Crise do euro afeta mercado do sexo
Percalços da economia europeia reduzem fluxo de pornoturistas na costa brasileira. Expectativa é de que a Copa reaqueça o setor
“Ultimamente, rapaz, de dois anos para cá, tá bem fraco. Acho que é por causa da crise. Vinha mais italiano, espanhol. Lá tá na crise também, né? A não ser aquele rico mesmo, mas rico não vem pra cá”, queixa-se um vendedor ambulante de Natal. “Caiu bastante o movimento de estrangeiro. Tem, mas não como antes”, destaca. “Nos anos 2005, por aí, dava muito norueguês, sueco. Aí era mais família mesmo. Já os italianos, espanhóis, era mais putaria mesmo”, conclui o ambulante.
Sexo virtual
Sites promovem turismo sexual e redes sociais facilitam os contatos
A exploração sexual vem ganhando novos contornos com a configuração e organização de novas redes que se articulam para se expandir. Novas tecnologias como a internet possibilitam contato rápido e eficiente, permitindo a formação de um amplo e complexo mercado que, como tantos outros, possui uma versão lícita e outra ilícita. Por meio das redes sociais, o turista sexual chega com as informações de que necessita. “Os gringos dão uma olhada em alguns sites de garotas e já vêm com os contatos. Aí, ligam para um taxista buscar a garota e levar para o hotel”, diz um taxista de Fortaleza.
O governo brasileiro tem rastreado sites que promovem o país como destino de turismo sexual. Duas mil páginas que associavam o país à pornografia e à prostituição tiveram de alterar ou remover o conteúdo após notificadas. Algumas divulgavam “pacotes de viagens” no Brasil que incluíam oferta de “duas garotas por noite”, enquanto outras ofereciam fotos ou encontros com menores de idade. A maioria se apropriava da marca do Ministério do Turismo e de programas como o “Turismo Sustentável & Infância” e o “Viaja Mais Melhor Idade”.
Dois terços das páginas estavam hospedadas nos Estados Unidos, embora este não seja necessariamente o país de residência dos responsáveis pelos sites. Apenas uma entre 10 páginas notificadas estavam em computadores brasileiros. Essas páginas afetam negativamente a imagem do país, que neste ano investirá R$ 183 milhões em propagandas e iniciativas para associar o Brasil a conceitos como diversidade cultural, atrativos naturais, praias e culinária.
Serviço
O projeto que deu origem a esta reportagem, iniciada no domingo e que segue até amanhã, foi vencedor da Categoria Temática Especial do 6º Concurso Tim Lopes de Jornalismo investigativo, realizado pela Andi e Childhood Brasil (Instituto WCF), com apoio do Unicef, da OIT, Fenaj e Abraji.
Só italianos
“Italianos, principalmente, 70% vêm atrás de mulher. Vêm só por causa de mulher”, diz um dono de pousada em Ponta Negra, a praia mais badalada de Natal. “Mês de agosto é férias na Europa. Tinha muito estrangeiro, agora não tá vindo porque o euro tá fraco, quer dizer, ele é mais caro que o real, mas o real fortaleceu”, avalia. “Quando o euro era R$ 3,80 [diferença entre as moedas], enchia de estrangeiro aqui. Enchia mesmo. O pessoal que vem aqui é tudo assalariado. Padeiro, marceneiro, pedreiro”, diz. “Tinha um que varria rua na Holanda.”
“Quando abri a pousada, em agosto quase não pegava casais. Em cada quarto tinha um italiano. Eles ficavam 25 dias. À noite, cada um trazia uma mulher”, conta o dono do estabelecimento, de 10 suítes. “No outro dia ele vinha com outra, no outro dia era outra, no outro dia era outra. Só sei que enchia a pousada. O cara ficava 20 e poucos dias. Eu não pegava casais, porque casais sabe como é que é, né?”, comenta, em meias palavras.
