Escola da Sustentabilidade venceu drogas e violência
POR VAGNER DE ALENCAR
Ele já escalou as montanhas da Guatemala. Surfou nas praias de El Salvador, México, Canadá e Havaí. Também pedalou nas trilhas das costas do Pacífico Norte. Não estamos falando de um atleta profissional. Na verdade, esses são alguns hobbies de Tom Horn, norte-americano de 44 anos, que coleciona vitórias não na prática de esportes, mas na educação. Atualmente, ele é diretor da The Kennedy High School, no estado do Oregon, nos Estados Unidos, instituição de ensino médio que, por anos, foi famosa por acolher os alunos mais problemáticos, tornando-se um ambiente marcado pela violência e pelas drogas. Hoje, sob o comando de Tom, a “escola da sustentabilidade” desenvolve um modelo inovador de ensino, com foco em um currículo totalmente sustentável e integrado à comunidade.
Tom assumiu, em 1998, uma desafio tão grande quanto as montanhas já escaladas por ele: administrar um colégio cujos alunos com baixo rendimento que não haviam sido bem-sucedidos em outras escolas. Sua receita foi unir educação e sustentabilidade. Na Kennedy High, os alunos passaram a dividir seu tempo entre a sala de aula e atividades de campo, como o cultivo de hortas, a criação de abelhas, a avaliação da qualidade das águas dos rios, o plantio de árvores, entre outras práticas. O resultado: médias de avaliação, que ultrapassaram a maioria das escolas da região, e um profundo engajamento entre escola e comunidade. A escola, com um currículo que prepara jovens para se tornarem líderes na área da sustentabilidade, tem hoje uma fila de espera de cerca de 200 interessados.
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crédito Kennedy School |
Se Tom usa um modelo inovador de educação, muito pode ser justificado por sua própria história. Nascido em Eugene, no estado do Oregon, nos Estados Unidos, ele é filho de mãe solteira e criado em uma comunidade hippie. Na década de 1970, período tumultuado devido à guerra do Vietnã, Tom, então com 14 anos, se mudou para o Havaí, onde se apaixonou pelo surfe.
Aos vinte e poucos anos, já casado, sua esposa o incentivou a dividir seu tempo entre o surfe e a faculdade. Foi então que começou a estudar Literatura Inglesa na Universidade do Oregon. Quando viajava pela Guatemala, no outono de 1994, decidiu ainda ser voluntário em uma escola de ensino fundamental. Tomou tanto gosto pela docência que, assim que terminou a graduação, partiu para o mestrado em Educação Especial, especializando-se em Ciências do Comportamento. Deu aulas em escolas públicas por uma década até cursar outra especialização. Durante a pós-graduação em Liderança Educacional, Tom decidiu se candidatar ao cargo de diretor da então problemática The Kennedy High School, na cidade de Cottage Grove, no estado do Oregon.
Quando e como a escola Kennedy surgiu em sua vida?
Adorava ensinar, tanto que a ideia de deixar a sala de aula para me tornar diretor parecia não ser tão prazerosa. Mas a minha grande questão era transformar a realidade da escola. A Kennedy High recebia alunos que não haviam sido bem-sucedidos em outras escolas, que tinham taxas de rendimento terríveis. Quando cheguei, percebi que as escolas, em geral, estavam cada vez menos preocupadas em trabalhar junto com a comunidade. As crianças acabavam não fazendo parte daquela cidade como faziam nas gerações anteriores. Percebendo isso, acreditei que poderia “reinventar a escola” por meio da sustentabilidade.
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crédito Kennedy High School |
Quando a escola Kennedy passou a se tornar sustentável?
Existia uma grande necessidade de criar um novo modelo para educar os jovens da comunidade. A sociedade precisa estar conectada com as questões sociais, a economia e os desafios ambientais, por isso as crianças precisam ser incentivadas, desde já, a desenvolver seu aprendizado para a resolução desses problemas, ao invés de simplesmente ignorá-los até que se tornem adultos. O sistema educativo estava antiquado. Por isso, pensamos em criar um modelo curricular que integrasse aspectos inovadores de aprendizagem, passando pela gestão ambiental e pelo desenvolvimento comunitário. Com isso, construímos o foco do aprendizado dos estudantes seguindo cinco pilares: agricultura, arquitetura, energia, florestas e água.
