Em oito horas diárias de trabalho, ela atende cerca de 30 pessoas. Algumas gostam de desabafar sobre o dia difícil na empresa, outras reclamam da vida afetiva. Existem aquelas que compartilham suas alegrias e outras que choram, brigam e pedem conselhos. Há ainda quem prefere ficar calado e casais que discutem, reatam e fazem planos juntos. Independentemente da revelação de cada cliente, ela sempre está ali no papel de ouvinte e conselheira.
Não, não estamos falando de uma terapeuta, pelo menos não de uma profissional habilitada para a função. Palmerinda Paiva Amaral, 65 anos, é taxista na cidade do Rio de Janeiro há mais de 30 anos e, em suas idas e vindas, já conheceu muita gente e ouviu inúmeras histórias. “O banco do táxi é quase um divã”, brinca. Se contar sua vida para um desconhecido pode parecer invasivo demais, também tem lá suas vantagens. “Acho que os passageiros se sentem à vontade e desabafam justamente pelo fato de não nos conhecermos e de dificilmente nos encontrarmos de novo”, comenta.
Relatos de problemas amorosos são os recordistas nas corridas dessa mineira que vive no Rio. Ela revela que já seguiu marido de passageira, parou o carro para casais que queriam discutir a relação e até ajudou na reconciliação de namorados. “Certa vez, uma moça muito bonita entrou no carro chorando e contou que estava grávida, mas o pai do bebê não queria assumir. Durante a corrida, tentei acalmá-la. Depois de alguns dias, ela me ligou dizendo que tinham se acertado e que estava feliz com a gravidez”, lembra, contente.
Papo vai, papo vem, uma dessas conversas expressas acabou se estendendo e Palmerinda ganhou uma grande amiga. “A Fátima é professora e não dirigia. Eu a levava à aula e buscava todos os dias. Acabamos nos tornando amigonas. Isso foi há dez anos e hoje ela mora em João Pessoa, mas a amizade, que começou no táxi, continua forte e verdadeira”, diz, orgulhosa, a motorista, que até curtiu férias na casa de Fátima.
Mas não é só de histórias curiosas de passageiros que se compõem esses 30 anos de profissão. Depois de ficar viúva, Palmerinda foi trabalhar dia e noite para criar os dois filhos pequenos. “No começo, enfrentei o preconceito dos meus colegas e de clientes por ser mulher. Hoje em dia isso diminuiu muito. Tem gente que até prefere as motoristas pela nossa fama de sermos mais cuidadosas e pacientes”, constata.
A taxista também já passou por maus bocados: foi assaltada, ficou sem receber pela corrida e teve que esperar por horas o reboque, com o carro enguiçado em ruas escuras. Mas ela não desanimou! “Teve dias em que senti medo e cheguei em casa chorando, só que nunca pensei em abandonar minha profissão”, afirma.
Pelo contrário, as experiências só fortaleceram essa história de amor entre a taxista e o seu carro, que por 20 anos foi o número 001 de uma tradicional companhia do Rio. “Fiquei viciada em dirigir. Aprendi a escutar meu carro. Agora eu o entendo e até já sei quando vai ter problema”, afirma. Certamente essa história está longe de acabar. Aposentadoria? “Não vai acontecer tão cedo”, garante.