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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Mulheres compartilham histórias dolorosas sobre esconder menstruação no trabalho

ISABELLA CARAPELLA

A menstruação é um fato da vida. Por que é tão difícil encará-la no trabalho?

“Se homens ficassem menstruados, nem estaríamos tendo esta conversa."
HuffPost Brasil
By Jamie Feldman, HuffPost US
01/04/2019
A estrada que leva à revolução menstrual é pavimentada com absorventes. Externos e internos. Quando há absorventes disponíveis.
Ter um emprego e ficar menstruada são duas coisas que fazem parte da realidade de muitas pessoas. Experiências como essa vêm acompanhadas de dificuldades e obstáculos – especialmente quando ocorrem simultaneamente.

Há a experiência de ir até o toalete com um absorvente interno escondido na manga de uma blusa, por exemplo, ou até o processo desagradável de amassar grande quantidade de papel higiênico para usar como proteção improvisada quando você é pega desprevenida, sem falar na agonia de encarar cólica menstrual em um local de trabalho em que a empatia não existe.
Em um esforço para iniciar uma conversa aberta e franca sobre como as mulheres vivem essa experiência, o HuffPost US ouviu dezenas de relatos de mulheres – alguns dolorosos, outros hilários.
Esses relatos deixam claro uma coisa: ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Lidando com a dor mental (e física) da menstruação no trabalho



NATALIA LAVRENKOVA VIA GETTY IMAGES

Constrangimento e desconforto são apenas duas das potenciais consequências negativas que as mulheres sofrem quando ficam menstruadas no trabalho.  

Jenn, 42, trabalha para um banco. Ela descreve seu local de trabalho como “um ambiente tipicamente antiquado”.
“Imagine um monte de homens de terno, muitos deles mais velhos”, disse Jenn, que pediu para ser citada apenas pelo primeiro nome para não ser identificada por seus colegas.
“Tenho que participar de reuniões com homens, enfrentando cólica, dor de cabeça, dor nas costas e jorros repentinos de sangue saindo de mim”, ela disse. “Enfrentar a menstruação não é divertido mesmo quando você está no seu sofá em casa. Encarar a menstruação sentada numa sala de conferências, usando vestido, meia-calça e salto de dez centímetros? É um inferno.”
Jenn diz que a empresa não faz nada para facilitar a experiência.
“Nem sequer temos absorventes externos ou internos disponíveis no banheiro da empresa para quando a menstruação chega inesperadamente e não estamos preparadas”, ela contou.
“Eu entendo que os homens não gostariam de me ouvir falando abertamente sobre menstruação. Mas sonho com um mundo em que eu possa sair sem constrangimento de uma sala de reunião porque preciso trocar de absorvente. Posso sonhar com a ideia de não ser vista como fraca porque estou com cólicas tão fortes que preciso faltar ao trabalho.” 
A quantidade de olhares incrédulos ou irônicos e de comentários humilhantes que já recebi durante minha vida profissional e acadêmica é simplesmente absurda.
D., 38
Monica, de 48 anos, que também pediu para seu sobrenome não ser divulgado, contou que teve uma experiência especialmente infeliz quando foi à sede corporativa de sua empresa para uma reunião importante.
“Parecia uma cena de crime. Eu estava tentando limpar tudo e não deixar que pingasse sangue no chão. Terminei de inserir o absorvente interno e ele já estava cheio de sangue – e escorregadio”, lembra.
“Ele caiu da minha mão, rolou para fora da minha cabine e foi parar em cima do sapato da mulher que estava ao lado. Tentei pegar de volta rapidamente, mas fiquei morrendo de vergonha. Só me restou pedir desculpas a ela.”
A nova-iorquina D., de 38 anos, que não quis que seu nome fosse publicado por razões de privacidade, disse que sofre de endometriose e que isso a coloca em situação ainda mais difícil quando fica menstruada no trabalho.
A endometriose é uma desordem em que o tecido que deveria revestir o útero, na verdade, cresce fora do dele. Um dos muitos sintomas da doença é a dor, que se manifesta mais intensamente durante a menstruação.
“A quantidade de olhares incrédulos ou irônicos e de comentários humilhantes que já recebi durante minha vida profissional e acadêmica é simplesmente absurda”, disse D. “São comentários tipo ‘é apenas cólica, não faça tempestade em copo d’água’ até ‘eca, você está menstruada de novo?’. Eu daria risada, só que é doloroso e traumatizante.”
D. receia que, se faltar ao trabalho por motivos médicos devido à endometriose, isso possa afetar seu status no trabalho. E ela teme que as pessoas pensem que ela está fingindo a dor.
“É emocional, física e mentalmente exaustivo ter que explicar que é uma doença, que é de verdade e que ocorre todo mês”, disse D.
Constrangimento e desconforto são apenas duas das potenciais consequências negativas que as mulheres sofrem quando ficam menstruadas no trabalho.
Em 2016, Alisha Coleman trabalhava em Forte Benning, Geórgia, como telefonista do número de emergência 911. Em um determinado mês, sua menstruação veio de forma muito intensa e, por isso, inesperada.
Por duas vezes o sangue vazou, sujando sua cadeira. Ela foi demitida por isso. A União Americana de Liberdades Civis (Aclu) interveio quando o processo que Coleman moveu contra seus empregadores foi rejeitado por um tribunal distrital. O processo acabou sendo resolvido por acordo judicial.
Aclu disse ao HuffPost US que não pode comentar detalhes do caso, mas, em seu site, disse que Coleman sofreu “discriminação ilegal no trabalho”.

