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sábado, 11 de fevereiro de 2017

“A juventude está engajada em pensar em outras relações sociais: nem mercantis, nem cidadãs”

“Temos muito o que aprender com essas mobilizações de juventude, assim como de suas organizações que diluem fronteiras de gênero, de territórios. Enfim, está em jogo uma grande construção do público: como brecha, como grito, como espaço intermediário entre o Estado e o mercado. Nem cidadão, nem consumidor mercantil: interessa o público”.
É assim que o pesquisador argentino Pablo Vommaro define uma das muitas potencialidades das juventudes – e de seus movimentos – hoje, na América Latina. Pensando sobre as políticas públicas voltadas para ela – que qualifica como muito adultocêntricas e desterritorializadas – e também a respeito de seu papel nas transformações políticas da região, o doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires analisa os diferentes papeis desempenhados por nossos jovens.
Vommaro, que participará do XIV Congresso Internacional de Cidades Educadoras, da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), como debatedor na mesa “Juventudes Interpeladas: de seus problemas à ampliação de direitos”, propõe que essa energia dos jovens – e sua centralidade na agenda comum – pode ser um importante mecanismo a ser articulado, e não suprimido, pelas políticas públicas.
“A única forma de pensar em políticas públicas hoje passa por pensar de maneira situada, trabalhar fortalecendo as capacidades locais e criando novos espaços e instâncias que potencializem as riquezas daquele lugar. Ou seja, trata-se de articular o que existe, e não suplantá-lo. E isso se faz aproveitando as capacidades das organizações que estão nos territórios, sem eliminar a possibilidade de pensar em políticas amplas e universais, mas elas não podem nunca ser homogêneas. Precisamos de universais singularizados”.
Por telefone, o pesquisador conversou com o Portal Aprendiz para a série de entrevistas que antecedem a realização do Congresso, que começa nesta quarta-feira (1º/6) e terá cobertura do Portal Aprendiz.
Portal Aprendiz: Você defende que a juventude tem hoje uma grande centralidade na vida política e pública contemporânea. O que isso quer dizer?
Pablo Vommaro: Isso quer dizer que, entendendo as diferentes conformações, reformas e práticas políticas da juventude se pode entender a conjuntura política mais geral. São eles que lideram as agendas políticas da América Latina, não apenas gerando espaços de participação, mas também com ação política, ocupando as ruas, sendo criativos e fazendo o cruzamento entre arte, cultura e política, o que potencializa suas vozes e ação de contestação.
Aprendiz: Apesar de denotar essa centralidade você critica a falta de participação política da juventude na formulação de políticas direcionadas a ela – inclusive denotando-as como “adultocêntricas”. Neste sentido, porque é importante trazer a juventude para pensar politicamente sobre si?
Pablo: Eu acredito que parte da expansão do lugar social da juventude – nos últimos anos – redundou no aumento de sua capacidade de pensar sobre as políticas públicas e sobre si mesma. É algo que parece natural, mas esses lugares sociais e políticos são ainda muito novos.
Por isso mesmo, muitas das políticas formuladas ainda têm um viés adultocêntrico, ou seja, boa parte das políticas públicas para a juventude ainda são pensadas por adultos – o mesmo, por exemplo, não passaria com políticas de gênero, com as políticas para mulheres. As juventudes, então, não podem figurar apenas como objetos ou avaliadores. Precisamos garantir que eles estejam envolvidos na formulação, implementação e avaliação. Se lhes damos mais protagonismo, teremos políticas públicas mais eficazes e que alcancem seus objetos propostos.
Aprendiz: O mesmo pode ser dito das crianças?
Pablo: Sem dúvida. No entanto, há uma diferença: os jovens tem espaços de organização, coletivos culturais no bairros, centros estudantis nas escolas, grêmios, ou seja, toda uma gama de espaços de participação política que têm que ser traduzidos em políticas públicas. Com as infâncias me parece diferente, porque a participação é mais reduzida, mas se você olhar com cuidado os atuais paradigmas dos direitos da infância, que propõe que as crianças tem direitos e capacidades próprias, é possível encontrar iniciativas que promovam a participação, buscando a singularidade que os permita agir sem ser “falado por adultos”, ou seja, que tudo que são e dizem seja interpretado, traduzido e dito por um olhar adultocêntrico.
Para isso, é necessário apostar na escuta atenta, em seus espaços, com suas palavras resguardadas e não tuteladas por nós. Não tenho uma receita pronta, não é minha área de estudos, mas apostaria em esforços de liberdade, com o menos de tutela e subordinação possível.
Aprendiz: Você fala que o público foi ampliado e que neste processo a política pública, para ser eficiente, tem que ser executada partindo dos territórios e em conjunto com as organizações sociais. Você poderia desenvolver isso?
