Graduandas que têm filhos contam que falta estrutura nas universidades e empatia dos colegas.
Por Larissa Caetano*, G1 Rio
12/05/2019
Cansadas de enfrentar sozinhas os desafios da maternidade dentro das faculdades, mães estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) criaram grupos de apoio para auxiliar umas às outras no horário das aulas. Ficar com as crianças durante provas e compartilhar experiências são algumas das atividades dos coletivos.
Em menos de um mês, mais de 150 mulheres chegaram ao grupo “Mães da UFRJ”. No grupo “Mães da UFF”, as participantes já passam de 160.
Em menos de um mês, mais de 150 mulheres chegaram ao grupo “Mães da UFRJ”. No grupo “Mães da UFF”, as participantes já passam de 160.
Depois de ver outras colegas de curso passando pelas mesmas dificuldades, as estudantes da UFF Mariana Paganote e Larissa Santos criaram o grupo em uma rede social. A partir do coletivo, as participantes criaram um conjunto de pesquisa de conscientização das pautas das mães, o “Núcleo Interseccional em Estudos da Maternidade”.
A iniciativa da universidade fluminense também inspirou outras mães a se unirem. Na UFRJ, a graduanda de Geografia Mithaly Salgado Correa deu início ao movimento materno.
“Fiquei surpresa em descobrir tantas mães. Eu me sentia muito sozinha, porque onde eu estudo não vejo ninguém com bebê. É muito fortalecedor muitas mães juntas trocando experiências. Isso só fortalece a gente e faz não desistir”, contou Camila Mendonça, aluna de Biblioteconomia e Gestão.
Nos coletivos, as demandas de melhorias nas unidades das faculdades crescem a cada dia. Para elas, pequenas ações, como a construção de um fraldário e um local de amamentação em todos os prédios, prioridade nas filas para pegar almoço no restaurante universitário e para esquentar a papinha das crianças nos microondas compartilhados, já amenizariam a rotina exaustiva.
Dificuldades na rotina
As integrantes dos grupos exercem, todos os dias, muitas funções: elas são mães, alunas, funcionárias e, em alguns casos, esposas. Além das diversas tarefas, elas ainda convivem com o preconceito dos colegas de curso.
Em entrevista ao G1, seis mães contaram as dificuldades de estar com um bebê dentro da faculdade. Segundo elas, a maior carência é a de empatia. Os relatos de olhares de reprovação quando estão com seus filhos são frequentes.
“Não são confortáveis [os olhares]. Quando passo com ela nos corredores, as pessoas me olham como se fosse um absurdo estar com uma criança naquele local. Uma pessoa ou outra olha para mexer, porque criança é engraçado, mas a maioria olha com cara de pavor mesmo”, disse Helen Silva, aluna de Terapia Ocupacional.
A principal proposta do grupo da UFRJ é a criação de um espaço para deixar os bebês na própria faculdade. Apesar da universidade ter uma creche, não há vagas. “Temos futuros pediatras, pedagogas e professores. Poderia haver um projeto de extensão, que contaria como estágio, para eles ficarem com os bebês das alunas que precisam”, sugeriu Ana Carla Gomes, aluna de Letras.
Camila Cidade, aluna de Produção Cultural da UFF, coordenadora do Núcleo Interseccional em Estudos da Maternidade e gestora do "Mães da UFF", conta que há avanços dentro da universidade fluminense.
“O núcleo aproveita o diálogo com a Prograd e o Grupo de Trabalho de Mulheres na Ciência da universidade para unificarmos as forças. A Prograd escutou nossas demandas e abraçou a causa. Comemoramos a alteração no regime excepcional de aprendizagem, para facilitar a mãe e a lactante. Também conseguimos fraldários. É um momento de avanços e de conscientização”, explicou.
Em nota, a UFF afirma que há políticas específicas para as alunas que se tornam gestantes. "Caso a estudante encontre-se em situação de impossibilidade de frequência às atividades acadêmicas, é possível a aplicação do Regime Excepcional de Aprendizagem. A Pró-reitoria de Graduação colocará trocadores de fraldas nos banheiros dos blocos A (Gragoatá) e H (Praia Vermelha) em Niterói. Há também o auxílio creche, que é um apoio financeiro mensal, para auxiliar os estudantes matriculados em cursos de graduação presencial, que tenha filhos em idade de Educação Infantil", diz a nota.
Já a UFRJ afirmou que, em março, lançou uma nova política de assistência estudantil, "dedicada a reduzir a evasão de estudantes da graduação, garantir melhor desempenho acadêmico e a conclusão do curso com qualidade, dentro do prazo de integralização previsto".
Segundo a universidade, a nova política prevê o aumento de 7 mil para 13 mil beneficiados pelos programas de bolsas até 2023. A UFRJ ainda diz que a Pró-Reitoria de Políticas Estudantis está trabalhando para ampliar as ações voltadas a estudantes com filhos. "Queremos criar espaços parentais específicos na UFRJ, com estrutura de fraldários, sala de amamentação, lugares para brincadeiras, de forma que estudantes que hoje precisam levar seus filhos para a sala de aula possam se organizar para aproveitar esses espaços", disse instituição, em nota.
