delegada A sociedade e os jovens são marginalizados em Doha
A delegada juvenil Beatrice Yeung foi impedida de entrar no Centro Nacional de Convenções do Catar. Foto: Stephen Leahy/IPS
Doha, Catar, 5/12/2012 – Beatrice Yeung, jovem delegada às conversações climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), viajou de Hong Kong à capital do Catar para transmitir a mensagem de sua geração: “Vivemos no mundo que vocês estão criando para nós”. Porém, teve a entrada proibida. A IPS conversou com Yeung fora da “zona de segurança” no Centro Nacional de Convenções do Catar, onde a polícia da ONU ordenou a este jornalista que não tirasse fotografias. Sem motivos óbvios, a segurança é muito rígida na 18ª Conferência das Partes (COP 18) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que termina na próxima sexta-feira.
E, o que é pior, o contingente de participantes da sociedade civil, muito menor que o habitual, é submetido a uma série de restrições. Não aos cartazes, não aos folhetos, não às manifestações, exceto em locais autorizados e bem distantes da sede das negociações. Também foi reduzido pela metade, ficando em apenas um minuto, o tempo destinado à oratória das organizações da sociedade civil nos casos em que é permitido fazê-lo nas sessões oficiais.
“Estou frustrada e desiludia”, disse Yeung à IPS. “Estive na COP 15 em Copenhague (2009), no Fórum Climático Infantil e fiquei realmente comovida com o que ouvi de meninos e meninas do mundo em desenvolvimento sobre seu convívio com a mudança climática”. Yeung completará 18 anos dentro de um mês, por isso teve a entrada proibida. “Para mim foi uma surpresa total saber que havia uma regra que proíbe menores”, afirmou.
A jovem foi uma ativa participante na muito maior Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em junho. Fez parte da delegação juvenil chamada Estudantes sobre Gelo, comprometidos com as regiões polares. Eles escreveram um documento expondo sua posição, realizaram um encontro lateral oficial e prepararam um resumo de uma página com sugestões de políticas.“No Rio pude falar diretamente com os delegados de países”, afirmou Yeung. Alguns delegados na Rio+20 deram as boas-vindas à participação juvenil e à oportunidade de conhecer jovens informados e comprometidos, acrescentou.
Segundo a canadense Trudi Zundel, que estuda no College of the Atlantic, nos Estados Unidos, “a sociedade civil é vista cada vez mais como inconveniente, e está sendo afastada deste processo. Já é muito difícil participar aqui sem ter um papel oficial. Agora a sociedade civil, junto com os meios de comunicação, são relegados aos cantos mais distantes deste edifício gigante”, disse Zundel à IPS. O Centro Nacional de Convenções do Catar, de US$ 1,4 bilhão, ocupa 40 mil metros quadrados em três níveis e conta com 57 salas de reuniões, três auditórios, um teatro com 2.300 lugares e muito mais.
Inicialmente, Zundel foi proibida de entrar na COP 18 porque havia participado de um “protesto não aprovado” no dia final da conferência anterior, realizada em Durban, no ano passado, e foi expulsa. Apesar de assinar uma declaração prometendo não participar de nada semelhante em Doha, exigiram que Zundel passasse por uma entrevista individual com o chefe de segurança das Nações Unidas. “Tive que convencê-lo de que não voltaria a fazer isso”, contou à IPS. E conseguiu.
O mesmo não aconteceu com Anjali Appadurai, outra estudante do College of the Atlantic, também canadense. Foi ela que, no encerramento da COP 17 em Durban, pronunciou o célebre discurso “Get it done” (Façamos), que atraiu a atenção da Al Jazeera, do The New York Times, do The Guardian e Democracy Now, entre outros meios de comunicação. Appadurai também participara do “protesto não aprovado” em Durban, e assinou uma declaração prometendo não fazer isso de novo.
Após uma semana de petições e uma “enxurrada” de mensagens enviadas por organizações da sociedade civil no Twitter, foi readmitida no dia 3. “As organizações da sociedade civil e os jovens são marginalizados aqui”, afirmou à IPS. Aparentemente, ela está sendo vigiada, e a Secretaria da Convenção Marco a obrigou a emendar um twitter no qual agradecia o apoio das pessoas. “Meu twitter agradecia às pessoas por terem pressionado a Secretaria em meu nome. Eles não gostaram da sugestão de que exercer pressão ajudara na minha readmissão”, explicou.
A Secretaria organiza e dirige as COP anuais, junto com o país anfitrião. A intimidação e o castigo, combinados com a aplicação rígida das regras, prejudica seriamente a relação entre esse órgão e as organizações da sociedade civil, disse Appadurai, que foi delegada juvenil em duas COPs anteriores. “Nós representamos o público mais amplo. Nossa contribuição deveria ser valorizada, mas não está sendo nesta COP”, afirmou.
Na semana passada, os jovens tiveram a oportunidade de expressar suas preocupações a Christinana Figueres, secretária executiva da Convenção Marco. Dessa reunião especial Yeung foi autorizada a participar. “Figueres não deu uma resposta clara sobre o motivo de não se permitir menores de 18 anos de participar aqui. Simplesmente tentamos injetar a voz dos jovens neste processo”, ressaltou. As reuniões da COP são importantes, mas Yeung disse que aprendeu “a dura lição de que os dirigentes do mundo não liderarão neste assunto. Devemos nós mesmos criar as soluções”, afirmou.
Jane Nurse, estudante germano-canadense do College of the Atlantic também participou do encontro no qual Figueres sugeriu que os jovens deveriam “ser mais criativos e usar o poder das mídias sociais”. “Achei isso muito condescendente. Precisamos estar aqui para nos reunirmos cara a cara com os delegados dos países”, afirmou Nurse à IPS. Os delegados juvenis também se reuniram com Mary Robinson, primeira mulher presidente da Irlanda e ex-alta comissária da ONU para os direitos humanos.
Segundo Nurse, “ela nos perguntou por que não estávamos irritados com a falta de avanços e urgência aqui. Nós estamos com raiva, mas se a demonstramos nos expulsam”. Apesar de estarem profundamente decepcionados pela falta de progressos, os jovens querem participar das COPs para tentar influenciar, porque aqui se molda seu futuro, destacou.
Os protestos e as interações pessoais com os representantes dos países são importantes para dar poder a alguns delegados e para impactar outros. Os delegados estão isolados dentro da COP, completamente afastados da realidade e de todo senso de urgência. E ficam totalmente envolvidos em seus jogos políticos, afirmou a jovem. “Continuarei trabalhando para tentar ter acesso a isto aqui com menos de 18 anos. O clima é um assunto de justiça intergerações”, disse Yeung. “Os jovens veem a urgência. Nossos líderes não”, enfatizou. Envolverde/IPS
* Foto da capa: Flickr/Joi Ito