Os reflexos da crise europeia são sentidos também em outras cidades da costa Nordeste com histórico de turismo sexual. Em Fortaleza, um turista quis levar para a Itália o garoto de programa com quem passou os dias de estada na cidade. Cauê, que recém completou 18 anos, não aceitou a proposta do advogado italiano de 35 anos por causa da crise econômica na Europa. “Fiquei com medo”, admite o michê.
Rave e a filha Lua, que fazem programas sexuais com turistas estrangeiros na praia da Barra, em Salvador, passaram uma temporada no Rio de Janeiro acreditando que lá a profissão seria mais rentável. “O que a gente foi procurar em Copacabana a gente não encontrou”, explica Rave. Havia poucos turistas e muita concorrência. Ao longo do calçadão de Copacabana também são comuns as queixas de que a crise do euro reduziu o fluxo de pornoturistas.
Mãe conduz filha atrás de gringos
Lua tinha 6 anos quando começou a ver a mãe se pintar para sair à noite. Encantava-se vendo-a marcar os lábios em escarlate, o perfume invadir a atmosfera, o rubor artificial da bochecha. Nutria por ela tal admiração que toda a aglomeração dos vícios parecia-lhe a mais tenra virtude, embora não soubesse ainda distinguir uma coisa de outra. Idêntica consideração não teve pelo pai ao tomar ciência dos acontecimentos.
A mãe, Rave, entrou na prostituição aos 26 anos, abandonada pelo companheiro quando nasceu o quarto filho, uma menina que hoje conta 13 anos. “Ele me largou com cinco dias de parida”, recorda. Sentia-se presa a uma persistente desesperança, e outros fatores concorriam para empurrá-la às ruas. “A necessidade me obrigou a entrar nisso, e tô até hoje”. Começou fazendo pista nas esquinas de Salvador, até descobrir um meio mais lucrativo em praias e boates frequentadas por turistas estrangeiros.
“No verão, trabalho só com gringo, não quero saber de brasileiro”, esnoba. As mesmas amigas mostraram o caminho também à filha. “Comecei com 16”, diz Lua. “Mas não totalmente com 16. Começou a oficializar agora, com 18”, intercede a mãe. “Por ela ser menor de idade, muitas pessoas temiam. Quando pintava, não tinha opção e ela acabava indo”, explica.
Mundo melancólico
Lua até poderia ter-se deixado levar pelo glamour da noite e da vida sem regras, mas não foi o caso. Aceitou as condições como escape ao melancólico mundo da mãe, com a qual vivia dias economicamente instáveis. Pôs-se em sacrifício para salvar a si e à mãe ao aceitar as ruas como meio de vida. Compelida a deitar-se com homens pelos quais não sente qualquer consideração, consome as horas na vaga esperança de encontrar um gringo para se casar.
Rave esteve perto desse sonho. Conhece sete países, por meio da internet. “Um ano fiquei fixo na Alemanha e três anos em outros países. Tem mais ou menos uns dois anos que não viajo. Não sei, mas talvez eu faça a Suíça agora”. A esperança está num suíço que Rave conheceu há pouco no Rio de Janeiro, onde foi tentar a sorte num período de baixa temporada em Salvador.
“A gente ficou junto 15 dias. Foi um programa mesmo, um programa no qual eu ficava com ele todos os dias, e ele me pagando. Ele gostou de mim e falou: ‘Eu quero levar você pra Suíça’. Eu disse ‘tá bom’”. Na noite em que conversou com a reportagem, na orla da Barra, em Salvador, Rave aguardava contato do suíço que recém voltara ao seu país.
Lua esteve com a mãe no Rio, em Copacabana. A concorrência era grande, voltaram. Sobre a filha seguir seus passos, Rave não se importa. “Não era o que eu queria pra ela. Mas o que eu posso fazer, né? Tem que apoiar e ensinar o que aprendi”. Os primeiros programas da menina foram agenciados por taxistas e cafetões, depois pela própria mãe. “Os mesmo com quem ela saiu, eu saí também”, diz Rave.
