Num hospital próximo à zona onde o califado desvanece, 75 bebês, filhos de jihadistas mortos ou confinados em campos de deslocados, lutam para sobreviver
NATALIA SANCHA
Busayrah (Síria)
El País
“Cuidem dos meus filhos porque, mesmo que eu morrer, eles são as sementes do califado”, foram as palavras que uma jihadista disse à enfermeira-chefe. E as pronunciou apontando para os berços onde 75 crianças de combatentes do Estado Islâmico (EI) lutam para sobreviver num hospital curdo no nordeste da Síria. São os bebês nascidos no reduto do califado, o vilarejo de Baguz, palco da última batalha empreendida contra o EI pelas milícias curdo-árabes no deserto sírio, perto da fronteira com o Iraque. De traços asiáticos, africanos e europeus, os bebês foram evacuados dos campos de acolhida para membros do EI onde agora estão suas mães, procedentes do mundo inteiro, que responderam ao chamado do líder do autoproclamado califado, Abu Bakr al-Baghdadi, para que povoassem o novo território. Alguns bebês são órfãos, mas outros recebem visita de suas mães, que vivem nos campos de refugiados.
Quase nenhum desses bebês tem mais de três anos. Todos aparentam ter poucos meses. Como são estigmatizados por serem descendentes do EI, sua mera existência representa um desafio para as nações de origem dos pais. Alguns países optaram por repatriar os órfãos ou permitir o retorno; outros não se responsabilizam por crianças que, sentadas no berço, não lançam palavras de ordem jihadistas, e sim respirações roucas, tosses sonoras e choros arrepiantes.
Quase nenhum desses bebês tem mais de três anos. Todos aparentam ter poucos meses. Como são estigmatizados por serem descendentes do EI, sua mera existência representa um desafio para as nações de origem dos pais. Alguns países optaram por repatriar os órfãos ou permitir o retorno; outros não se responsabilizam por crianças que, sentadas no berço, não lançam palavras de ordem jihadistas, e sim respirações roucas, tosses sonoras e choros arrepiantes.
Dezenas de pares de olhos sobressaem de caras amareladas com cabeças raspadas, algumas com pontos de sutura, outras queimadas. Tais cicatrizes são as únicas marcas que se observam nesses meninos que sobreviveram à guerra. No maior berço da sala, três bebês permanecem sentados com os olhos bem abertos, imóveis, em silêncio, mas vigilantes. Não choram, não gemem, não reagem aos mimos. As crianças, com braços ossudos, debatem-se entre a vida e a morte com uma via conectada. Como também fizeram, sem sucesso, os 123 bebês mortos desde dezembro nessa zona por desnutrição, hipotermia ou problemas respiratórios.
Maya é o pseudônimo escolhido pela enfermeira que lidera uma equipe de 12 cuidadoras e outras três sanitaristas. Elas ainda têm medo do EI. “Muitos jihadistas fugiram dos campos e temos medo de que venham aqui em busca de vingança pelas crianças mortas”, dizem as profissionais, pedindo que o nome do centro de saúde não seja mencionado. Uma mulher, que afirma se chamar Meriam el-Ali e ser norueguesa de origem somali, entra na sala. Por trás do niqab e com um inglês fluente, uma desafiante voz exige cuidados para seu sobrinho, um bebê de aspecto triste e longos cílios. O olhar de desprezo que as cuidadoras lhe destinam é intensíssimo. “Fazemos um grande esforço para manter dezenas de milhares de pessoas do EI nos campos e prisões com recursos limitados, cuidando dos nossos próprios feridos e assumindo a restauração da infraestrutura e os custos da guerra”, protesta um oficial das forças de segurança curdas. “O que pedimos é que seus países de origem se responsabilizem.”
“Seja qual for o crime que seus pais tenham cometido, as mais de 3.500 crianças estrangeiras que esmorecem nos diferentes campos do nordeste da Síria são claramente vítimas inocentes do conflito e deveriam ser repatriadas aos países de origem para garantir sua segurança e bem-estar”, diz por e-mail Paul Donohoe, porta-voz da ONG Comitê Internacional de Resgate (CIR), que trabalha nos campos de refugiados no nordeste da Síria. “Já ultrapassamos a marca das 75.000 pessoas”, afirma, por telefone, um funcionário do campo de At Hol. A ONG Save the Children estima em 40.000 o número de menores nesse centro; 250 deles estão desacompanhados, segundo o CIR.
Minúsculas pulseiras azuis e rosas identificam o sexo dos bebês com seus nomes gravados. No berço número 15, lê-se apenas mahjul (desconhecido, em árabe). “Há pelo menos 20 órfãos nas duas salas”, calcula Maya. De todos eles, o bebê sem nome é o único que consegue esboçar um sorriso.
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