A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, proposta defendida por conservadores como a solução da criminalidade, é uma medida simplista que acarretará no aumento da população carcerária. A opinião é do coronel Nivaldo Restivo, novo secretário de Administração Penitenciária de São Paulo.
"[A redução da maioridade], ao meu ver, não é o que vai reduzir a incidência", afirma em entrevista exclusiva à ConJur. "É certo que isso vai gerar uma superpopulação carcerária", disse, detalhando que é preciso "evitar que um apenado se torne um frequentador assíduo do sistema prisional".
O policial militar defende que mudanças ocorram para impedir que o menor infrator torne-se um adulto criminoso. Restivo sugere, por exemplo, que o tempo de internação de menores infratores aumente para 8 anos. São Paulo é o estado com o maior número de menores internados, com mais de 6 mil internos, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
Acerca da redução da superpopulação carcerária, Restivo diz que "foge da mão" do Poder Executivo. "Não adianta um governante começar a dizer que vai prender ou soltar todo mundo, porque ele não tem esse poder. O que define quem está preso ou quem vai para rua é a Lei", afirma.
Antes da SAP-SP, o coronel de 53 anos passou pelo comando da Polícia Militar paulista e da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Também atuou no COE (Comandos e Operações Especiais), no Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e esteve presente na invasão do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram mortos sob o argumento de que era necessário controlar uma rebelião.
Nos primeiros meses à frente da pasta, teve que lidar com holofotes por viabilizar a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), para um presídio federal. A medida motivou críticas do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que considerou absurdo manter o líder de uma facção criminosa a 6 km do Presidente da República.
Em sua gestão na administração penitenciária paulista, Restivo pretende trabalhar com um tripé: ampliar o sistema prisional com contratos com a iniciativa privada; aumentar o uso de videoconferência e dos postos de trabalho para presos. Sobre a privatização dos presídios, ele explica que a ideia inicial é que o Estado seja responsável pela "proteção da muralha e qualquer movimentação externa ao perímetro de contenção", já as questões de acomodação, mantimentos de higiene e saúde sejam delegados para a iniciativa privada.
Leia a entrevista abaixo:
ConJur — Ao assumir a pasta, o senhor disse que vai priorizar em sua gestão a ampliação e melhoria do sistema prisional. Como isso acontecerá?
Nivaldo Restivo — São três pontos básicos da gestão que coincidem com o plano de governo de João Doria. O primeiro deles é a ampliação e modernização do sistema prisional, que entendemos que a iniciativa privada pode contribuir bastante e é em busca disso que nós vamos trabalhar para poder aumentar o número de vagas e melhorar as condições das unidades prisionais de São Paulo. O segundo ponto é o incremento do uso da ferramenta de videoconferência, e o terceiro é buscar o aumento de postos de trabalho e de educação para o apenado.
ConJur — Como vai funcionar o modelo de prisões privadas? Quem vai se responsabilizar por mortes, rebeliões, doenças?
Nivaldo Restivo — Estamos em fase de diagnóstico para saber quais são as melhores práticas no país. Algumas funções do Estado são indelegáveis: é o Estado que tem o presídio construído e cede à iniciativa privada para fazer a gestão operacional do presídio. Outras podem ser delegadas para a iniciativa privada mediante contrato: a acomodação do preso para ele dormir na cela; a parte de alimentação, do uniforme, do kit de higiene pessoal, além de exigir atendimento médico, assessoria jurídica, dentre outros.
Tudo aquilo que estiver dentro da muralha entendemos que pode ser delegado para a iniciativa privada. O diretor da unidade será sempre um agente público e não privado. Teremos também a opção de exigir que a iniciativa privada tenha como se fosse um "espelho" deles ligado com o agente público. Então nós temos um diretor de unidade público e a iniciativa privada pode eleger alguém para se ligar com público no mesmo nível.
ConJur — Se a iniciativa privada descumprir algum ponto, o que o Estado vai fazer?
