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quarta-feira, 17 de abril de 2019

Conversa franca sobre sexualidade

A partir do momento que se cria expectativas sobre o órgão genital de um bebê que vai nascer, você vive a educação sexual


Sexualidade não é sobre fazer sexo: sexualidade é sobre refletir o estar no mundo tendo nascido com um pênis ou uma vagina e todas as experiências subjetivas a partir de pressões sociais (e o que ela reflete na percepção do indivíduo) que vem daí.
Explico melhor: salvo casos específicos, todo mundo nasce com uma vagina ou um pênis. Só o fato de se descobrir que um feto tem um pênis ou uma vagina já provoca nos pais e pessoas ao redor todo um comportamento específico de acordo com o órgão genital do ser humano na barriga da mãe.

Se tem vagina, vamos já colocar brinco, comprar os laços e roupas de cores específicas. Já o ter pênis desperta outras coisas, desde falar do tamanho da bolsa escrotal do feto – que só pode ser vista ainda no ultrassom – a comprar camisas de futebol, carrinhos e coisas para macho. Isso acontece nas melhores famílias.
Mas não quer dizer que não precise de uma reflexão. Falei só do estético, mas há o comportamento. A menina tem que ser comportada, fechar as pernas, não pode agir igual a um moleque e por aí vai. O menino, firme, forte, ser provedor, não ser mole.
É difícil falar disso em um texto porque são comportamentos que acontecem ao longo do processo de vida de um ser humano e são tidos como naturais. Ou seja, uma menina de 12 anos deve ter ouvido coisas parecidas diversas vezes nos seus 4.380 dias de vida e nem se dado conta cognitivamente.
Sobre o ter um pênis posso falar melhor, porque tenho um, mas nunca me consegui encaixar muito no que se espera de um macho. E isso veio muitas vezes de mim mesmo: não foram poucos os momentos que já me peguei controlando a posição da minha mão para não parecer tão feminino assim. 
A pressão social do “como se comportar quando você tem pênis” é tamanha que afeta não só o indivíduo, mas outras pessoas. Afetou tanto que foi sugerido por alguém da minha escola que eu fosse para uma aula de judô, dada por um psicólogo, por causa da minha forma de estar no mundo (a minha sexualidade, como defini no primeiro parágrafo). Isso com 8, 9 anos, não me lembro (início dos anos 90).
Na outra semana estava eu, sentado em um tatame, com outros meninos que também tinham um jeito que socialmente se espera mais do feminino, alguns deles eu já conhecia. Ou seja, minha delicadeza foi percebida, minha falta de jeito pro futebol, meus desenhos floridos e ao invés de ser levado para o positivo e ter um incentivo a continuar a desenhar, a representar, a dançar, fui visto como alguém que estava fora dos padrões sociais do ter pênis. 
Claro que pode parecer um caso “extremo”, mas talvez quase todo mundo tenha um caso extremo assim. Mas pouco se fala, porque falar das nossas experiências como homem ou mulher parece ser quase proibido. Só que os estereótipos ainda estão nas conversas das pessoas.
Outro dia uma criança me falou que um cachorro late para ela porque ele é macho e está demarcando território. Claramente, a repetição da fala de um adulto. De onde vem essa ideia de que o cachorro macho demarca o território e, por isso, é agressivo? O da minha casa, macho, quase não late para ninguém, lambe todo mundo e se deixar senta no colo de qualquer um que aparecer. Então, ele não é macho? A cachorra da minha tia, fêmea, não pode bater um vento que começa a latir. Então ela, por não demarcar território, não é fêmea?
Acho engraçado (para não dizer um pouco hipócrita) esse auê todo em relação à educação sexual e aos estudos de identidade de gênero como se eles nunca estivessem presentes na vida de cada ser humano que saiu da barriga de uma mulher. 
A partir do momento que se cria expectativas sobre o órgão genital de um bebê que vai nascer, você vive a educação sexual. A partir do momento que a aula de educação física é dividida entre homem e mulher, os homens jogam futebol e as mulheres fazem tudo menos jogar futebol, você vive o gênero.
O que a pesquisa em educação sexual e gênero quer é que as experiências subjetivas de cada ser humano não sejam toda hora boicotadas por causa de uma pressão social do que é ser homem ou ser mulher. Isso é sexualidade. Não é fazer sexo, não é incentivar ao sexo. É estar bem no mundo, sendo quem você é – e ser quem você é (homem e mulher) não deve definir o que você deve ou não deve fazer.

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