23 de novembro de 2015
A violência contra a mulher no Grande ABC, seja verbal, psicológica ou física, levou à instauração de um inquérito policial a cada três horas e meia nas delegacias de atendimento especializado ao público feminino neste ano. De janeiro a setembro, foram abertos nas quatro DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) da região, 1.999 procedimentos do tipo, número 16,15% maior do que o observado no mesmo período de 2014.
As DDMs estão instaladas em Diadema, Mauá (que atende também Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), Santo André e São Bernardo (que recebe demanda de São Caetano).
São Bernardo registra o maior número de inquéritos instaurados: 817 nos nove primeiros meses de 2015. A cidade é seguida por Santo André, onde foram abertos 532 procedimentos e por Diadema, com 297.
”Embora as delegacias atendam também crianças e adolescentes vítimas de violência, a delegada Angela de Andrade Ferreira Ballarini afirma que os episódios envolvendo mulheres são praticamente a totalidade. Ela está à frente da DDM de São Bernardo há 25 anos e considera que o número de denúncias vem aumentando ao longo do tempo. “Antes, elas só chegavam à delegacia quando estavam muito machucadas, correndo risco de morte, mas agora elas já vêm em casos de injúria.”
Laura (nome fictício), 30 anos, moradora de Santo André, aguentou a violência do ex-marido por sete anos. Casada com um usuário de drogas, ela revela que sofria com as agressões psicológicas que, um dia, transformaram-se em físicas. “Certa vez, ele pediu dinheiro para comprar droga e, quando eu disse que não, me deu um tapa na cara e um chute na barriga.
Ela conta que suportou a situação por medo de enfrentar a vida sozinha com os filhos, hoje com 12 e 14 anos. Mas, no limite emocional, denunciou e, no ano passado, saiu de casa. Laura recebeu acompanhamento pelo programa andreense Vem Maria, de atendimento às vítimas de violência doméstica e hoje refez a vida.
A delegada Adrianne Mayer Bontempi, da DDM de Santo André, ressalta a importância de se educar o homem. “A mulher sabe dos seus direitos e busca proteção. O homem não teve mudança cultural de entender que não pode agredir a mulher.”
O psicólogo Flávio Urra salienta que o Brasil é um dos países mais machistas do mundo e que os homens crescem nessa cultura. “O tema deveria ser abordado nas escolas para que, desde cedo, meninos aprendam a respeitar as meninas, que, por sua vez, não podem aceitar a violência.”
Bruno (nome fictício), 29, de São Bernardo, também acredita que o aprendizado sobre o respeito à mulher deveria estar inserido desde a infância. Quem sabe assim ele não tivesse atropelado a ex-sogra durante momento de fúria. “Ela sempre se meteu no casamento. No ano passado, fui levar meu filho à casa da mãe, que não estava. Minha ex-sogra saiu para a rua e eu não parei o carro. Ela não se feriu gravemente.”
Depois do episódio, Bruno passou pelo programa E Agora, José? da Prefeitura de Santo André, participando de reuniões voltadas exclusivamente aos homens envolvidos com violência doméstica. “Lá, abordam a busca pela igualdade, e aos poucos, essa ideia entra na cabeça.”
Ações visam mudança de cultura
Na região, algumas iniciativas voltadas aos homens têm sido executadas com o objetivo de discutir assuntos relativos à violência contra a mulher.
Em Santo André, o projeto E Agora José? recebe homens encaminhados pelo Tribunal de Justiça para participação em 20 encontros que estimulam o trabalho de reflexão dos agressores por meio de dinâmicas de grupo. Atualmente, o grupo conta com 14 homens. “Nosso maior desafio é como tirar a violência contra a mulher do campo da naturalização. A gente luta para que isso seja tratado nas escolas, por isso, trabalhamos a questão como conteúdo em toda a rede municipal. A educação transforma”, destaca a secretária de Políticas para Mulheres, Silmara Conchão.
O Consórcio Intermunicipal Grande ABC promove, desde agosto, o Fórum de Gênero e Masculinidades do Grande ABC, para estimular o debate e o engajamento do público masculino em torno da defesa das políticas de gênero e direitos humanos. Participam representantes da sociedade civil, de sindicatos e gestores públicos, e as reuniões acontecem toda terceira segunda-feira do mês.
A ação é fruto de discussões na primeira turma do curso Gênero e Masculinidades, articulado pelo Grupo de Trabalho Gênero.
Somente em julho deste ano, 32 servidores públicos com atuação no Grande ABC foram capacitados para atuar como facilitadores e multiplicadores em grupos reflexivos formados por homens.
