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sexta-feira, 29 de junho de 2018

As crianças de hoje têm mais autocontrole que há 50 anos

Um estudo conclui que elas agora esperam mais tempo para conseguir uma gratificação. Um dos fatores que influem nessa tendência é o começo mais cedo da vida escolar


CAROLINA GARCÍA
El País
Madri 27 JUN 2018

Colocam uma gulodice diante de você. Pode ser doce ou salgada. E você não pode comê-la, tem que esperar durante 15 minutos para conseguir não só uma, mas um prêmio melhor, duas. Esta foi uma experiência realizada pela Universidade Stanford nas décadas de 60 e 70. Com uma única finalidade: saber se a paciência das crianças implicaria benefícios evidentes para elas em sua vida futura. O estudo foi feito na época com 600 crianças em idade pré-escolar, entre os três e cinco anos, e consistia em observar o pequeno através de um vidro. Ele ficava sozinho em outro cômodo diante da iguaria enquanto os pesquisadores viam quanto tempo aguentava. Esse teste é conhecido como a prova do marshmallow.

Com os resultados em mãos, os pesquisadores observaram as mesmas crianças também durante seu período na escola e quando chegaram à vida adulta. E concluíram que aqueles que resistiam mais tempo sem comer o doce tentação eram pessoas que depois tinham melhores salários, melhores habilidades emocionais e mais sucesso. Resultados que não ficaram só no estudo, mas que foram usados por muitos para avaliar o comportamento de outras gerações.
Mas o estudo também recebeu críticas. Sua amostra só incluía pessoas que tinham ido para a creche e a universidade e de famílias de elevados recursos econômicos. Uma amostra, para muitos, enviesada. E alguns cientistas também criticaram o fato de tal estudo chegar a tão boas conclusões e afirmaram que o impacto dessa paciência, dessa vontade de aguentar, é menor do ponto de vista da saúde e no modo como elas se adaptam à vida adulta.

Crianças mais pacientes que seus avós

Uma nova pesquisa, publicada na semana passada na revista Psychological Science, estudou 900 crianças dos Estados Unidos de diferentes etnias e condições sociais que se submeteram a uma versão mais longa do teste do marshmallow entre 1998 e 1999. Nessa ocasião os menores puderam escolher a guloseima que queriam e os participantes eram selecionados de modo aleatório. Suas conclusões surpreenderam.
A percepção atual dos menores leva a considerar que vivem em um ritmo acelerado, em que pulam de uma atividade para outra: escola, atividades extraescolares, brincar, jantar,... e assim até um compridíssimo etcetera. E também ainda têm milhares de opções diante de si e não têm autocontrole por causa da grande massa de oportunidades com as quais contam. Mas parece não ser assim.
Segundo explica em um comunicado a principal autora do estudo, Stéphanie M. Carlson, da Universidade de Minnesota, “apesar de que, de fato, vivemos em uma época de gratificação instantânea, nossos resultados sugerem que as crianças de agora podem esperar mais tempo para conseguir a gratificação do que aquelas dos anos 60 e 80”. Isto rompe com a crença de que as crianças de hoje têm menos controle de si mesmas que as de décadas passadas. Esse é um pensamento comum entre os pais atuais –dado que também avaliaram em seu estudo Carlson e sua equipe. Estes descobriram que 72% dos progenitores pensavam que seus filhos esperariam menos tempo e 75% chegaram a dizer que suas crianças tinham menos controle sobre si mesmas.
“É lógico que os pais tenham essa percepção, de fato, Sócrates já dizia que a juventude é mal-educada, despreza a autoridade, não respeita os mais velhos e fica fazendo mexericos em vez de trabalhar (...). Contradizem seus pais, ficam se vangloriando, devoram a sobremesa nas refeições, cruzam as pernas e tiranizam os professores”, explica por email Nuria G. Alonso, psicóloga infanto-juvenil e diretora do Ayudarte Estúdio de Psicologia. "Nesta percepção dos pais”, prossegue, “intervém a chamada brecha geracional e é isso que afinal faz com que acabemos pensando que a nova geração é pior que a nossa: são mais mal-educados, menos estudiosos, mais preguiçosos... E isso se aplica igualmente ao autocontrole”.
"Na geração atual há muito mais estímulos que a nossa e a de nossos pais e, portanto, você tem que se controlar muito mais. De todas as maneiras, por mais que queiramos comparar, cada geração é única e como tal tem de ser tratada, embora seja difícil que nossos preconceitos e certas ideias errôneas não acabem alimentando essa situação”, acrescenta a especialista.
São muitos os estudos que concluem que retardar a satisfação e ser paciente em idade precoce estão associados com benefícios –acadêmicos, de saúde, psicológicos e emocionais– para o futuro adolescente e adulto. E estamos com sorte, já que, segundo seus resultados, as crianças atuais esperam dois minutos a mais (durante um período de 10) que as da década de 70 e um minuto a mais do que as avaliadas na década de 80.
“Nunca gostei de generalizar, mas na minha opinião não acho que seja porque esta geração tem de tudo e por isso é menos ansiosa, mas que tem de tudo e precisa aprender a dosificar e administrar melhor isso para chegar a tudo o que quer fazer. E isso faz com que tenham de resistir a muitas tentações, sobretudo com as novas tecnologias. Por exemplo: agora não há só um videogame e claro que você tem vontade de jogar todos eles, mas, como não pode jogar todos ao mesmo tempo, você tem de escolher e, além disso, conseguir ganhar esse videogame requer ir passando de nível em nível, dedicar esforço e muitas horas...”, explica Alonso. Segundo ela, não se sabe se a educação é melhor que a anterior, mas o que é certo é que uma das maiores conquistas da educação atual é que aborda aspectos que antes não eram explorados. “Por exemplo: há cada vez um peso maior em potencializar a inteligência emocional e, nesse âmbito, tanto pais como professores trabalham cada vez mais desde que as crianças são pequenas para que sejam capazes de canalizar a frustração e controlar seus impulsos”, argumenta.

