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domingo, 21 de abril de 2019

No Calvário, enquanto Jesus agonizava, nasceu o primeiro movimento de resistência feminina


Cristãs durante missa na Sexta-feira Santa, em Lahore, Paquistão.
Cristãs durante missa na Sexta-feira Santa, em Lahore, Paquistão.  AP


Foi em um lugar considerado infame, chamado Gólgota (“lugar das caveiras”) ou Calvário, nos arredores de Jerusalém − no qual os condenados à morte pelos romanos eram deixados nus para agonizar, pregados no que se chamava de “estaca de tortura”, hoje chamada cruz −, que surgiu um dos primeiros movimentos de resistência feminina da História.

Foi naquele terrível lugar de tortura que o judeu Jesus foi conduzido à morte, após ter sido condenado pelo governador da província da Judeia, Pôncio Pilatos. Os romanos, em conivência com algumas das altas autoridades religiosas judaicas, acusavam Jesus de ser um subversor da ordem. Seu crime era estar sempre rodeado por pessoas que o poder desprezava, como leprosos, endemoniados, prostitutas e pescadores incultos.
E foi aos pés da estaca de tortura em que Jesus agonizou, no meio de uma terrível crise de solidão que o fez exclamar “meu Deus, por que me abandonaste?”, que nasceu o primeiro movimento de resistência das mulheres −, que caracterizaria o início do primeiro cristianismo, nascido do judaísmo. Nele, as mulheres foram as protagonistas, até que o apóstolo Paulo, chamado de “o postiço” porque não havia conhecido Jesus e foi um convertido posterior, decidiu retirá-las da esfera do poder, que seria só masculino. As mulheres estariam “subordinadas ao homem” em tudo, dentro e fora da Igreja.
No entanto, a semente da resistência feminina continuou viva. Dois mil anos depois, ela volta a erguer a cabeça fora e dentro da Igreja. Tudo começou durante o drama da paixão, quando os apóstolos, desiludidos ao ver seu líder, de quem esperavam um reino melhor, ser crucificado como um malfeitor qualquer, esconderam-se com medo de que também fossem perseguidos.
E foi naquele momento que, diante dos apóstolos, todos homens, amedrontados, um punhado de mulheres lideradas por Maria Madalena, entre as quais estava também a mãe de Jesus, decidiu desafiar o poder e ficou ao lado do crucificado durante toda a agonia. Além disso, passado o sábado, que era de descanso total para os judeus, no domingo, “antes de amanhecer”, Maria Madalena saiu, sem medo, rumo ao Gólgota para ver onde tinham enterrado Jesus.
Os quatro evangelhos diferem às vezes sobre o grupo de mulheres valentes que desafiaram tudo para estar ao lado do crucificado. Mas todos eles sempre mencionam Maria Madalena como a líder do grupo. E foi para ela que Jesus apareceu primeiro, antes de aparecer para os apóstolos. É algo que sempre atormentou um dos mais famosos pais da Igreja, São Tomás de Aquino, que se perguntava, desconsolado, por que Jesus, que tinha criado uma comunidade de apóstolos, todos homens, teve de aparecer para uma mulher. Sobretudo quando, na cultura judaica daquela época, a mulher não podia nem estudar as Escrituras nem ser testemunha confiável em um julgamento. E se a mulher era descoberta em adultério, era condenada à morte por lapidação. O homem, não.
Assim, quando Maria Madalena, que na teologia moderna aparece cada vez com maior credibilidade como esposa de Jesus, mandou dar a Pedro, que estava escondido, a notícia de que Jesus havia ressuscitado, o discípulo não acreditou. Só quando Jesus começou a aparecer também para os outros apóstolos é que eles perderam o medo, e todos acabaram dando a vida pelo Mestre.
No entanto, já era tarde. As mulheres continuaram com seu movimento de resistência, conscientes de que tinham sido elas e não os apóstolos, nem mesmo Pedro, as primeiras a saber que Cristo tinha ressuscitado e estava vivo. Mas foi ainda no início do cristianismo que as mulheres acabaram relegadas a um segundo plano e teve início uma operação de desconstrução do poder feminino que dura até hoje. Foi nessa operação de relegar a mulher a um segundo plano, de mera ajuda aos homens, que a Igreja confundiu Maria Madalena com uma das prostitutas do Evangelho, e manteve esse erro até pouco tempo atrás.
Certamente, se a operação de desconstrução do poder feminino na Igreja tivesse fracassado, hoje o cristianismo seria diferente, livre do machismo que o invade. Até quando se perpetuará essa injustiça? Talvez não fosse necessário nenhum milagre como no Gólgota com Madalena. Bastaria que um grupo de cardeais decidisse escandalizar a ortodoxia e elegesse uma Papisa, com todos os poderes. Seria a vingança de Madalena, que repetiria a loucura do Gólgota sendo a primeira testemunha de que Jesus continuava vivo. Hoje, parece que ele morreu de novo. O que realmente morreu é a presença que, pela história e pela fé, a mulher deveria ter tido no cristianismo.
Lembro-me de uma das viagens do papa João Paulo II aos Estados Unidos. Uma religiosa o encarou, recordando-lhe a injusta discriminação que a mulher, protagonista no primeiro cristianismo, sofre hoje na Igreja. O papa polonês lhe recordou que, na Igreja, o lugar da mulher é “de joelhos diante da cruz”. Ele se esqueceu de que, de joelhos ou de pé, foi justamente aos pés de Jesus crucificado que nasceu o primeiro movimento de resistência da mulher na Igreja.
Feliz Páscoa da ressurreição a todos, crentes ou não. Todos nós precisamos de novas ressurreições pessoais e comunitárias. E do amor real ou simbólico de Madalena.
Como escreveu a poeta brasileira Roseana Murray na apresentação do meu livro Madalena, o Último Tabu do Cristianismo (editora Objetiva, Rio de Janeiro):
“O amor é o jogo maior,
o jogo mágico que se joga,
com pedras sagradas”.

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