Mais da metade dos homicídios são cometidos no ambiente doméstico
O Mapa da Violência 2015, elaborado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) com base em dados de 2013 do Ministério da Saúde, revela que 55,3% dos homicídios de mulheres foram cometidos no ambiente doméstico e 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas no Brasil. O País tem taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo, diz a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Na avaliação do número e taxas médias de homicídio entre 2009 e 2013, Ribeirão Pires aparece no 579º lugar, com taxa de 5,2 homicídios por 10.000 mulheres. No período analisado, foram 15 mortes, uma média de três por ano.
Na sequência, aparece Diadema, na 988ª colocação, com taxa de 3,3 homicídios e total de 33 mortes. Mauá ocupa o 1.029º lugar, com taxa de 3,2 e 34 assassinatos e Rio Grande da Serra o 1.138º, com taxa de 2,7 e três mortes. Santo André ficou na 1.342º colocação, com taxa de 1,8 e 31 homicídios, seguida por São Bernardo em 1.412º, com taxa de 1,5 e 30 crimes e, por fim, São Caetano na 1.496ª posição, com taxa de 1 e quatro homicídios.
Autor do estudo, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz acredita que não há deficiência na legislação, mas sim insuficiência de políticas públicas para que a lei possa ser cumprida, como mais casas de acolhimento à mulher vítima de violência, delegacias e Varas de Violência Doméstica e Familiar. Ele pontua também a importância da abordagem do tema na área da Educação. “Uma legislação recente tirou o programa de gênero do segundo grau nas escolas, quando se sabe que a educação é a entidade que mais pode atuar para criar uma cultura da tolerância e respeito à diversidade”, diz ele, referindo-se ao Plano Nacional de Educação - Lei 13.005/14, onde deputados federais retiraram a questão de gênero e orientação sexual do texto, por considerá-la inadequada ao ambiente escolar.
A farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, 70 anos, que ficou paraplégica após um tiro de espingarda disparado pelo ex-marido, e que deu nome à Lei nº 11.340/2006, também crê no amparo educacional como forma de combater às tão frequentes estatísticas. “É necessário colocar esse entendimento de respeito à mulher nas escolas públicas e privadas, para que os professores consigam falar sobre os avanços da lei, porque ela foi criada e esclarecer que a violência que o homem comete contra a mulher é crime e quem o comete também será punido.”
A violência contra a mulher no Grande ABC, seja verbal, psicológica ou física, levou à instauração de um inquérito policial a cada três horas e meia nas delegacias de atendimento especializado ao público feminino neste ano. De janeiro a setembro, foram abertos nas quatro DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) da região, 1.999 procedimentos do tipo, número 16,15% maior do que o observado no mesmo período de 2014.
As DDMs estão instaladas em Diadema, Mauá (que atende também Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), Santo André e São Bernardo (que recebe demanda de São Caetano).
São Bernardo registra o maior número de inquéritos instaurados: 817 nos nove primeiros meses de 2015. A cidade é seguida por Santo André, onde foram abertos 532 procedimentos e por Diadema, com 297.
”Embora as delegacias atendam também crianças e adolescentes vítimas de violência, a delegada Angela de Andrade Ferreira Ballarini afirma que os episódios envolvendo mulheres são praticamente a totalidade. Ela está à frente da DDM de São Bernardo há 25 anos e considera que o número de denúncias vem aumentando ao longo do tempo. “Antes, elas só chegavam à delegacia quando estavam muito machucadas, correndo risco de morte, mas agora elas já vêm em casos de injúria.”
Laura (nome fictício), 30 anos, moradora de Santo André, aguentou a violência do ex-marido por sete anos. Casada com um usuário de drogas, ela revela que sofria com as agressões psicológicas que, um dia, transformaram-se em físicas. “Certa vez, ele pediu dinheiro para comprar droga e, quando eu disse que não, me deu um tapa na cara e um chute na barriga.
Ela conta que suportou a situação por medo de enfrentar a vida sozinha com os filhos, hoje com 12 e 14 anos. Mas, no limite emocional, denunciou e, no ano passado, saiu de casa. Laura recebeu acompanhamento pelo programa andreense Vem Maria, de atendimento às vítimas de violência doméstica e hoje refez a vida.
A delegada Adrianne Mayer Bontempi, da DDM de Santo André, ressalta a importância de se educar o homem. “A mulher sabe dos seus direitos e busca proteção. O homem não teve mudança cultural de entender que não pode agredir a mulher.”
O psicólogo Flávio Urra salienta que o Brasil é um dos países mais machistas do mundo e que os homens crescem nessa cultura. “O tema deveria ser abordado nas escolas para que, desde cedo, meninos aprendam a respeitar as meninas, que, por sua vez, não podem aceitar a violência.”