Fatores que influem

“Nossas conclusões demonstram como nossa intuição pode falhar algumas vezes e como é importante concluir as coisas cientificamente”, acrescentam os autores no texto. O que os leva a se proporem a fazer mais pesquisas a respeito. Entre os fatores que podem ter conduzido a esse aumento da paciência, segundo os autores, estão:
  •  A melhora da pontuação em inteligência, relacionada com o avanço da tecnologia. “De fato, a paciência está muito relacionada com a parte da inteligência emocional e, hoje em dia, em diversos aspectos de nossa vida se dá muita importância a esta parte da inteligência”, acrescenta Alonso.
  •  A importância atualmente de iniciar cada vez mais cedo a vida escolar. Nos anos 60 somente 15,2% das crianças estavam escolarizadas aos três ou quatro anos nos Estados Unidos. Em 2000, este porcentual havia aumentado para 50%. “Começar antes permite desenvolver certas habilidades de forma mais rápida. Está comprovado que ter um estímulo cedo, no período até os 6 anos (que é quando o cérebro é mais plástico), tem múltiplos benefícios. Entre outras habilidades isso pode ajudar a melhorar habilidades de atenção, cognitivas, motoras, emocionais, sociais, linguísticas...”, prossegue Alonso.
  •  As mudanças na criança também contribuem para melhorias geracionais na capacidade de retardar a gratificação. “Para mim, o estilo de vida e a criação estão sem dúvida entre as maiores revoluções e afetam não só o autocontrole, mas em muitas das habilidades das crianças de hoje”, explica a especialista. “Vivemos na era da informação e estar mais conectados nos permite aprender mais sobre nossos filhos e saber que alternativas temos para administrar isso. Por exemplo, saber quase no mesmo dia se o seu filho bateu em alguém, se chegou tarde ou respondeu a um professor.. E o fato de saber o que se passa com o seu filho de modo imediato, pedir ajuda ao seu entorno ou até a profissionais faz com que você tenha mais recursos e possa prevenir muitas dificuldades”, acrescenta. “Também, é verdade que você passa menos tempo com eles, mas aproveita muito mais e está mais informado, então, isso faz com que, como pais, sejamos mais sensíveis e mais tolerantes ante as necessidades de nossos filhos”, conclui Alonso.

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