Nivaldo Restivo — Nós estabeleceremos indicadores para a iniciativa privada. Por exemplo, pode ser exigido que se a iniciativa privada não repor tudo de higiene para o preso de 15 em 15 dias, ela sofrerá penalidade. Qualquer problema que houver dentro da unidade, o restabelecimento da ordem é competência do Estado e não do particular. Se houver apuração onde eventual falta disciplinar administrativa do apenado, a apuração e aplicação de penalidade será feita pelo ente público.
ConJur — Há grande discussão sobre a redução da maioridade penal agravar o problema da superlotação dos presídios. O que pensa a respeito?
Nivaldo Restivo — Reduzir não é a solução, é uma maneira simplista de encarar o problema. Penso que o aumento do tempo da internação [de menores] é uma solução que precede a redução da maioridade — há algum tempo, o governo de São Paulo fez essa proposta para elevar para 8 anos. Reduzir de 18 para 16 anos ou de 18 para 14 anos não é uma solução definitiva e simples do problema. É certo que isso vai gerar uma superpopulação carcerária. Buscamos evitar que um apenado se torne um frequentador assíduo do sistema prisional e isso, ao meu ver, não é o que vai reduzir a incidência.
ConJur — O governo pensa em políticas para reduzir a população carcerária?
Nivaldo Restivo — A redução da superpopulação é algo que foge da mão do Executivo, porque um preso vai para uma unidade prisional quando ele pratica algum ato tipificado no Código Penal. É muito difícil o Estado querer aumentar ou abaixar o número de presos, porque o Executivo não domina esse processo do início ao fim. O Executivo fica com a parte da custódia do preso, após ele ter sido acusado e condenado por um crime.
ConJur — São Paulo tem a terceira população carcerária do mundo, o que o coloca na contramão dos países que buscam políticas de desencarceramento. O STF já reconheceu o "estado inconstitucional de coisas" do sistema carcerário brasileiro. Como conciliar o discurso que pede punição com a realidade que o senhor vai enfrentar?
Nivaldo Restivo — A pessoa vai presa porque pratica um fato típico punível, independe de discurso. Não adianta um governante começar a dizer que vai prender ou soltar todo mundo, porque ele não tem esse poder. O que define quem está preso ou quem vai para rua é a Lei. A alteração legislativa é o primeiro passo para minimizar uma política de encarceramento, sem isso não se dá o segundo passo.
Em São Paulo temos a CPMA, que é central de penas e medidas alternativas, uma possibilidade de oferecer ao juiz, ao apenado com crime de menor potencial naturalmente, poder prestar serviço à comunidade. São 76 centrais, mas, repito, isso guarda estreita relação com a natureza do crime, a gravidade do crime e a pena que é imposta. Para não encarcerar, precisa mudar o Código de Processo Penal, para encarcerar basta a pessoa cometer um fato típico previsto no Artigo 121, do Código Penal.
ConJur — Como tem sido o diálogo com outras instituições para o uso das videoconferências?
Nivaldo Restivo — Nossa intenção não é fazer tudo exclusivamente por videoconferência. Entendemos que, em alguns casos, a presença física é necessária. Queremos inverter a situação de excepcionalidade para a medida se tornar uma regra. Há limitação no artigo 185, parágrafo segundo, do Código do Processo Penal, que trata das circunstâncias excepcionais em que o juiz poderá fazer a videoconferência, justificando sua decisão.
Temos conversado com Defensória Pública, vamos levar o diálogo à Ordem dos Advogados do Brasil, conversamos com o Tribunal de Justiça de São Paulo e também manifestamos nossa intenção junto ao Ministério Público para mostrar as vantagens de fazer uma instrução criminal utilizando uma ferramenta importante como a videoconferência.
ConJur — Qual o principal fator para defender seu uso?
Nivaldo Restivo — Celeridade principalmente, mas há os riscos e os custos que justificam o uso da ferramenta para fazer a instrução de maneira adequada, observando todos os direitos inerentes à condição de preso.