Acabando com o estigma de ‘sangrar’ no trabalho



ALEXMIA VIA GETTY IMAGES

Há também o fato de que absorventes não são classificados como produtos essenciais cobertos pelos gastos flexíveis ou até benefícios da empresa.

Parece que um dos melhores lugares para trabalhar se você é alguém que menstrua é em uma empresa que vende produtos para menstruação.
Natalie Lam é gerente de mídias sociais da Natracare, empresa sediada no Reino Unido.
Ela disse que seu escritório oferece às funcionárias produtos menstruais, bolsas de água quente e frutas que combatem cólicas – e que não há estigma ou constrangimento em falar desse assunto.
Na Knix, uma marca de produtos íntimos que vende calcinhas à prova de vazamentos, também existe o desejo de criar uma cultura sobre o assunto.
“Esse é um tema que é comentado quase diariamente. Queremos que todos contribuam”, disse ao HuffPost US a fundadora e CEO da empresa, Joanna Griffiths.
Griffiths contou que foi recebida com muitos olhares de perplexidade quando lançou a marca, em 2013. “Ainda há muita gente a quem o conceito de calcinhas à prova de vazamentos incomoda muito.”
“Quando eu estava tentando encontrar capital para a empresa, ouvi de muitas pessoas que essa é uma categoria ‘de nicho’. Quer dizer que menstruação e a incontinência urinária, que afeta 1 em cada 3 mulheres, são coisas de nicho?”
Muita gente diz ‘se vamos oferecer absorventes, vamos ter que dar camisinhas também?’. Eu falo: ‘Não. Ter relações sexuais é uma escolha. Ficar menstruada não é.’ Se os homens menstruassem, sequer estaríamos tendo esta discussão.
Nancy Kramer, fundadora da ONG "Free The Tampons"
Griffiths disse que falar abertamente sobre menstruação representa um grande passo para que esse assunto deixe de ser estigmatizado.
“É importante reconhecer que a menstruação é diferente para cada mulher e que para algumas pode ser dolorosa até o ponto de deixá-las debilitadas. Isso é mais importante ainda no caso de mulheres com síndrome de ovário policístico e outras questões médicas”, ela comentou, destacando que receber apoio no trabalho – incluindo a possibilidade de faltar – é crucial.
Mas a ideia de licença-menstruação, que permitiria às mulheres faltarem ao trabalho quando estão menstruadas sem que isso seja contado como faltas por motivo médico, é vista por alguns como controversa.
Disponibilizar produtos menstruais em seus banheiros é o máximo que muitas empresas hoje parecem estar dispostas a fazer para atender às necessidades de suas funcionárias menstruadas. Algumas pessoas que escreveram ao HuffPost elogiaram seus locais de trabalho por fornecerem esses produtos.
Nancy Kramer torce para que algum dia isso deixe de ser visto como algo especial ou elogioso. Ela é a fundadora da ONG Free the Tampons, para a qual “todo banheiro fora de casa deveria fornecer artigos gratuitos”.
Kramer se interessou pela ideia quando visitou a sede da Apple, em 1982.
