Regina Bandeira
Para milhares de mulheres que convivem com a violência doméstica no interior do País, a Justiça chega de ônibus. Levar o atendimento aos moradores do campo é uma forma de garantir o acesso ao cidadão à Justiça.
11/06/2018
Para milhares de mulheres que convivem com a violência doméstica no interior do País, a Justiça chega de ônibus. Levar o atendimento aos moradores do campo é uma forma de garantir o acesso ao cidadão à Justiça.
A iniciativa está de acordo com a Meta 8, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa fortalecer a rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Apenas neste mês de junho, mais de 2 mil casos de violência familiar deverão ser julgados no projeto itinerante promovido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), que percorre cidades que não possuem varas ou juizados exclusivos de violência doméstica para dar andamento aos processos.
Nestas localidades, as denúncias são raras e a violência é comum. “Nunca mais pensei que veria um caso de cárcere privado. No interior, há uma extrema dificuldade para se romper o silêncio. A maioria das pessoas desconhece seu direito. E, mesmo quando conhecem, raramente denunciam crimes domésticos”, disse a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury, coordenadora do Ônibus Rosa. Neste mês, o veículo estará em São Mateus, Conceição da Barra e Aracruz, cidades distantes mais de 200 km da capital, Vitória.
Em todo o estado, apenas seis juizados atendem exclusivamente crimes que envolvam violência doméstica e familiar. Cinco deles situam-se na capital ou na chamada Grande Vitória. São dois em Vila Velha, um em Cariacica e outro em Serra (12, 15 e 27 km de Vitória, respectivamente). Apenas um juizado de Vitória (a 132 km ao norte da capital) possui um juizado exclusivo.
Feminicídios
Com 79 municípios e quase 3 milhões de habitantes, o Mato Grosso do Sul é outro estado com pouquíssimas varas exclusivas desse tipo de crime – apenas três, e todas na capital, Campo Grande.O estado registrou de 2006 a 2016 o assassinato de 776 mulheres, segundo o Atlas da Violências de 2018. Somente no ano passado, foram 16 feminicídios.
Em Campo Grande, há mais de 2.500 medidas protetivas de urgência em vigor. Por dia, juízes das varas especializadas analisam cerca de 20 pedidos deste tipo de medidas. Para melhorar o atendimento às vítimas da violência doméstica, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) tem utilizado a Carreta da Justiça para levar às mulheres do interior a Lei Maria da Penha e seus impactos.
O caminhão é um serviço itinerante, organizado como um Fórum, que percorre as pequenas cidades oferecendo serviços de natureza cível, tipo divórcio, assim como criminal. A juíza titular da 3ª Vara da Violência Doméstica e coordenadora da Mulher em Situação de Violência do TJ-MS, Jaqueline Machado, elogia o trabalho da Justiça itinerante. Para ela, o mutirão oferece a oportunidade de serviços especializados que, no geral, essa mulher não tem acesso.
“No dia a dia, ela precisa enfrentar obstáculos muitas vezes intransponíveis. Se ela depende daquele homem, com que dinheiro vai sair para buscar ajuda? Ela só vai conseguir se for socorrida por alguém e, no interior, as pessoas não querem se envolver. Ainda está no imaginário que, em briga de marido e mulher, ninguém deve botar a colher”, disse.
Estupro marital
A juíza Jaqueline Machado também revela que o medo é umas das causas mais presentes para que a mulheres não consigam sair do relacionamento abusivo. Além da dependência emocional e econômica, essas mulheres e filhos convivem com o medo, uma vez que os maridos agridem e ameaçam a família diariamente.
“Quem vive a violência doméstica já aceitou muita coisa ao longo da vida e meio que naturalizou isso. O estupro marital, por exemplo. Muitas ainda acham que têm obrigação de atender os maridos”, disse a juíza, que aproveita a iniciativa para também levar conhecimento e informação à população, por meio de rodas de conversa e peças teatrais.
Outro fato apontado pelas magistradas é o horário de funcionamento das delegacias da mulher. Elas não funcionam 24 horas e os horários mais difíceis para quem vive com pessoas violentas são quase sempre a noite e nos finais de semana. A primeira vez que a Carreta da Justiça foi utilizada nos casos de violência doméstica foi no ano passado, nas comunidades de Rochedinho e Anhandui.
O mutirão deve voltar a trabalhar pelo combate à violência doméstica na próxima Semana Paz em Casa, que ocorrerá de 20 a 24 de agosto, em todo o país.
XI Semana Justiça pela Paz em Casa
As Semanas Justiça pela Paz em Casa são promovidas pelo CNJ em parceria com os tribunais de Justiça estaduais, varas e juizados especializados em violência doméstica e têm como objetivo ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) concentrando esforços para dar andamento aos processos relacionados à violência de gênero.
Esta mobilização ocorre desde março de 2015, três vezes ao ano – março, em homenagem ao dia da Mulher, em agosto, por ocasião do aniversário da promulgação da Lei Maria da Penha, e, em novembro, durante a Semana Internacional de Combate à Violência de Gênero, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
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