No interior do estado, a SAP não tem a capilaridade para fazer as escoltas de movimentação de preso, então a Polícia Militar é que faz isso. Em 2018, a PM gastou R$ 54 milhões com escolta de preso. É um dinheiro que pode ser destinado a outras áreas do governo. O risco é dividido em duas vertentes: eventual ato criminoso, como a tentativa de resgate; e o risco de acidentes, que pode envolver o veículo do preso, o veículo da escolta ou ainda um terceiro usuário da via.
ConJur — Como será a integração com a Secretaria da Justiça?
Nivaldo Restivo — O órgão vinculado à Secretaria da Justiça que mais se assemelha à SAP é a Fundação Casa. Recebi recentemente um ofício do secretário da pasta, o ex-presidente do Tribunal de Justiça, Paulo Dimas Mascaretti, para fornecer dados sobre pessoas que ingressaram no sistema penitenciário e que passaram pela fundação.
A ideia é verificar de que maneira eles podem aperfeiçoar ou mudar a forma de trabalho na ressocialização, e evitar que o indivíduo saia da Fundação e, num período curto, seja incluído no sistema penitenciário paulista. As áreas de tecnologia da SAP e da Secretaria da Justiça estão conversando sobre o assunto para estabelecer um fluxo de informações.
ConJur — Quantos presos trabalham hoje para progressão de regime?
Nivaldo Restivo — Atualmente 25% dos presos trabalham para progressão, o que representa 59 mil presos [São Paulo tem 237.120 presos, conforme dados do CNJ].
ConJur — A ideia de aumentar esse total existe?
Nivaldo Restivo — Existe e é uma missão. Temos a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) que libera que pessoa física ou jurídica contrate o serviço da mão de obra carcerária. O dirigente da parte de trabalho da Fundação tem se esforçado para mostrar ao particular e ao público as vantagens de contratar mão de obra dessa natureza. Ela é relativamente barata em comparação ao mercado e não gera encargos patronais a quem contrata, são vantagens que só a mão de obra carcerária pode oferecer ao patrão. Aliado a isso, naturalmente, é bom para o preso que tem remissão da pena, a cada três dias trabalhado ele tem um dia a menos na pena.
ConJur — São Paulo dispõe de 100 mil vagas para 230 mil presos hoje no sistema. Quantos agentes prisionais SP tem na ativa? Qual seria o número ideal para ter o controle da massa carcerária?
Nivaldo Restivo — Os agentes são divididos em duas carreiras: o agente de escolta e vigilância penitenciária (AEVP), que faz a guarda em muralha e deslocamentos externos - são 6.500. E tem o agente de segurança penitenciária (ASP), que faz toda a movimentação intramuros - são 24 mil. Não vejo o aumento de efetivo como solução para controlar a massa carcerária. O que temos feito é usar a tecnologia para minimizar riscos dos colaboradores e aumentar a eficiência do trabalho.
ConJur — Pode citar alguns exemplos?
Nivaldo Restivo — Temos 145 unidades que fazem uso do body scanner, que é um equipamento que faz o escaneamento corporal para verificar se a visita, advogado ou qualquer pessoa que ingresse na unidade, está portanto objeto proibido, entorpecente, celular, ou arma branca. Além disso, temos drones para fazer a fiscalização no telhado das unidades, para ver se tem algo escondido; e a grande maioria das celas são automatizadas, então o funcionário não tem contato direto com o preso.
ConJur — Durante mais de 20 anos, o discurso oficial do governo foi de que não existem facções dentro dos presídios paulistas. Agora o governador foi eleito dando nome e sobrenome a essas facções, assim como o ministro Sergio Moro, em seu autointitulado "pacote anticrime". Como isso afeta seu trabalho?
Nivaldo Restivo — A mudança é conceitual, de nomenclatura. O preso que faz parte da facção criminosa hoje, já fez antes também independente do nome que se dê ao "bando criminoso" ao qual ele pertence. Naturalmente que nesse aspecto não há mudança alguma.
