As imagens da semana, de crianças migrantes detidas em um armazém no Texas, nos EUA[1], demonstram uma face perversa da atual política de controle das fronteiras na gestão do presidente Trump, e suscitam um debate que sociólogos da infância há tempos se propõem a pensar: a infância é um fenômeno social. Isso significa, dentre muitas outras perspectivas, que ela tem variações internas, a depender da conjuntura de que se fala. Infâncias, então podemos dizer. Ser preso e separado da família em um contexto migratório certamente é um desses cenários que traz especificidades – trágicas, obviamente – à vivência da criança. Mas, há tempos sabemos das atrocidades cometidas contra imigrantes na tentativa de fechar as fronteiras (seja nos Estados Unidos ou na Europa). Se fossem adultos talvez Melanie Trump não teria se pronunciado. O que faz com que a imagem da criança traga tamanha comoção?
A criança por vezes é vista como um indivíduo de essência vazia, pela qual se disputa o que inserir. Nesse caminho, é vista como ser inocente, o incapaz. De fato, as crianças possuem particularidades que as tornam ainda mais vulneráveis. Mas aqui a questão é que a vulnerabilidade, bem como seu acirramento, é sobretudo contextual: depende mais da situação social em que ela está colocada, do que das características em si da criança. Isso vale ao mundo adulto, não nos esqueçamos que haviam muitos – e eram a maioria – maiores de idade no galpão do Texas.
A criança que só sabia o K’iche enquanto língua não tinha recursos suficientes para se comunicar com os agentes e falar de sua tia. Mas e a menina que sabia e inclusive tinha o telefone de sua tia memorizado? Estavam todas na mesma situação; quando o ideal era que, atendendo às suas particularidades, estivessem sendo escutadas e seus interesses atendidos.
Outro fator de choque é a incoerência do discurso moderno sobre infância: as crianças são cada vez mais alvos de cuidado de políticas protecionistas, seja na vertente do cuidado, seja na concepção de sujeitos de direitos; contudo, ao mesmo tempo, os indicadores sociais apontam o grande impacto da desigualdade em suas vidas. Assim, a contradição na constituição da infância parece se aguçar na multiterritorialidade dos fluxos de pessoas intensificados na globalização e no capitalismo contemporâneo.
Assim, se diversos acordos internacionais há décadas vêm pautando os direitos das crianças, é preciso que se leve em consideração que a intensificação dos fluxos migratórios contemporâneos tem sido um dos contextos de risco que as atinge com intensidade e violação. É não é qualquer fluxo e qualquer criança migrante que está nesse impasse – voltamos a questão das diferenças dentro de tal grupo geracional.
Se as crianças simbolizam o futuro e portanto geram comoção, é preciso que elas também passem a simbolizar a igualdade. Nesse caminho, deixa-se de pensar somente no futuro, para vê-las como presente. Afinal, o choro causado pela política de controle de fronteiras está acontecendo agora!
Monique Roecker Lazarin é Mestranda em Sociologia pela UFSCar.Graduada em Ciências Sociais pela UFRGS. Membro do grupo Crianças e Infância, da UFSCar.
[1] Publicado originalmente pela ProPublica e disponível em:<https://www.propublica.org/article/children-separated-from-parents-border-patrol-cbp-trump-immigration-policy>
[2]SARMENTO, M. J; PINTO, M. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. In: PINTO, M; SARMENTO, M. J. As crianças: contextos e identidades. Minho: Universidade do Minho, p.9-29,1997.
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