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terça-feira, 26 de junho de 2018

Entrevista com Beatriz Saraiva, jornalista e antropóloga

SOS Ação Mulher e Família entrevista Beatriz Saraiva, jornalista e antropóloga 

Entrevistada por Júlia Saraiva


Aluna do Curso de Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / IFCH, da Universidade Estadual de Campinas / Unicamp e voluntária da OSC SOS Ação Mulher e Família

26/06/2018

Júlia Saraiva: Em sua opinião, o ativismo virtual contribui para a causa feminista?

Beatriz Saraiva: Sim, eu considero essencial, não só pelo alcance que os meios e canais digitais dão, mas também pela possibilidade, pelo acesso a informação e conteúdos importantes. Então a gente não pode esquecer, por exemplo, da pec 181, proposta de lei que visava acabar com o  aborto legal, no Brasil. Ou seja, as mulheres que ficaram grávidas em função de um estupro ou que geraram crianças anencéfalas,  não poderiam mais abortar. Teriam que  continuar a  gestação mesmo contra a sua vontade. Foi graças à internet, né, uma pressão popular que foi imensa e promovida pelas mulheres nas redes sociais, isso não foi votado porque foi uma pressão muito grande. E considero que as redes sociais foram fundamentais, não só nesse caso, mas também internacionalmente e em ações que foram feitas (como) no caso das meninas no Afeganistão que estavam em situação de risco de morte. A pressão popular feita nas redes sociais, o apoio internacional e a movimentação que isso gerou, tanto em casos de violência contra a mulher como em casos de estudo e informação com conteúdos importantes do mundo inteiro, isso faz com que a rede movimente muitas pessoas, conscientize sobre os seus direitos e também dê voz a quem antes não tinha voz, porque antes essas pessoas só tinham o papel da escuta e agora elas podem se manifestar, né, por meio das redes sociais, elas podem dizer como se sentem, elas podem falar sobre as violências que sofrem, elas podem mostrar várias questões como as questões do corpo, a questão da sexualidade, a questão da violência. A gente teve exemplo de movimentos muito importantes na internet como aquele do primeiro assédio, que mostrou dados impressionantes. Depois foi feito um levantamento que mostrou que a média (de idade) das meninas que eram violentadas era dos 09 aos 12 anos, então traz luz a muitas questões importantes.

Júlia Saraiva: Foram perceptíveis os impactos das campanhas que tocavam pautas feministas na sua relação com as clientes ou entre as consultoras?

Beatriz Saraiva: Eu acho que é importante ressaltar que o blog que eu trabalhava era um blog corporativo, ligado a indústria de cosméticos e eu passei duas vezes pela mesma empresa. No começo, era um blog bem artesanal que era escrito de maneira autônoma, foi feito por iniciativa própria, então era um blog que, lógico, tinha a proposta de falar como vender, como fidelizar cliente, mas que acabou criando uma rede de mulheres. Até mesmo porque 93% do canal de vendas eram formados por mulheres, muito guerreiras que colocaram os filhos na universidade vendendo Natura, através da sua renda, como vendedoras de Natura. Era muito bonito de ver o vinculo que foi criado nessa comunidade. Então era lógico, o objetivo era vender cosméticos, mas dentre os assuntos surgiam várias questões sobre a educação dos filhos, eram mulheres que criaram os filhos sozinhas, muitas arrimo de família, então esse blog agregou muitas pessoas, mas na época, e a gente pode falar que é uma década que separa o primeiro momento do outro, não era uma questão da empresa tratar desses temas e tratar sobre feminismo. Então foi engraçado voltar depois no período de 5, 6 anos e ver que esse assunto passou a ser relevante, tão relevante que a própria empresa criou um fórum de diversidade dentro da empresa, para saber como tratar desses assuntos, como falar de pessoas com opções e gêneros distintos, como tratar sobre pessoas de raças diferentes, porque eram assuntos que não eram tocados e por mais que tivessem manifestações das próprias consultoras sobre o tema, isso não era contado, não era nem levado a sério. E a gente tem que pensar também como essas próprias empresas se estruturam, porque, por exemplo, em uma empresa de cosméticos em que mais de 93% do canal de venda era formado por mulheres, o topo da pirâmide ainda era gerenciado por homens. Então você tinha uma base de mulheres que sustenta a empresa, mas na verdade os cargos de conselho, de presidência, os altos executivos eram todos masculinos, eram todos homens. Então a indústria tenta acompanhar o tempo, mas também é uma indústria que ainda está em uma formação antiga, que ainda não acompanhou todas as inovações e está tentando se modernizar nesse sentido. Está tentando se comunicar porque tem uma questão de marketing, existe um mercado propício para se falar sobre esse tema. Então é uma via de mão dupla, ele fala desses temas porque ele é pressionado para falar desses temas e para vender, né, então essas questões hoje em dia são fundamentais, as empresas às vezes não sabem como lidar com essas questões, mas estão se abrindo  para o diálogo com a diferença, pelo menos é um ponto positivo.

Júlia Saraiva: Como é o olhar para o espaço do feminismo dentro das empresas?

Beatriz Saraiva: Então, eu acho que o terceiro item é um pouco do que eu respondi no segundo. A gente ainda tem uma empresa e uma indústria que são formadas basicamente com os cargos de poder, de mando e de controle de produção, os altos cargos executivos, ainda são desempenhados pelos homens. Você tem uma disparidade de salário entre homens e mulheres muito grande, as mulheres fazendo a mesma função que um homem ainda recebem menos. E nas questões cotidianas, diárias, ainda a pressão é muito forte para a mulher que tem que conciliar os trabalhos domésticos com o trabalho da empresa. As mulheres ainda têm que se responsabilizar pelo trabalho doméstico. Então, quando o filho fica doente ou a babá não vem é a mulher que tem que faltar ao trabalho. Você não vê os pais assumindo e compartilhando esses deveres. Por isso, ilustrando coloquei na boca do homem essa fala. Quando o filho fica doente, os pais não dizem "Meu filho tá doente e eu preciso ficar com ele".  A responsabilidade é quase toda da mulher.  Se um cara fala isso é malvisto  até pelos próprios colegas de trabalho e pela chefia. Então eu acho que as empresas, principalmente a parte de marketing, nas propagandas, elas tiveram que avançar por causa da demanda social, porque existe uma pressão muito grande. Nas últimas ações feitas nos dias das mães, as redes sociais serviram para pressionar as empresas que estavam associando mãe ao trabalho doméstico, então tinha uma pressão muito grande da forma como falar para a mulher, de que forma você apresenta agora os produtos. A própria propaganda, antes os produtos de limpeza eram todas personagens femininas, então agora a indústria está se refazendo. Então agora você vê  nessas propagandas a figura do homem também ajudando a mulher nessa tarefa doméstica. Então ela tá tendo que mudar e se transformar por causa da demanda e por causa da pressão, porque as propagandas que são infelizes [nessa abordagem] elas são expostas mesmo. Então esse ano mesmo a gente viu nas redes sociais uma pressão muito grande quando tem uma propaganda machista, quando tem uma propaganda que fere os direitos das mulheres, isso se torna uma polêmica muito grande, né. Então eu acho que as empresas, principalmente a área de marketing, estão muito atentas a essa pressão popular, ao que está nas redes sociais, a como se comunicar, mas estruturalmente, dentro dos espaços de trabalho ainda há um longo caminho a percorrer.

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