“Em hotel eles [turistas] pedem muitas garotas. Se não conseguir no próprio hotel, eles vêm à Barra e conseguem por conta própria, chegam lá pagam a hospedagem da garota. Mas se for indicado, eles dão uma gorjetazinha e tudo certo.” Foi assim que Lua, aos 17 anos, ficou uma semana num hotel de luxo com um prefeito do interior da Bahia. “Se ele é o homem do pacote, vai ter problema? Não vai ter problema nenhum”, diz Rave.
“Juntas, a gente nunca fez. Agora, se o cliente quiser trocar, nós troca”, garante a mãe. “Tem muitos que pedem”, completa Lua. “Mas no dia que bater a loucura, vai ter que pagar um preço muito alto, porque eu vou meter uma cachaça na cabeça e no outro dia não vou lembrar de nada. Mas eu vou pedir um preço muito alto por esse fetiche”, adianta Rave. “Se for pra me beneficiar com isso eu vou me beneficiar, vou explorar sim, não penso duas vezes.”
Uma família de papel
Branca e Paloma não sabem ler nem escrever. A tragédia das irmãs pernambucanas recheia dois processos de seis volumes na 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife. O clássico jurídico de 1,3 mil páginas por elas protagonizado relata a severidade das circunstâncias que as levaram a crescer ausentes de cuidados, forjando as condições que as puseram na sarjeta. A maturidade, que no mais das vezes é obra de uma vida inteira, cobrou precocemente as travessuras de infância. E a pátina do tempo reivindicou no corpo a idade que ainda não viveram.
A história de Branca e Paloma retrata um drama brasileiro, tão triste quanto recorrente. A família toda escapou ao radar do Estado, ainda que os sinais fossem aparentes. Pai e mãe analfabetos. Ele, alcoolista, foi preso pelo abuso sexual de Branca. A mãe, atestada com déficit cognitivo, consegue uns trocados lavando roupas. Os seis irmãos, entre 11 e 21 anos, tiveram alguma vivência de escola, mas não o aprendizado. A evasão escolar levou-os à perda do Bolsa Família.
Branca, uma das 80 meninas resgatadas das ruas pelo gestor da Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), delegado Zanelli Gomes Alencar, era submetida à exploração sexual. Primeira a ser explorada, Paloma levou a irmã quatro anos mais nova. Foi dessa forma, infeliz e tardia, que a família veio a lume. Dos outros três irmãos, o menino de 15 anos já cumpriu pena em regime semi-aberto. O mais novo, de 10, exibe revolta e agressividade só vista em gente grande.
As irmãs entraram na rede de proteção à infância por meio do Conselho Tutelar e do Instituto de Ação Social e Cidadania. Branca contava 9 anos; Paloma, 13. Recolhidas sempre no mesmo local, acabavam voltando. Ao chegar à Vara da Infância e Juventude, já haviam passado por vários órgãos da rede de proteção, que fracassa não só porque tem pouca estrutura, mas porque não há diálogo entre suas partes. A prova dessa desarticulação está nas 1,3 mil páginas do processo da família, instaurado em 2010.
Em 2008, a família foi transferida pela prefeitura de uma favela na zona norte de Recife para um conjunto habitacional, quando as crianças já viviam nas ruas. Livrou-se do esgoto a céu aberto, não da influência do narcotráfico, que cooptou três dos seis filhos.
Com asma crônica, Branca deu entrada 14 vezes no mesmo hospital desde 2008, até ser recusada em 8 de fevereiro deste ano. Acionado, Zanelli pediu na Justiça a internação compulsória, e a menina passou a viver no hospital. Não fosse essa medida extrema, Branca seguiria o caminho da irmã, que recém completou 18 anos e escapou às investidas da rede de proteção. Vive nas ruas.
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