por Amanda Célio
20 de março de 2019
No esporte a menstruação é vista como algo que reduz o rendimento das atletas, e muitas optam por emendar cartelas de anticoncepcional
Crédito Pixabay
“Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou um Oscar”. A declaração da diretora norte-americana Rayka Zehtabchi ao receber a estatueta pelo melhor documentário curta-metragem por ‘Period. End of Sentence’ (Absorvendo o Tabu, na tradução para o português) gerou uma grande repercussão nas redes. Produzido pela Netflix, e com uma produção totalmente feminina, o curta retrata a menstruação ainda sendo tratada como tabu na Índia, onde as mulheres sentem vergonha de menstruar, e introjetam a ideia de que a menstruação pode ser, também, um tipo de doença, muitas vezes as impedindo de frequentar as aulas quando estão no período menstrual.
Um tabu que afeta diretamente a saúde da mulher. É comum por lá, por exemplo, homens não venderem absorventes para mulheres – realidade que as levam a utilizarem tecidos velhos, sujos ou até folhas secas de árvores para estancarem o sangue do período menstrual, o que pode acarretar doenças e infecções. O curta é extremamente potente e importante e toda sua repercussão está ajudando, e muito, as lutas que norteiam o tema no país.
Posso dizer que o impacto do documentário me trouxe até essa coluna de hoje. Num primeiro momento senti um certo alívio por pensar que no Brasil a menstruação é tratada com menos tabu, mas minutos depois fui abatida por um desconforto em repensar e chegar à conclusão de que: nada disso!
Menstruação também é um tabu por aqui
Basta termos um olhar amplo e pensar nas mulheres que estão em situação de rua, nas mulheres periféricas ou nas mulheres que estão presas. Inclusive, o título da coluna faz alusão (e homenagem) ao livro de uma das fundadoras da revista AzMina, a jornalista Nana Queiroz, que brilhantemente escreveu ‘Presos que menstruam’, um soco no estômago e uma denúncia necessária à situação das mulheres nas prisões brasileiras.
E quem também precisa de um olhar mais humano e atento para essa questão são as nossas atletas. Além do assunto ser pouco retratado pela imprensa tradicional e esportiva, quando o é, uma palavra sempre vem antes da saúde mental, emocional e física das atletas: desempenho. O bem-estar e conforto das esportistas em relação ao ciclo menstrual raramente entram na pauta e muitas delas têm de deixar de menstruar ou agir como se isso não acontecesse.
Especificamente no Brasil, me assusta escrever que a curiosidade para entender melhor o corpo das atletas mulheres começa em meados da década de 1990, no vôlei feminino, a partir do controle de ciclo menstrual e comportamento hormonal.
Somente em 2012, nas Olimpíadas de Londres, a delegação brasileira teve, pela primeira vez, um programa médico dedicado a cuidar da TPM (e do ciclo menstrual), visando, claro, novamente, (olha ele aí!), o desempenho físico. Na época, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) disponibilizou uma ginecologista para atender as atletas brasileiras.
Segundo médicos especialistas no assunto, o período menstrual pode afetar ou não a atleta durante uma partida. Um estudo da University College of London (UCL) feito com 789 mulheres revelou que mais de 50% delas acreditavam que o ciclo menstrual impactava a performance. Algumas pesquisas são enfáticas em apontar que mudanças fisiológicas produzidas pela menstruação tenham influência na performance das esportistas, e outras mencionam o aumento do risco de lesões em atletas menstruadas.
Porém, a parte intrigante e questionável é que as pesquisas sobre o assunto são bastante recentes e incipientes sobre como esse controle hormonal, que evita a TPM e menstruação nas atletas podem comprometer futuramente a saúde dessas mulheres, mesmo que acompanhados por especialistas.
Estudos também questionam o uso prolongado dos hormônios nas atletas, tendo como possíveis efeitos negativos em partes ósseas do corpo, aumento na dificuldade para engravidar e o aumento do risco de trombose. Outros apontam que a mulher pode ficar mais exposta aocâncer de mama e ao câncer de endométrio.
Não é difícil achar pela internet relato de esportistas que confessam já ter emendado cartelas de anticoncepcionais ou ter usado outros métodos contraceptivos, como por exemplo o DIU, apenas para não menstruar e não ter a sua carreira esportiva comprometida.
Mas, será que já paramos para pensar no sofrimento e no silêncio que essas atletas escondem pelo tabu que é menstruar no esporte?
Será que todas gostariam de ter essa escolha em tirar das suas vidas o ciclo menstrual e, quem sabe, até comprometer sua saúde futuramente? Quantas são as histórias de dores, chacotas, despreparo ou falta de equipes médicas para amparar essas atletas já jogadas para debaixo do tapete?
Óbvio que é sabido que a vida de um esportista, seja ele homem ou mulher, é caracterizada pela abdicação de algumas coisas, sacrifícios em outras, entre acontecimentos de lesões e ingestão de hormônios ou muitas dosagens de remédios, que fazem parte da carreira esportiva para manter uma performance de alto nível.
No entanto, se tratando especificamente da atleta enquanto mulher, dona de seu corpo, será que não temos que aprender ainda mais com ‘Absorvendo o Tabu’ e repensar esse conceito de menstruação em várias esferas sociais no nosso país?
Como forma de protesto e para chamar atenção sobre o tema, a atleta Kiran Gandhi correu uma maratona de Londres em 2015 menstruada, sem usar absorvente. A ideia abriu um pouco as portas para esse debate de menstruação no esporte, mas ainda há muito mais o que falar. Na época Kiran disse à imprensa que sua atitude foi uma maneira de combater o sexismo e falar a respeito do estigma que é a menstruação. “Eu corri com sangue escorrendo pelas minhas pernas em nome das irmãs que não têm acesso a absorventes e pelas irmãs que, apesar das cólicas e da dor, escondem isso e fingem que isso não existe. Eu corri para dizer que isso existe e que superamos isso todos os dias”.
A nadadora chinesa Fu Yuanhui também ganhou os holofotes ao nadar menstruada a prova de revezamento 4×100 medley nas Olimpíadas do Rio e acabar em quarto lugar. Depois da prova a atleta revelou ao um canal chinês que estava com dor e menstruada. Em 2015, a tenista Heather Watson atribuiu a derrota no Australian Open ao fato de estar menstruada e se sentir enjoada e sem energia.
E por aqui, deixo o apelo: por mais atletas que abordem a menstruação de forma natural, sem tabus, receios e medos. E que isso também parta de nós, da imprensa, com questionamentos e reflexões sobre o assunto. Cobremos das comissões técnicas, clubes e seleções que se preocupem tanto com as vontades e a saúde das mulheres quanto se preocupam com o desempenho.
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