Sem registro, crianças do interior de SP ficam 'invisíveis'
DANIELA SANTOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO
No último dia 27 de novembro, Bia completou seus seis anos de idade.
Ao contrário de seus irmãos e primos, que frequentam a escola, brincam com os colegas e praticam atividades educativas, ela passou o dia em casa. Como sempre.
A menina nem tem nome oficial ainda --o Bia adotado nesta reportagem é fictício.
A garotinha é uma das 116 crianças nascidas em Ribeirão Preto (313 km de São aulo) --uma das cidades mais ricas do país-- com até dez anos de idade que não havia sido registrada até o último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010.
Ainda hoje, Bia não é reconhecida legalmente em nenhum lugar --não só na cidade. É como se fosse uma criança invisível, que não existe oficialmente.
Ela passa a maior parte do dia entre a casa da mãe, num conjunto habitacional da periferia da cidade, e a residência da avó, em outra área periférica. Ainda não vai à escola --deverá ser matriculada, se conseguir, em 2013.
Márcia Ribeiro/Folhapress
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Segundo sua tia, uma caixa de supermercado de 28 anos, Bia leva uma vida difícil. Ela é agitada e gosta de brincar, mas só fica em casa. "Sem registro a pessoa não é nada. Não vive", disse a tia à Folha na semana passada.
OUTROS CASOS
A situação da menina está longe de ser um caso isolado em muitas regiões pobres do país. Mas também é muito comum em Ribeirão Preto, cidade que já foi conhecida, nos anos 1980, como "Califórnia brasileira".
O apelido é uma alusão à riqueza que vem do agronegócio e uma comparação ao rico Estado norte-americano.
A região é um dos principais polos do país em produção de cana-de-açúcar.
O PIB do município é de R$ 14,6 bilhões, segundo dados de 2009, volume alcançado por poucas cidades brasileiras --algumas capitais, inclusive, não atingem essa marca, como Campo Grande (MS), com R$ 11 bilhões.
De acordo com o Censo, até o ano de 2010, 3% dos nascidos vivos no município com até dez anos de idade não haviam sido registrados.
Mesmo com esse índice de sub-registros, Ribeirão Preto está dentro dos padrões internacionais de erradicação do problema, que é de 5%.
Outras 174 crianças nascidas no mesmo ano de Bia (2006) em Ribeirão só foram registradas entre 2007 e 2010.
A reportagem apurou junto aos cartórios da cidade que, do começo deste ano até o dia 22 de novembro, pelo menos 18 crianças com idades entre 1 e 11 anos foram registradas tardiamente em Ribeirão Preto.
Mas há casos mais impressionantes: uma ribeirão-pretana de 18 anos conseguiu seu registro em 2011. Uma jovem de 24, moradora de um bairro de classe média, só teve sua certidão de nascimento registrada em fevereiro.
O caso de Bia, porém, ainda vai levar um tempo para ser resolvido, segundo a mãe. Enquanto isso, lamenta o fato de nunca ter ido à escola. "Queria ter amiguinhos e brincar", disse à Folha.
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