Bruno (nome fictício), 29, de São Bernardo, também acredita que o aprendizado sobre o respeito à mulher deveria estar inserido desde a infância. Quem sabe assim ele não tivesse atropelado a ex-sogra durante momento de fúria. “Ela sempre se meteu no casamento. No ano passado, fui levar meu filho à casa da mãe, que não estava. Minha ex-sogra saiu para a rua e eu não parei o carro. Ela não se feriu gravemente.”
Depois do episódio, Bruno passou pelo programa E Agora, José? da Prefeitura de Santo André, participando de reuniões voltadas exclusivamente aos homens envolvidos com violência doméstica. “Lá, abordam a busca pela igualdade, e aos poucos, essa ideia entra na cabeça.”
Ações visam mudança de cultura
Na região, algumas iniciativas voltadas aos homens têm sido executadas com o objetivo de discutir assuntos relativos à violência contra a mulher.
Em Santo André, o projeto E Agora José? recebe homens encaminhados pelo Tribunal de Justiça para participação em 20 encontros que estimulam o trabalho de reflexão dos agressores por meio de dinâmicas de grupo. Atualmente, o grupo conta com 14 homens. “Nosso maior desafio é como tirar a violência contra a mulher do campo da naturalização. A gente luta para que isso seja tratado nas escolas, por isso, trabalhamos a questão como conteúdo em toda a rede municipal. A educação transforma”, destaca a secretária de Políticas para Mulheres, Silmara Conchão.
O Consórcio Intermunicipal Grande ABC promove, desde agosto, o Fórum de Gênero e Masculinidades do Grande ABC, para estimular o debate e o engajamento do público masculino em torno da defesa das políticas de gênero e direitos humanos. Participam representantes da sociedade civil, de sindicatos e gestores públicos, e as reuniões acontecem toda terceira segunda-feira do mês.
A ação é fruto de discussões na primeira turma do curso Gênero e Masculinidades, articulado pelo Grupo de Trabalho Gênero.
Somente em julho deste ano, 32 servidores públicos com atuação no Grande ABC foram capacitados para atuar como facilitadores e multiplicadores em grupos reflexivos formados por homens.
Mais da metade dos homicídios são cometidos no ambiente doméstico
O Mapa da Violência 2015, elaborado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) com base em dados de 2013 do Ministério da Saúde, revela que 55,3% dos homicídios de mulheres foram cometidos no ambiente doméstico e 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas no Brasil. O País tem taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo, diz a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Na avaliação do número e taxas médias de homicídio entre 2009 e 2013, Ribeirão Pires aparece no 579º lugar, com taxa de 5,2 homicídios por 10.000 mulheres. No período analisado, foram 15 mortes, uma média de três por ano.
Na sequência, aparece Diadema, na 988ª colocação, com taxa de 3,3 homicídios e total de 33 mortes. Mauá ocupa o 1.029º lugar, com taxa de 3,2 e 34 assassinatos e Rio Grande da Serra o 1.138º, com taxa de 2,7 e três mortes. Santo André ficou na 1.342º colocação, com taxa de 1,8 e 31 homicídios, seguida por São Bernardo em 1.412º, com taxa de 1,5 e 30 crimes e, por fim, São Caetano na 1.496ª posição, com taxa de 1 e quatro homicídios.
Autor do estudo, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz acredita que não há deficiência na legislação, mas sim insuficiência de políticas públicas para que a lei possa ser cumprida, como mais casas de acolhimento à mulher vítima de violência, delegacias e Varas de Violência Doméstica e Familiar. Ele pontua também a importância da abordagem do tema na área da Educação. “Uma legislação recente tirou o programa de gênero do segundo grau nas escolas, quando se sabe que a educação é a entidade que mais pode atuar para criar uma cultura da tolerância e respeito à diversidade”, diz ele, referindo-se ao Plano Nacional de Educação - Lei 13.005/14, onde deputados federais retiraram a questão de gênero e orientação sexual do texto, por considerá-la inadequada ao ambiente escolar.
A farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, 70 anos, que ficou paraplégica após um tiro de espingarda disparado pelo ex-marido, e que deu nome à Lei nº 11.340/2006, também crê no amparo educacional como forma de combater às tão frequentes estatísticas. “É necessário colocar esse entendimento de respeito à mulher nas escolas públicas e privadas, para que os professores consigam falar sobre os avanços da lei, porque ela foi criada e esclarecer que a violência que o homem comete contra a mulher é crime e quem o comete também será punido.”
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