Marcaram a história no comando dos seus países. Confira os posicionamentos, as motivações e os dilemas na experiência da ligação de ex-lideres com temas globais na ONU.
Eleutério Guevane, da Rádio ONU em Nova York.*
José Ramos Horta é o mais recente da lista dos que abraçaram carreira nas Nações Unidas após chegar ao topo da vida política.
Há quase um ano, foi nomeado representante do Secretário-Geral na Guiné-Bissau, depois de ter sido presidente do Timor-Leste de 2007 a 2012, e primeiro-ministro do país.
Instabilidade Política
Um mês antes de deixar o cargo, em abril, o Estado guineense sofre um golpe em mais um momento de instabilidade política. A situação é recorrente na nação africana, a primeira do continente a declarar independência de Portugal, há quase 40 anos.
Em entrevista à Rádio ONU, em Nova York, Ramos Horta disse que abraçar a função foi um gesto de gratidão ao mundo.
"É precisamente por reciprocidade. Uma resposta ao que a ONU, a comunidade internacional, fez por Timor-Leste ao longo dos anos. Hoje, o país tem alguma folga financeira, não muita, mas achamos que é altura de Timor devolver a solidariedade à comunidade internacional. Neste caso, através da ajuda à Guiné-Bissau."
Prémio Nobel da Paz
A nação africana está a poucos meses de eleições gerais, como parte da transição que o Prémio Nobel da Paz diz estar "no bom caminho". O antigo líder timorense explicou porque a opção de seguir para a Guiné-Bissau falou mais alto na hora de decidir se partia para o novo posto.
"O Secretário-Geral convidou-me. Nunca esteve nos meus planos vir do 'fim do mundo', que é o Extremo Oriente para a África Ocidental na Guiné-Bissau. Hesitei, por razões pessoais. Mas o próprio primeiro-ministro (timorense) Xanana Gusmão e o presidente Taur Matan Ruak convenceram-me a aceitar. Esse todo apoio que prometeram está no terreno neste momento."
Fernando Henrique Cardoso
Do Brasil, Fernando Henrique Cardoso deu o seu tempo à ONU há quase uma década. O ex-presidente liderou o Painel de Alto Nível sobre a Sociedade Civil, que publicou um relatório a recomendar a organização a fazer mais consultas aos representantes da sociedade civil.
Essa tarefa foi abraçada por Cardoso depois de cumprir dois mandatos em frente dos destinos do país, até 2002.Em entrevista à Rádio ONU, de Brasília, FHC fala do seu papel no relatório "Nós, os Povos: Sociedade Civil, as Nações Unidas e Governança Global."
Repercursão
"Olha, eu abracei com entusiasmo. As Nações Unidas desempenham um papel central, mas que não pode se limitar a ter a representação dos Estados, ou seja, precisa estar sempre atenta às modificações que ocorrem ao nível da sociedade. Então nós preparamos um relatório, demos várias sugestões, inclusive sobre formas de credenciamento das ONGs, para participarem dos debates nas Nações Unidas. Foi um trabalho que me deu muito prazer fazer e que me deu grande repercussão."
O documento tem propostas para fortalecer a parceria da ONU com a sociedade civil na ajuda humanitária, na cooperação para o desenvolvimento e no envolvimento de parlamentares com a organização.
Hoje a dirigir o instituto com o seu nome, Cardoso conta como passou a olhar para a o cenário global, após o momento de exercício nas Nações Unidas. Ele acredita que houve avanços nos últimos 10 anos, mas há desafios.
"Falta caminhar muito ainda, porque sempre há muita resistência, por parte de alguns governos, em entender que no mundo contemporâneo não há oposição entre governo e sociedade civil, mas complementariedade. E que é preciso que haja canais que permitam aos governos terem uma interação mais forte. Há muita resistência, mas a despeito disso, a ONU tem feito progressos."
Jorge Sampaio
Um outro chefe de Estado lusófono que se juntou à ONU foi o ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio. Ele conciliou duas tarefas. Foi o primeiro alto representante da Aliança das Civilizações, de 2007 a 2012, quando já servia como enviado especial para a Luta contra a Tuberculose.
Hoje com 74 anos, Sampaio conta como foi o momento em que assumiu a nova responsabilidade após ter sido dirigente da nação.
"O presidente da República tem a sensação de que tem o país às costas, não é? E acorda de noite a pensar o que é que acontece amanhã aqui no meu país, por isto e por aquilo. Aqui (na ONU) o horizonte é mais vasto, quer dizer, e portanto há todo um nível completamente diferente e a responsabilidade que se assume não é exatamente a mesma. É uma responsabilidade forte, como é óbvio, mas é partilhada, ao passo que o presidente de um país, embora tenha muitos órgãos institucionais, etc. Tem uma responsabilidade pessoal muito direta, sobretudo quando é eleito, como é o caso de Portugal, do Brasil e de outros países, por sufrágio direto e universal."
Moçambique
Um outro presidente que notou a diferença entre o trabalho em seu país e na ONU foi Joaquim Chissano, de Moçambique. Foi dirigente de 1986 a 2005, e teve no seu mandado o fim da guerra civil e o primeiro regime democrático. A mediação de conflitos em África é parte da sua colaboração com a ONU.
"Era uma missão, tal como nós tínhamos combatido para libertação dos países na África, combatíamos, agora, não só para colocar a África no lugar que lhe cabe no concerto das nações mas também para trazer mais harmonia no mundo. Era uma missão que era igual àquela para a qual dedicamos até a nossa vida, com todos os riscos, quando nós lutamos pela libertação nacional", disse.
Conselheiro
Chissano esteve entre os selecionados para ajudar a promover a reforma da ONU em 2004. Atualmente, colabora com várias agências da organização como conselheiro em questões como clima, comércio, população e desenvolvimento.
Foi na era de Chissano que a primeira mulher a chefiar um governo de um país lusófono tomou posse: a moçambicana Luísa Diogo. Eleita primeira-ministra em 2004, a governante integrou o Painel de Sustentabilidade Global da ONU vários anos depois.
Novo Ambiente
Com o grupo formado em 2010, o Secretário-Geral, Ban Ki-moon queria mais propostas para combater a pobreza e tentar conter as alterações climáticas. Luísa Diogo conta como se adaptou ao novo ambiente, e o que teve que mudar.
"Quando nós olhamos para o painel das Nações Unidas nunca encontramos a maioria feminina. Mas é preciso fazer com que a agenda da igualdade de género seja sempre presente. Isso foi um desafio em relação ao Painel sobre a Coerência do Sistema. Conseguimos sair de lá com uma decisão profunda, que foi a criação da unidade como Nações Unidas em relação ao género", contou.
Os ex-lideres partem de uma era em que sua palavra podia mudar o rumo político, para servir num ambiente em que são sujeitos a consultas e outros cenários. Acompanhe no próximo programa os dilemas pessoais dos ex-chefes de Estado e de governo lusófonos que decidiram dedicar parte da sua experiência à ONU.
*Apresentação: Edgard Júnior.
Entrevistas: Edgard Júnior, Eleutério Guevane, Leda Letra e Mônica Villela Grayley.
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