“Foi a primeira vez que entrei num banheiro que tinha absorventes externos e internos à disposição”, lembra. “Pensei na mesma hora ‘por que é que todo banheiro público não tem isso?’. Imediatamente instituí isso na minha própria empresa e incentivei várias outras a fazerem o mesmo.”
Kramer conta que muitas pessoas resistiram à proposta e se queixam, dizendo que fornecer produtos menstruais gratuitamente teria um custo alto.
“O que constatamos na minha empresa é que o custo para a empresa é de US$ 4,67 (o equivalente a cerca de R$ 18 reais) por funcionária ao ano”, ela contou. “Isso não é nada. Quando as pessoas perguntam ‘quem vai pagar por isso?’, eu digo: ‘quem já paga pelo papel higiênico’.”
Outras pessoas, segundo ela, argumentam que, se as empresas começarem a oferecer absorventes, terão que começar a oferecer outros produtos também.
“Muita gente diz ‘se vamos oferecer absorventes, vamos ter que dar camisinhas também?’. Eu falo: ‘Não. Ter relações sexuais é uma escolha. Ficar menstruada não.’ Se os homens menstruassem, sequer estaríamos tendo esta conversa.”  

Buscando mais do que a aceitação justa 



LEXCOLLECTION VIA GETTY IMAGES

Algumas pessoas argumentam que, se as empresas começarem a oferecer absorventes, terão que começar a oferecer outros produtos também.

Há também o fato de que absorventes não são classificados como produtos essenciais cobertos pelos gastos flexíveis ou até benefícios da empresa.
“Um ciclo menstrual regular é indicativo de uma função corporal normal, razão por que a Receita não enxerga produtos de higiene como artigos ‘de tratamento médico’”, diz um blog post de julho de 2018 no site governamental FSA, explicando por que estes produtos não são vistos como “necessários”.
Se você está gritando “mentira!”, saiba que não é a única.
A deputada democrata Grace Meng, de Nova York, combate as desigualdades relacionadas à menstruação há anos e hoje está lutando para conseguir que absorventes internos e externos sejam reconhecidos pela legislação.
No ano passado, a Câmara dos Deputados norte-americana aprovou uma versão de seu projeto de lei, mas ele está parado no Senado. Meng pretende reapresentar a media em breve, como parte de um projeto de lei mais amplo.
“Estamos falando em artigos necessários e essenciais, críticos à saúde e ao bem-estar das mulheres”, ela disse. “Se as pessoas podem usar verbas para coisas como ataduras e muletas, também deveriam ter direito de usá-las para comprar produtos de higiene menstrual. Chegou a hora de isso acontecer.” 
Como funciona no Brasil
Desde 2016, na Câmara dos Deputados, circula um projeto de lei de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), que quer permitir afastamento do trabalho por até três dias ao mês durante o período menstrual.
Mas o projeto afirma que, posteriormente, essas horas não trabalhadas poderão ser exigidas pelo empregador, “para que não haja prejuízo para a empresa”. A medida quer acrescentar um artigo à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), na parte sobre trabalho da mulher.  

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