Como foi implantar essas mudanças?
No início, tivemos dificuldades em receber apoio financeiro. Passei muito tempo buscando incentivos para continuar garantindo esse modelo curricular. Primeiro, criamos uma grande horta e começamos a incorporar o ensino de ciências, no qual os próprios alunos cultivavam as hortaliças e as ofereciam à comunidade. Em seguida, desenvolvemos a apicultura, com estudos ligados à Universidade Estadual do Oregon. O contingente de abelhas está passando por um momento de declínio significativo em escala mundial. Se isso continuar, trará impactos tremendamente negativos aos seres humanos, pois comprometerá a produção de alimentos. Como parte do currículo, além de criar as abelhas, os alunos desenvolvem pesquisas sobre as consequências desses efeitos.
Depois de um ano nos concentrando em atividades relacionadas à agricultura, começamos a receber mais financiamentos. A partir daí, pudemos trabalhar com outros temas. Atualmente, por exemplo, trabalhamos também com pesquisas sobre a qualidade da água da região e a construção de casas sustentáveis para famílias de baixa renda. Além disso, realizamos o plantio de árvores e estudamos sobre a ecologia local e, principalmente, sobre os efeitos dos desmatamentos das florestas. Recentemente construímos nosso próprio barco para fazer expedições nos rios locais e avaliar a qualidade da água. O resultado de tudo isso foi a melhoria no rendimento dos alunos, que ultrapassou a maioria das escolas da região.
O principal motivo pelo qual eu acordo
todas as manhãs para trabalhar é a satisfação em ver essa transformação social que está acontecendo
Quais foram os principais impactos sobre os alunos desde o início dessas atividades?
Os alunos estão superorgulhosos por desenvolver essas “coisas reais”, como eles próprios as definem, e, principalmente, por fazerem parte da escola, que é baseada em princípios democráticos. Ou seja, agora eles também participam do processo de tomada de decisão. Hoje em dia, eles passam muito mais tempo fora da escola, realizando projetos que tiveram início dentro da sala de aula. Com tudo isso, me pergunto: o que mais um professor poderia exigir? Às vezes, recebo ligações deles, até mesmo durante à noite, para me avisar que capturaram um enxame de abelhas de uma colmeia nova.
Como é essa troca com a comunidade e um impacto social da escola?
A comunidade vê os jovens da Kenendy High como uma parte importante desse processo de integração. Conseguimos mais de um milhão de dólares para investirmos no desenvolvimento local, por meio de projetos que nos esforçamos para concluir. Assim, à medida que vamos crescendo, a comunidade segue se desenvolvendo de forma positiva, na economia e também em sua cultura.
E como a comunidade vê esses jovens que eram considerados como “perdidos”?
Eles são parte importante da comunidade. São vistos por todos como cidadãos responsáveis e estão aumentando a autoestima da população local, sobretudo por conta do trabalho voluntário que realizam. Particularmente, estou imensamente orgulhoso pela evolução dos alunos e da relação com suas famílias. O principal motivo pelo qual eu acordo todas as manhãs para trabalhar é a satisfação em ver essa transformação social que está acontecendo. Eu tenho um imenso prazer em ver a alegria na Kennedy High e sentir que faço parte dessa mudança, de poder acompanhar meus alunos que poderão ter uma vida melhor quando alcançarem a minha idade.
Quais são seus novos projetos e desafios?
Atualmente, estamos implantando, em larga escala, um sistema de hidroponia (cultivo de hortaliças na água) e aquaponia (técnica que une a hidroponia com a criação de peixes). Algo que é muito emocionante e bastante desafiador! Além disso, pretendo levar os alunos para mais viagens internacionais. Na minha vida pessoal, estou organizando uma excursão de mountain bike com um amigo. Vamos percorrer mais de 800 quilômetros de trilhas pela costa do Pacífico. Sem contar que passo grande parte do tempo em várias partes da América Central em busca de comunidades maravilhosas e de boas ondas.