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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Tribunais não decidiram se abandono afetivo é indenizável

Por César Luis Guerra Lage Macedo

Assim dispõe o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”. Nesse sentido, extrai-se do dispositivo apresentado o dever de cuidado lato sensu dos pais para com os filhos independentemente de vínculo biológico.

Não obstante seja notória a expertise dos nobres julgadores, o instituto dos danos morais de uma forma geral sempre foi um dos problemas mais intrigantes do poder judiciário.

Isso porque a dinâmica social altera a noção do que seja o dano e, por mais sábios que sejam os julgadores, jamais sentirão na pele os efeitos particulares que o abandono afetivo pode causar. Além disso, o tema gera repercussão até mesmo fora dos tribunais.

Embora a legislação vigente obrigue os pais, biológicos ou não, a arcarem com as despesas da prole, bem como prestar-lhe assistência e educação sob pena das leis, a indenização por abandono afetivo ainda é um ponto obscuro em nosso sistema jurídico em função da divergência entre as decisões.

Podemos observar ainda que a indenização por abandono afetivo vai muito além do instituto da pensão alimentícia.

O primeiro instituto nada mais é que uma forma de reparação em virtude da ausência dos pais. O segundo, por sua vez, possui a natureza de garantir a subsistência do alimentando, não necessariamente menor de 18 anos.

Não podemos jamais confundir a natureza desses institutos. A pensão alimentícia possui o condão de garantir as necessidades básicas, ou seja, é uma forma de auxílio ao cônjuge nas despesas da prole.

O cônjuge ausente pode muito bem arcar com as despesas dos filhos por meio da pensão alimentícia e, ao mesmo tempo, acompanhar-lhes o crescimento, proporcionando-lhes afeto, cuidado e educação.

A indenização por abandono afetivo possui cunho meramente condenatório e reparatório, embora por mais alta que a indenização seja fixada, jamais conseguirá suprir ou reparar a falta do pai ou da mãe ausente.

Contudo, o objeto do presente artigo é mais restrito, limitando-se apenas a demonstrar, na prática, como os nossos Tribunais ainda não decidiram, de forma uniforme, se o abandono afetivo é indenizável ou não.

É o caso, por exemplo, do julgado pela Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter a sentença que negou reparação moral decorrente de abandono afetivo por parte de um pai com relação à filha (TJRS, Apelação Cível 70050203751, Rel. Des. Alzir Felippe Schimitz, 8ª Caciv, DJ 22/11/2012).

No entanto, embora o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ser no sentido de que não é cabível a indenização por abandono afetivo, já houve condenação em desfavor do pai ausente.

Isso ocorreu no dia 27/02/2013, quando do julgamento da apelação cível 1.0144.11.001951-6/001, pois a 11ª Câmara Cível manteve a condenação de um pai que não reconheceu publicamente sua filha quando da veiculação de um informativo local. Neste caso, a condenação foi de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Por outro lado, na ocasião do julgamento da apelação cível 1.0194.09.099785-0/001, a 15ª Câmara Cível manteve a sentença denegatória de reparação civil, pois entendeu que o abandono afetivo do pai em relação aos filhos, ainda que moralmente reprovável, não gera dever de indenizar, por não caracterizar conduta antijurídica e ilícita.

Em contrapartida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já condenou um pai a indenizar em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a filha por abandono afetivo. Nesse caso, que tramitou em segredo de justiça, a Requerente conseguiu o reconhecimento judicial de paternidade e entrou com ação indenizatória por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência.

Com fulcro noartigo 1.589 do Código Civil, entendo que a Terceira Turma do STJ julgou acertadamente ao condenar o pai a indenizar a filha pelo abandono material e afetivo. Vejamos o porquê disso:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Assim, observa-se o teor do dispositivo apresentado que, embora não seja uma obrigação legal, faculta ao pai ou à mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, a manter uma relação mínima de afeto.

Além disso, não é à toa que o Código Civil define no art. 1.634 as responsabilidades dos pais para com os filhos. Vejamos:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Nesse contexto, estamos diante de algumas obrigações dos pais que podem determinar o futuro de cada um dos filhos, ou seja, quando os pais deveriam se preocupar com a educação, criação e os mantém sob sua guarda.

Refiro-me aqui ao essencial, àquilo que servirá de base para o futuro do filho.

Devemos reconhecer, por outro lado, que a lei não pode obrigar os pais a amarem os filhos. Porém, o que se discute aqui é a consequência psicológica que a falta de afeto pode causar no sentido de que essa ausência deve proceder a uma sanção.

Não se quer, com isso, aumentar a famigerada “indústria do dano moral”, mas demonstrar que é possível, sim, haver dano em razão do abandono afetivo, que, por óbvio, deve ser reparado.

Entretanto, o problema não é a comprovação do dano. Comprovar o dano pode ser relativamente fácil se levarmos em consideração a prova testemunhal, pericial e todas outras admitidas em direito. O problema está justamente “acertar”, na falta de uma palavra melhor, o valor da indenização.

Ainda quanto ao dano, em se tratando de menores em atividade escolar, pode ser comprovado até mesmo se houver queda no rendimento ou alteração significativa no comportamento.

Além de conviver com a separação dos pais – seja por divórcio, necessidades profissionais ou nova relação amorosa –, que certamente contraria a vontade dos filhos, esses ainda sentem falta do afeto do pai ou da mãe ausente.

A propósito, o abandono afetivo muitas vezes se dá a partir da separação dos pais, acarretando o distanciamento do pai ou da mãe, em decorrência de uma nova ligação afetiva.

Vale destacar, ainda, que, nos termos do Código de Processo Civil vigente, o menor não pode litigar em causa própria, devendo ser representado em juízo.

Em razão disso, por questões particulares e até mesmo pelo receio de dificultar a relação familiar, muitas vezes a demanda não é proposta. Entretanto, na maioria das vezes, a ação é proposta quando o filho completa a maioridade, que, neste caso, inicia-se o prazo prescricional de 3 (três) anos, conforme inteligência do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil vigente.

Assim, de qualquer ângulo que se observa, a responsabilidade civil por abandono afetivo desempenha o papel de punição em virtude do mau uso do exercício do poder familiar.

Portanto, ausentes as obrigações básicas dos pais para com os filhos, é cabível, sim, a competente ação indenizatória por abandono afetivo, desde que, claro, seja comprovado o dano.

César Luis Guerra Lage Macedo é graduando em Direito pela Universidade FUMEC, em Belo Horizonte/MG, e estagiário no escritório de advocacia Lage & Portilho Jardim.

Revista Consultor Jurídico

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