Conheça as mães dos coletivos
No 6º período de Licenciatura em Geografia da UFRJ, Mithaly Salgado Correa tem três filhas: Lorena e Valentina, gêmeas de nove anos, e Elis, de 7 anos.
A estudante de 28 anos criou o grupo “Mães da UFRJ” no início de 2019.
“A demanda já existe há muito tempo. Estava simplesmente escondido. A gente costuma falar que as mães nas universidades são invisíveis. Mas, talvez elas não sejam invisíveis, apenas são ignoradas”, desabafou a criadora do coletivo.
Ao longo da graduação, a aluna contou que já desistiu do curso de Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra, também na UFRJ, por “falta de estrutura da universidade”.
“Eu não encontrei nenhum apoio e estrutura. Talvez se a universidade tivesse dado esse apoio, eu poderia ter concluído. Não precisava ser apoio financeiro, poderia ser uma creche”, disse Mithaly.
Aluna do 6º período de Licenciatura em Letras da UFRJ, Ana Carla Gomes engravidou no início da faculdade do Heitor, de 1 ano e 6 meses.
Segundo a estudante de 32 anos, a universidade não está preparada para receber alunas que são mães: “A gente pode ficar até 3 meses em casa logo depois que temos nossos filhos, mas esse processo é muito falho. Nós temos prazos diferentes dos outros alunos, recebemos a matéria em casa, mas os professores demoram muito tempo para enviar a matéria. Temos que fazer uma avaliação diferente e o lançamento de notas também é diferente. Algumas mães perderam semestres inteiros por conta desse processo diferenciado”.
Caloura de Biblioteconomia e Gestão da UFRJ, Camila Mendonça leva, todos os dias, a filha Isabel, de 11 meses, para a universidade. Camila estuda na Praia Vermelha, na Urca, Zona Sul, e mora em Niterói.
A estudante de 24 anos fez as primeiras provas do semestre com a filha no colo. Segundo Camila, uma das avaliações ficou rabiscada. Os colegas e professores falam que a jovem tem múltiplos poderes: brinca, amamenta e estuda ao mesmo tempo.
De acordo com Camila, um dos maiores problemas é a amamentação. A aluna optou por amamentar em livre demanda e não há espaços reservados na faculdade.
“Tenho que esperar uma sala esvaziar para poder trocar minha filha na mesa do professor. Muitas pessoas olham com estranhamento e preconceito. Os olhares em volta me matam às vezes”, contou Camila.
Quando entrou em Terapia Ocupacional na UFRJ, Helen Silva já tinha dois filhos: Renato, de 14 anos, e Felipe, de 10 anos. Na metade da faculdade, ela engravidou da Maria Celina, de 8 meses.
A estudante de 30 anos contou que viveu duas versões da maternidade dentro da faculdade: uma com filhos independentes com seus próprios afazeres e outra com uma bebê diariamente nas aulas.
O curso de Helen é integral e ela também trabalha como técnica de enfermagem em plantões noturnos. Ela sai da faculdade, vai para o trabalho e volta para a faculdade no dia seguinte.
“Às vezes eu nem sei o que eu sou naquele dia, porque são tantas coisas em uma. A gente quer desistir e encontra forças em algumas coisas, como o grupo, trabalho, histórias de vida, em casa, apoio dos meus filhos, marido e família. Tem momentos que a gente só vai fazendo”, contou Helen.
No 7º período de Produção Cultural da UFF, Camila Cidade tem gêmeos de 6 anos. Camila coordena o grupo “Mães da UFF” com auxílio de mais duas mães da universidade.
“Nos unificamos ao perceber necessidades comuns na maternidade universitária. Ainda não há qualquer tipo de política de permanência para esta fase”, contou Camila.
A estudante de 35 anos trabalha como DJ e cantora no período da noite.
Durante seis meses, Camila precisou levar as filhas para a universidade. Todas as quintas, a aluna teve apoio de uma colega de classe que integra a direção do coletivo para ficar com as crianças.
“Se as mães não têm rede de apoio, precisam paralisar seus estudos. Mesmo com rede de apoio, há muitos impedimentos”, completou Camila.
Projeto de apoio a mães foi finalista do Desafio Criativos da Escola
Um grupo de estudantes da Grande Pavuna, na Zona Norte, criou o projeto “Causa Mãe”, um coletivo de apoio a mães adolescentes. A iniciativa foi finalista na edição de 2018 do Desafio Criativos da Escola.
Barbara dos Santos, de 22 anos, é aluna de Direito da Estácio e uma das organizadoras do grupo. Ela percebeu a necessidade da iniciativa depois que o contrato de estágio não foi renovado por estar grávida.
“Os maiores desafios são lembrar de tudo o que tenho que fazer, cuidar de mim e a eterna preocupação com a cria. Junta estudos, trabalhos, projetos, consultas, exames, vacinas da criança. Não tem cabeça certa que suporte esse turbilhão”, contou Barbara.
A rede de apoio já realizou diversas atividades. Entre as ações está o rodízio de mulheres voluntárias para cuidar das crianças enquanto as mães estudam.
*Estagiária, sob a supervisão de João Ricardo Gonçalves
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