Não negamos a existência de "bandos criminosos" - que é o nome adequado a esse tipo de ajuntamento de pessoas criminosas -, mas o enfrentamento vai ser sem qualquer tipo de receio por parte do Governo de São Paulo, logo nos primeiros 40 dias já está demonstrado. Não afrontamos nada, mas entendemos que o Estado tem o dever de cumprir o seu papel e é isso que estamos fazendo.
A política adotada hoje pela SAP é por perfil de preso, procurando manter custodiado em unidade com grau de segurança maior os presos autodeclarados integrantes de uma organização criminosa. Assim, os iguais se entendem e ninguém cresce numa relação em que todos são iguais. Se colocarmos o preso vinculado a uma facção em uma unidade isenta da ação de facção, ele vai cooptar os outros.
ConJur — A conversa entre presos chefes de facções e seus advogados e familiares podem ser monitoradas? Existe previsão legal para isso?
Nivaldo Restivo — Isso pode ser feito desde que tenha autorização judicial. Qualquer outra captação de voz, dados ou de sinal telemático, sem autorização, é completamente fora de propósito.
ConJur — Durante muito tempo se evitou a transferência de presos para presídios federais. O que mudou?
Nivaldo Restivo — A gente não pode falar sobre o que nos antecedeu. O importante é dizer que uma movimentação dessa magnitude envolve vários órgãos e instituições. Na atual gestão do governo foram cumpridas as formalidades, oferecidas informações úteis para que a decisão a ser tomada fosse a mais correta, além de um planejamento minucioso com grau de sigilo nunca visto antes.
ConJur — A transferência dos chefes do PCC foi uma medida de grande repercussão. Quando acabar o prazo do regime disciplinar diferenciado, corre o risco dos presos voltarem a ser articular, não? Há preocupação neste sentido?
Nivaldo Restivo — Foram 22 transferidos, dentre eles sete envolvidos numa operação anterior já estavam no regime disciplinar diferenciado aqui em São Paulo. Os outros 15 serão custodiados em unidade federal por 360 dias, os primeiros 60 dias também serão no regime disciplinar diferenciado. Supondo que eles cumpram 60 e voltem para o regime comum, as dificuldades serão grandes, porque banho de sol não será junto com líderes de facção, as audiências são controladas, visitas são limitadas, feitas mediante uso de parlatório com telecomunicador. Temos mantido contato quase que diário com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), transmitimos a eles as informações dos custodiados, eles já sabem o perfil dos presos que estão recebendo e eles têm um sistema de inteligência capaz de detectar eventuais tipos de articulações desses presos com reflexos aqui em São Paulo.
ConJur — Como o senhor avalia a atuação da força nacional e da força-tarefa penitenciária nos presídios? É eficaz?
Nivaldo Restivo — Vejo com muito bons olhos essa iniciativa. É muito útil e importante. Sabemos que alguns estados têm dificuldade maior para poder fazer frente ao restabelecimento da ordem em determinadas unidade prisionais, e como parte de uma Federação, São Paulo tem uma responsabilidade como todos os outros estados em ajudar quem precisa. Saiu recentemente uma normatização sobre isso e São Paulo está disposto a ajudar sempre que for solicitado.
ConJur — O que pensa da ideia de unificação das polícias?
Nivaldo Restivo — É um modelo adotado em várias partes do mundo e que tem se demonstrado eficiente. Aqui no Brasil não penso em unificação, mas sim que a solução para melhorar a prestação de serviço passa necessariamente pela adoção do ciclo completo de polícia. São instituições com funções muito bem definidas na Constituição e muito diferentes também entre si.
É comum terem exemplos de algum país europeu em que a polícia é única. A polícia pode ser única, mas lá ela faz o ciclo completo de polícia: o policial previne quando ele constata um crime, prende, e ele leva a presença do juiz. Não dá para pegar modelo pronto, de um lugar muito diferente, e transplantar para o Brasil.
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