Uma necessidade que pode ser resolvida, deixando a convivência familiar muito mais gostosa
Danilo Gonçalves
01 de Setembro de 2017
Me lembro perfeitamente da primeira vez, ainda criança, que suspeitei que meus pais estavam transando. Eu nem sabia o que era isso e, como é de se imaginar, não foi nem um pouco confortável para mim. Ouvi algum barulho “suspeito” e, quando comecei a andar na ponta dos pés pelo corredor, voltei rapidinho para o quarto e fiquei bem quieto. Nunca falamos sobre esse fato lá em casa.
Refletindo sobre isso, penso que é engraçado como sexo é gostoso, mas ainda esbarra em conceitos que, em linhas gerais, nos impede de vivenciá-lo de forma livre e natural. Recentemente falei sobre o tema “casal e sexualidade” por aqui, em uma análise sobre como restabelecer a vida sexual (o tesão mesmo) após a chegada dos filhos.
Agora volto para discutirmos o porquê falar sobre o relacionamento, demonstrações de carinho e sexo dos pais (e não dos anjos) com os filhos por perto ainda é um tema tabu.
Por quê, hein? Vou tentar tirar algumas conclusões e dicas das explicações que coletei por aí.
É preciso contextualizar
Por mais libertários que temos tentando ser redes sociais afora sobre esses e tantos outros assuntos, precisamos lembrar que alguns tabus persistem, ainda que de forma mais inconsciente, por conta dos inúmeros conceitos impostos ao longo dos séculos. O sexo é um deles.
Em seu livro A cama na varanda, a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins explica que ao longo dos anos a Igreja desenvolveu uma repulsa em relação sexo. No Século I, foi estabelecido, inclusive, que o celibato era superior ao sexo, mesmo dentro do casamento – aquela história de que sexo é para procriar e ponto.
Acontece que isso foi uma cultura em relação desenvolvida no Ocidente e que extrapolou, em muito, as barreiras religiosas e acabou sendo introduzida na sociedade como um todo.
“Se aprendemos que somos movidos por crenças, sentindo e, consequentemente, comportando-nos baseado nelas, acabamos entendendo que o sexo não é algo sagrado”, sabiamente analisou a questão minha terapeuta Janaina Machado.
Se somos pais que, de alguma forma, ainda nos aproximamos dessa linha de pensamento (a do dogma), certamente teremos receio de ter demonstrações de carinho, afeto e – por que não – algum tesão na frente dos filhos.
Cuidado com a cegonha!
Seja por vergonha ou mesmo (essa) culpa, afastamos os filhos das eventuais demonstrações de amor, carinho e sexualidade. E esse é um controle que tem prazo de validade. Mais cedo ou mais tarde, os filhos vão se deparar com o tema sentimento e sexo. Se não for em casa, será entre os amigos, na escola, na vida...
Nesse caso, o conselho da Janaina é primeiramente evitar usar histórias mirabolantes para contar aos filhos sobre relacionamento sexual. Claro que não precisamos entrar em detalhes (sórdidos), mas contar histórias da cegonha ou se distanciar muito do que é real é uma forma que encontramos para não revelar nossos “pecados da carne”.
Que tal evitarmos e sermos mais reais?
“Vamos sair para ter momento só nosso”
No livro que citei no começo, a Regina Navarro traz um apontamento importante: países onde o prazer sexual é menos reprimido – como os orientais, onde a prática do Kama Sutra é popular –, o índice de violência é menor.
“Nesse contexto, a ideia de que quanto melhor a experiência sexual humana é vivida, melhor o ser humano será” (Janaina).
Oras, se o prazer sexual é um instinto natural e gostoso, capaz de reduzir índices de violência por aí, por que não podemos compartilhar da alegria dele com quem amamos – no caso, nossos filhos?
Dizer que o papai e a mamãe (as mamães ou os papais) são namorados é um jeito de desmitificar o conceito de que o casamento é um contrato de pureza e responsabilidades. Isso pode minimizar os efeitos da “culpa”.
Nessa linha, manter programas de casal na rotina e deixar claro às crias que “estamos saindo para ter um momento só nosso” ajuda muito nessa (des)construção.
Outra frase da Janaina marcante pra mim diz um pouco sobre: “Apesar das várias transformações da moral sexual, conscientemente estamos, sim, mais abertos a falar e vivenciar nossos desejos da carne. Porém, inconscientemente, ainda estamos atrelados a esses tabus”.
A mamãe não é imaculada
Parte dessa dificuldade que os casais têm de revelar aos filhos que ainda “está rolando algo” entre eles está diretamente ligada ao conceito da maternidade romântica, em que a mulher não pode ser outra coisa que não “mãe” depois que os filhos nascem. Por conta desses tabus, que impõem que o sexo é algo “sujo”, após a chegada dos filhos, ela deve assumir o papel de pura, bondosa e supermãe.
Mas o que o sexo e a intimidade do casal têm a ver com isso?
Tudo depende da construção social e religiosa da família. Se o casal for mais aberto às experiências humanas, a reconhecer o sexo como algo saudável na vida das pessoas, terão mais facilidade em extrapolar o tema, e a criança ou adolescente organicamente vai lidar com naturalidade sobre isso.
Não faz sentido nenhum esconder uma coisa que, por si só, é da característica dos seres vivos. Só vai ter vergonha quem acredita que sexo é um pecado, sexo é feio. Não é, convenhamos!
Mas qual a melhor maneira de falar e vivenciar, então?
Saber sobre nossos desejos e ter claras as frustrações – individualmente e entre o casal – vai ajudar muito a abordar o assunto com os filhos. A dica, então, é falar de sexualidade da maneira mais natural possível, como de fato é, sem artimanhas, sem dar a entender.
Aqui vale, inclusive, um adendo para que o casal não deixe de falar sobre isso entre si, apenas porque ganharam a missão de criar filhos.
“Para isso, as pessoas devem estar com a própria sexualidade compreendida e desmistificada para que, então, possam se sentir livres a vivenciá-la e se sentir à vontade para falar sobre com os filhos”.
Afinal, o que é falado não é sofrido. É vivido!
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