por Amelia Gonzalez
A estagnação dos pensamentos e propostas é um dos fatores que pode estar dando um caráter anódino às discussões sobre uma sociedade sustentável. Debate-se muito mas, no fim das contas, o que se conclui é que o planeta não vai conseguir continuar fornecendo recursos para um número tão grande de habitantes. E aí, ou o sistema econômico se recria ou se verá uma catástrofe que hoje só se consegue imaginar. Ou criar em forma de filmes.
Mas, pensando bem… Um fenômeno pode começar a pôr água nas profecias e, mais do que isso, a forçar uma guinada e atualizar o debate. Com base em estudos e pesquisas, o jornalista e editor da editoria de meio ambiente da revista britânica “The Economist”, John Parker, escreveu um artigo na semana que antecedeu o Natal, no qual mostra que nos últimos 50 anos vem acontecendo, lenta e pausadamente, um declínio no tamanho das famílias. Segundo ele, o ano que vai começar daqui a quatro dias será um marco nessa mudança.
“No continente mais populoso do mundo, a Ásia, a taxa de fecundidade total cairá para 2,1. Em 1960, a fertilidade média da Ásia foi de 5,8.”, diz o jornalista em seu artigo. A Divisão de População das Nações Unidas acha que a grande virada na taxa populacional do continente vai acontecer por volta de 2015 a 2020. Mas os especialistas chineses cravam 2014 como o ano em que as mulheres passarão a ter, em média, dois ou mesmo um filho apenas.
John Parker lembra que a queda de fecundidade está ocorrendo em todo o mundo e cita a América Latina, que tem experimentado, segundo o jornalista, “um declínio quase tão grande quanto está acontecendo na Ásia”. Mas o continente asiático merece mais atenção por dois motivos, diz ele. Primeiro, porque ali moram 4,3 bilhões de pessoas, ou seja, mais da metade da população mundial. Segundo, porque o declínio dos nascimentos nas áreas mais densamente povoadas da Ásia tem sido muito acentuado. Em Bangladesh, por exemplo, segundo o artigo, a taxa caiu de 6 para 2 nos últimos trinta anos. O Irã viu sua taxa de fertilidade cair de 6 para 1, dos anos 80 ao início deste século.
E por que isso está acontecendo? Não será, certamente, porque os pais têm medo do futuro. O fenômeno, segundo Parker, está diretamente relacionado a fatores econômicos: com menos filhos é mais fácil dar às crianças uma vida mais confortável. No entanto, para o macro sistema, essa tomada de consciência pode pôr em risco, sobretudo, o pogresso. “Algumas estimativas dão conta de que um quarto do crescimento econômico da Ásia ao longo dos últimos 50 anos veio de seu padrão demográfico favorável”.
Com a queda da fertilidade, porém, essas vantagens econômicas vão diminuindo também. “Entre 2010 e 2020, de acordo com os chineses, o número de pessoas com idade entre 15 e 59 anos no país vai declinar. Essa é a idade em que as pessoas estão ativas para o trabalho.” Ou seja, com oferta menor do que a demanda, as relações de trabalho internamente serão outras.
Um outro problema apontado por Parker quando ele destrincha o impacto da queda de fertilidade é que em muitos países o padrão tem sido o de ter um único filho por casal. Segundo ele, isso acontece hoje na Alemanha, na Rússia e no Japão. E pode vir a acontecer – vejam só – na China, onde a política de filho único (lançada nos anos 70 em que o governo pune o casal que tiver muitos filhos) já está sendo repensada, apesar de o ministro responsável pela Comissão Nacional de Planejamento Familiar, Wang Xia, ter feito um pronunciamento no início desse ano negando que haverá mudanças.
Mas Parker garante que em 2014 vai aumentar a pressão para que essa política seja descartada.
Como eu falei no início do texto, para os estudiosos que pensam sobre a possibilidade de uma mudança de rumo na sociedade para que ela seja sustentável, essa novidade no mapa da fecundidade pode trazer boas notícias. Afinal, não são poucos os estudos que vêm sendo divulgados mostrando como os recursos naturais vão se esgotando à medida que cresce a população e o consumo. Se a população parar de crescer tanto… o que acontecerá?
Penso que ainda falta muito para que essa discussão tome outro rumo. Uma pesquisa lançada pela principal academia científica britânica, a Royal Society, durante a Rio+20, dava conta de uma disparidade de consumo, sim, mas das nações ricas. Segundo o estudo, uma criança de um país rico consome até 50 vezes mais água, por exemplo, do que a de um país pobre. Ainda segundo a pesquisa, estima-se que em 2025 1,8 bilhão de pessoas viverão em áreas com severa escassez de água.
Voltando ao ponto: a questão não é, então, exatamente o aumento populacional, mas a distribuição, ou melhor, a má distribuição, dos recursos naturais. Se a gente conseguir encarar de frente e corajosamente essa questão, aí sim, podemos avançar mais um pouco na discussão. Acredito que é uma forma de se reinventar e tirar do tema sustentabilidade o mofo que cobre os assuntos que, como diz a gíria mais perversa dos últimos tempos, “não aconteceu”.
Uma sociedade mais sustentável é possível, pode acontecer. Mas muita coisa vai ter que entrar na ordem do dia dos debates. Será que todos vão querer?
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