Pablo: Qualquer política pública que não se aplique desde o território irá ser ineficaz, não alcançará seus resultados, duplicará receitas de outros lugares e interpelará sujeitos inexistentes, que só habitam os escritórios dos funcionários públicos, repartições e assembleias legislativas, distantes da vida de um lugar – com todos seus problemas e limitações.
Por isso, eu considero que a única forma de pensar em políticas públicas hoje passa por pensar de maneira situada, trabalhar fortalecendo as capacidades locais e criando novos espaços e instâncias que potencializem as riquezas daquele lugar. Ou seja, trata-se de articular o que existe, e não suplantá-lo. E isso se faz aproveitando as capacidades das organizações que estão nos territórios, sem eliminar a possibilidade de pensar em políticas amplas e universais, mas elas não podem nunca ser homogêneas. Precisamos de universais singularizados.
“Qualquer política pública que não se aplique desde o território irá ser ineficaz, não alcançará seus resultados, duplicará receitas de outros lugares e interpelará sujeitos inexistentes, que só habitam os escritórios dos funcionários públicos”
Aprendiz: Saberia citar exemplos disso?
Pablo: O Plan de Finalización de Estudios Primarios y Secundarios (FinEs), na Argentina, consegue fazer isso. Ele é voltado para garantir a conclusão dos estudos para os jovens evadidos do sistema educativo. Só que ao invés de tentar confiná-los novamente na escola que os expulsou, tenta levar a escola até a vida, até a esquina, aos clubes e quadras de futebol – que é onde eles estão. E é muito inteligente uma política que não obriga os jovens a voltarem a um ambiente escolar que lhes é hostil, descentrando a experiência educativa do âmbito escolar enclausurado e levando-a para os territórios.
O Plan FinEs não tem uma receita, ele se adapta à realidade dos jovens de diferentes lugares. No Brasil, estive em São Paulo, e me parece que o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) também tem essa inteligência, de se situar nos territórios e fortalecer a capacidade juvenil, suas práticas expressivas e culturais. Ao invés de levá-los aos centros estabelecidos, ela apoia práticas de bairros.
Aprendiz: E isso teria a ver com as Cidades Educadoras?
Pablo: Sim, diz respeito à uma concepção de uma cidade integral, que garante acesso e autonomia aos territórios em suas diversidades sociais, econômicas e culturais.
Aprendiz: Em seu artigo “A disputa pelo público na América Latina”, você propõe que as mobilizações juvenis no continente expressam formas contemporâneas da política em sentido amplo, com características propositivas mais do que reativas e que criam o comum ao politizar os espaços cotidianos e territorializar a política. Na sua opinião, como se dá esse processo? É possível dizer que hoje são os jovens que fundam o público?
Pablo: Acredito que sim. Eles não são os únicos que criam o público, mas são ativos criadores do comum, não somente usando e se apropriando do que existe mas produzindo, escutando e tensionando os limites do público. Isso não se dá apenas na disputa do espaço urbano – onde transitam e manifestam suas práticas culturais, politizando a cultura.
Em São Paulo, os funkeiros tem uma disputa forte pelo espaço comum, para que eles possam desfrutar e produzir de espaços públicos com sua expressão. Mas a juventude está engajada em pensar em outras relações sociais não mercantis, que digam respeito ao simbólico, ao relacionar com os outros, ao compartilhamento e à cooperação. Temos muito que aprender com essas mobilizações, assim como de suas organizações que diluem fronteiras de gênero, de territórios. Enfim, há em jogo uma grande construção do público: como brecha, como grito, como espaço intermediário entre o Estado e o mercado. Nem cidadão, nem consumidor mercantil: interessa o público.
Aprendiz: Tanto a Argentina, com Mauricio Macri, como o Brasil, com o golpe que empossou Michel Temer, passam por momentos políticos conturbados e que apontam para saídas conservadoras. Como você vê a juventude se comportando nestes contextos?
Pablo: Tanto na Argentina como no Brasil, eu creio que as juventudes continuarão a se mobilizar. Eles não conseguirão fazer com que ela se desmobilizem, podem até tirá-las das ruas, mas elas continuarão a fazer sua política. Não quer dizer necessariamente que elas irão às ruas e conseguirão derrubar estes governos, mas creio que vão continuar a construir seus espaços, nas periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, enfim, vão seguir atuando nas escolas médias, politizando a situação, se radicalizando, defendendo direitos e tentando conquistar novos, como a legalização das drogas, os direitos reprodutivos da mulher.
As novas agendas juvenis estão colocadas, mas creio que irão também se organizar como jovens trabalhadores, fundar novos sindicatos contra a precarização laboral, quer dizer, vão continuar a politizar seus territórios.

Portal Aprendiz

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