Mais mulheres no poder significa ter maior diversidade de perspectivas, o que é primordial para uma sociedade mais justa e igualitária
A ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) publicou em 2018 que, dos 9,5 milhões de empregados diretos e indiretos na indústria da moda no Brasil, 75% são de mão de obra feminina, e no mundo 85%, de acordo com a OIT (Organização Mundial do Trabalho). Quando revertemos esse número para mulheres em posição de liderança, estima-se que representem somente 15% da força de trabalho.
Essa contradição é explicada pela cultura profundamente enraizada de que as mulheres são seres inferiores, sendo assim, menos capazes que os homens.
Enquanto na História o homem sempre triunfou como herói de guerra ou criador do capitalismo, as mulheres tiveram que lutar para provar que, como seres humanos, merecem mais do que ser apenas responsáveis por tarefas domésticas e pela criação de seus filhos.
Enquanto na História o homem sempre triunfou como herói de guerra ou criador do capitalismo, as mulheres tiveram que lutar para provar que, como seres humanos, merecem mais do que ser apenas responsáveis por tarefas domésticas e pela criação de seus filhos.
O grande marco na história da indústria da moda que começou a reverter esse cenário foi a Primeira Guerra Mundial: os homens tiveram que ir para a frente de batalha, causando a necessidade da mão de obra feminina nas fábricas. Durante esse momento, vemos a luta das ativistas que se mobilizaram pelo direito feminino à participação política, conhecidas como sufragistas. Na Europa do início do século XX, a causa das sufragistas se misturava com o movimento operário, atuando contra a exploração dos trabalhadores. Contudo, mais de um século após o Sufrágio Universal, ainda vemos a continuação da disparidade de gênero apesar do contexto contemporâneo em que vivemos.
Atualmente, a desigualdade de gênero na moda pode ser percebida de várias maneiras. Quando pensamos que a mulher representa 15% das lideranças, entendemos que quem toma as decisões são majoritariamente os homens, apesar de as mulheres ainda serem as maiores consumidoras. Designers, editores de moda, donos de fábrica: são eles que fazem as regras.
Mesmo estudando mais que os homens, se dedicando mais tempo às tarefas domésticas, e muitas vezes criando sozinhas seus filhos, as mulheres, quando conseguem ocupar cargos de liderança, recebem salários inferiores ao dos homens. Até quando vamos viver a crença de que existem seres humanos superiores intelectualmente enquanto outros nascem para mão de obra?
Em pleno século XXI não conseguimos acabar com a arrogância euro-falo-centrista, que se manifesta desde as cidadezinhas interioranas às grandes metrópoles do mundo. O que está ao nosso alcance para transformar essa realidade? Como consumidores ou trabalhadores da indústria, o poder está em nossas mãos. Se você está comprando um produto que você sabe sob quais condições foi produzido, você está pensando nos direitos das mulheres. Se você está pagando salários equivalentes para seus funcionários, independente do gênero, você está pensando nos direitos das mulheres. O primeiro passo para contribuirmos para essa luta é a informação. Nos interessarmos pelo processo de produção, cobrarmos transparência das marcas as quais vestimos, termos consciência sobre a história que nossas roupas contam são maneiras de exercemos nosso poder pela mudança.
Em 2013 ocorreu outro marco na história da moda, quando colapsou a fábrica Rana Plaza em Bangladesh, causando mais de mil mortes e deixando 2500 feridos. Estava mais claro do que nunca que a falta de responsabilidade dos empresários e dos governos causa a total perda de controle do que é feito através da terceirização sem rastreabilidade. Assim surgiu o movimento global Fashion Revolution, incentivando as pessoas a espalharem informação e cobrar transparência na cadeia de moda. A mensagem principal do movimento é que os trabalhadores devem ser celebrados, e não escondidos nos fundos das fábricas. Através dessa premissa conseguimos trazer nosso olhar para os direitos humanos desses trabalhadores, e também ambientais, que impactam diretamente na nossa qualidade de vida e no futuro do planeta.
Políticas públicas
Outro pilar de transformação na moda é o de políticas públicas. Brechas nas leis e a falta de fiscalização abrem espaço para que direitos humanos e ambientais sejam desrespeitados, assim colocando os trabalhadores em posição de vulnerabilidade. A Comissão de Estudos em Direito da Moda da OAB de São Paulo realiza estudos exatamente no sentido de produção e adequação de legislações para o setor. Ao mesmo tempo, a Comissão faz parcerias para estimular o crescimento da indústria de moda e têxtil no Brasil, que possui o quarto maior parque produtivo de confecção, o quinto maior produtor têxtil do mundo, com quase 200 anos de existência, e é o segundo maior empregador da indústria de transformação, com faturamento de 37 bilhões de dólares em 2016, de acordo com a ABIT.
Para que as políticas públicas sejam efetivamente justas, é extremamente importante que tenhamos um número maior de mulheres ocupando cargos políticos, para que seja colocada em pauta a garantia de nossos direitos vindo do nosso lugar de fala. Em 2018, surgiu o projeto A Candidata, que se dedica a aumentar a representatividade das mulheres na política e mostrar como nós podemos impactar na estrutura machista quando eleitas. O projeto, através de uma rede de apoio, visa estimular mulheres que ainda tenham dúvidas sobre o seu potencial eleitoral, construindo assim mais lideranças femininas nas eleições. Mais mulheres no poder significa ter maior diversidade de perspectivas, o que é primordial para uma sociedade mais justa e igualitária.
Já entendemos que somos as maiores consumidoras, as que produzem, as que estão por trás e na linha de frente da moda, mas o poder de decisão ainda não é nosso. Se somos 80% da mão de obra, nós somos a força. Existem muitos movimentos de empoderamento feminino idealizados por mulheres que não se conformam com a falta de representatividade não só da moda, mas em estruturas de poder geral. O projeto More Girls é um exemplo de união de mulheres que querem ter suas vozes ouvidas. Através do mapeamento de talentos femininos na área da comunicação e criação, o projeto fomenta a maior representatividade feminina para que todos possam conhecer e valorizar as criativas do país. Para que isso aconteça, o More Girls incentiva que as agências assumam a meta de ter 50% de mulheres na criação até 2020, e que seus clientes também cobrem por esse posicionamento, que os recrutadores entrevistem 50% de mulheres e a imprensa entreviste pelo menos uma criativa por edição.
São muitos os caminhos que podemos trilhar para sermos agentes ativos nas mudanças que queremos ver no mundo. A partir do momento em que exigirmos respeito e igualdade e nos unirmos para isso, a vitória será nossa. Mulheres da moda, uni-vos!
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