nenhuma pertencem, certamente em uma delas incidem mesmo sem saber, o que é curioso e não menos preocupante.
Agora sob a denominação de intimidação sistemática, o bullying em questão retornou uma vez mais aos holofotes da comunidade jurídica ante a recente promulgação da Lei 13.185/2015, a qual acabou por instituir um programa visando o seu combate.
Embora merecedora de duras críticas, especialmente no que tange à definição do que seria bullying e da bisonha necessidade de “ausência de motivação evidente” (dando a entender que, para o legislador, a ofensa não pode ser justificada, o que quer que isto signifique), bem como quanto à lastimável resistência quanto à punição do ofensor (como se cestas básicas, broncas e advertências fossem surtir algum tipo de efeito), este não é o nosso propósito, até mesmo porque já bem realizadas (e até mesmo aqui aproveitadas) pela doutora Ana Paula de Mesquita, em artigo publicado no Conjur em 13 de novembro deste ano.
O objetivo aqui, porém, é outro, visto que, a par de alguns retrocessos, a legislação acabou por inserir um dispositivo (art. 5º) de teor bastante peculiar e que merece aqui ser melhor abordado. Por ele, o Programa de Combate ao Bullying impõe às instituições de ensino, aos clubes e às agremiações recreativas o dever de “assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate á violência e à intimidação sistemática (bullying)”, o que é bastante interessante, visto que acaba por instituir a responsabilização solidária destes por omissão.
É bom deixar claro que o assunto em si não é novidade, pois, especialmente no que tange às instituições de ensino, já se mostravam solidariamente responsáveis por danos sofridos por seus alunos, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, afinal trata-se o bullying de uma falha na prestação dos serviços educacionais prestados, visto estar a ele inerente e, por consequência, dentro de seu risco operacional, afinal, decorre de violação direta ao dever da instituição em educar seu aluno.
Ainda que não o fosse, não se deve olvidar que o Código Civil, institui pelo artigo 933 a responsabilização objetiva do proprietário do estabelecimento de ensino pelos danos causados pelo educando, responsabilidade esta que também se dá em caráter objetivo.
A nova disposição legislativa, ao impor às instituições de ensino, aos clubes e às agremiações recreativas o dever de conscientização, prevenção e diagnose, corrobora ainda mais com o entendimento acima, ampliando-o, visto que, violado o dever preventivo e repressivo legalmente imposto, em quaisquer de suas modalidades, presente estará a responsabilidade para reparação do dano sofrido pela vítima agredida.
Ou seja, a responsabilidade civil não decorrerá puramente da agressão sofrida, mas também da insuficiência de conduta, ou ainda omissão por parte das referidas instituições, tornando, assim, ainda mais abrangente sua responsabilização.
Outro ponto que merece ser ressaltado está no fato da responsabilidade surgir não apenas em casos de bullying, mas também em casos em que a vítima sofra algum tipo de violência, seja ela física ou psíquica. Explica-se.
Nos termos da nova lei (e também de estudos anteriores que abordavam o tema), apenas se estará diante da intimidação sistemática (bullying) em caso de prática reiterada (legislação fala em prática repetitiva), estando, portanto, afastados os casos que, embora graves, se mostrem como fatos isolados e não reiterados.
Contudo, o artigo 5º, ao instituir os deveres já listados, afirma que tais visam coibir tanto a violência, como também a intimidação sistemática, significando dizer que os sujeitos lá indicados (escolas, clubes e agremiações recreativas) serão responsabilizados também por estes casos isolados, havendo omissão ou conduta insuficiente, lembrando-se que as condutas lesivas poderão também se dar no âmbito digital (cyberbullying), ou seja, em sites, blogs e FanPages vinculadas às instituições.
Agora cabe a pergunta: Andou bem a legislação ao agir neste sentido de majorar a responsabilização das entidades elencadas em seu artigo 5º?
Caso considerado que a escola é um importante meio de sociabilização do indivíduo e um importante estágio evolutivo e formador da pessoa humana, sim, a resposta tenderá a ser afirmativa. Todavia, se feito uso da instituição de ensino como algo para se terceirizar responsabilidades oriundas do núcleo familiar, aí se pode estar diante de um grande problema.
Com o avanço dos anos e o grande acúmulo dos compromissos diários, especialmente com atividades laborativas, pais e mães deixam de lado seu importante (e insubstituível) papel na formação de seus filhos, formação esta que se dá dentro do ambiente familiar, onde serão passados os valores humanos e sociais necessários ao convívio em sociedade. Como diz o ditado, ”educação vem de berço”, e ele continua em pleno vigor, embora encontre forte resistência por parte de algumas famílias.
O sujeito de comportamento agressivo, violento ou hostil assim não se tornou por uma falha no ambiente escolar, mas sim de uma falha em sua educação dentro de seu núcleo familiar, muitas vezes omissa ou simplesmente inexistente.
A escola possui um relevante papel na formação do indivíduo, isto é inegável. Lá a criança irá aprender a se sociabilizar, descobrir o que é uma opinião contrária, ter contato com uma realidade diferente da sua, experimentar culturas novas e, indiscutivelmente, aprenderá também valores que serão somados à complexa formação de seu caráter e de sua social figura humana.
Não é, todavia, a escola o lugar que será ensinado o respeito ao próximo, a educação ao trato para com as pessoas, ou ainda o dever de auxílio àquelas que mais necessitam. Perceba-se que a própria Lei, ao tratar dos deveres, refere-se apenas à conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying. Não trata, todavia, da educação e valores, propriamente ditos. Estes, é bom se ter em mente, continuam a vir de casa.
Isso não quer dizer, contudo, que a responsabilidade poderá ser afastada ou mitigada quando verificada a omissão familiar. Esta muito remotamente tenderá a ocorrer, visto que a sistemática legislativa em vigor, especialmente no âmbito das relações de consumo (que acaba sendo o caso, especialmente se consideradas as escolas), prima pela reparação da vítima para, após, verificar-se o verdadeiro causador do dano.
Logo, ainda que haja a imposição do dever de reparação de dano à vítima do bullying, legítima também será via regressiva, afinal as instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas, embora solidariamente responsáveis, não figuram como os diretos causadores dos danos suportados. Tal responsabilidade cabe aos pais, e ao menos esta eles não terão como terceirizar.
Fernando Henrique Rossi é advogado na F. Rossi, assessoria e consultoria.
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